sábado, 24 de janeiro de 2015

Shakespeare

No fim do ano passado terminei meu segundo grande projeto literário: ler todas as peças de William Shakespeare. Nem sei quanto tempo demorei (acho que uns três anos ou mais), pois eu as li a noite, antes de dormir, sem pressa, meio que absorvendo as histórias e me deixando absorver por elas, sem anotar nada, sem fazer resumo, só para deleite mesmo, e, ainda, intercalando com outros livros. Meu primeiro projeto foi a leitura dos romances de Machado de Assis; os próximos são, na ordem, o teatro grego e latino, os romances russos dos séculos XIX e início do XX, os romances de Eça de Queirós e Comédia Humana de Balzac. Para os próximos 10 ou 15 anos pelo menos tenho garantidas ótimas companhias, intercalando com as leituras das trilogias e crônicas que também me prendem a atenção e a alma.

Quanto ao Bardo, sinceramente não se tenho algo a dizer que acrescentaria ou diferenciaria de tudo o que já foi dito e escrito sobre ele; aliás, esta nem é minha pretensão, pois não sou e nem quero ser especialista neste assunto. O que quero, na verdade, é passar, muito rapidamente, minha impressão geral sobre sua obra, mas nem sei ao certo por onde começar... Mas, vamos lá...

O que mais me chamou a atenção é como ele constrói as histórias e os personagens: sempre de forma não-linear, buscando exibir a complexidade que é o ser humano e suas relações. Seus enredos são despidos de maniqueísmos e, portanto, não fiquei esperando um final em que o herói se dê bem e o vilão se dê mau. Aliás, o que menos importa nas histórias é seu final, os quais geralmente são abruptos e até, arriscaria a dizer, um tanto preguiçosos. O mundo shakesperiano é o mundo dos homens reais, com seus amores, paixões, amizades, fidelidades, heroísmos, mas, também, com suas angústias, medos, ciúmes, traições, horrores, angústias, desesperos, vilanias e lutas acirradas e veladas pelo poder. As histórias, sempre complexas, pois complexa é a vida, sempre são, digamos, lógicas, num enredo em que amores e conflitos são levados muitas vezes ao extremo de soluções que espantam o leitor atual acostumado com finais felizes e com a vitória dos heróis sobre os vilões. As peças trágicas não o são porque são histórias que têm finais tristes, mas, sim, porque os enredos são dramáticos e seus finais são meras consequências das tramas. Não há, na peças do Bardo, lugar para deuses ex machina.  Não há como ficar imune às histórias, pois elas revelam o que o humano é e pode fazer; é como se colocássemos um espelho a nossa frente revelando imagens sem máscaras. Eu sempre procuro "dialogar" com as peças, com as histórias e, assim, elas sempre incomodam, desinquietam, mas, revelam o mundo, as vezes tão estranho, dos humanos. Shakespeare me ajuda a compreender a minha sociedade, tão distante cronologicamente dele, mas tão próxima porque as relações pessoais, sociais e políticas continuam complexas, pois formadas pois complexos seres... humanos!!

As peças de Shakespeare são usualmente divididas em Comédias, Tragédias e Dramas Históricos. Gostei de todas as peças, pois todas elas me tocaram de alguma forma a alma. Ri, me espantei, enraiveci, me condoí, enfim, as peças mobilizaram meus sentimentos. Para quem ainda não adentrou o mundo shakesperiano atrevo-me a indicar as peças que mais gostei de acordo com a divisão acima, para o início de um caminho, no mínimo, instigante: das comédias, "Sonho de uma noite de verão", das tragédias, "Macbeth", e dos dramas históricos, "A tragédia do rei Ricardo II".

Termino este atrevido post com uma frase de Machado de Assis sobre Shakespeare, como uma espécie de ligação entre os dois dos maiores homens da literatura mundial e meus dois projetos de leitura: "Um dia, quando já não houver império britânico..., haverá Shakespeare; quando se não falar inglês, falar-se-á Shakespeare".