domingo, 17 de setembro de 2017

"It", a Coisa, ou, os medos e as culpas do dia-a-dia....



Assisti o filme It, a Coisa, uma refilmagem do clássico livro de Stephen King. O livro foi publicado em 1986 e a primeira versão para as telonas foi de 1990. Confesso que fui ao cinema convidado pela Sofia, minha filha, pois, por um histórico de problemas com filmes de terror (ver meu post Demônios), nunca me liguei muito a enredos em que aparecesse qualquer ser sobrenatural que atormenta as pessoas. Fui, portanto, ver o filme sem ter visto nada antes; sabia apenas que se tratava de um palhaço que encarnava o mal e que assustava pessoas. Resultado: passei medo, tive sustos, mas, depois de uma noite de sono, parece que consegui fazer uma relação do filme com algo mais concreto e cotidiano na nossa vida, o medo. O filme, como eu já imaginava, em se tratando de Stephen King, é uma metáfora.

O palhaço do filme, o It ou a Coisa, Pennywise, é um ser que se alimenta do medo das crianças e adolescentes. Eu ainda não entendi, no contexto do filme, como a Coisa surgiu e porque ela tem tantos poderes. Mas, o que fica claro é que o combustível dela, que vem buscar de tempos em tempos, é composto do maior medo que as pessoas mais frágeis na pequena cidade americana têm, ou seja, as crianças e os adolescentes. Medo de levar bronca do irmão mais velho e ídolo; medo do pai abusador; medo da mulher deformada no quadro; medo de ficar doente; medo do fogo que matou os pais; medo da solidão; medos, medos... O medo é a porta de entrada da Coisa no mundo dos personagens, os Losers (fracassados) da escola; o medo é que permite que eles sejam perseguidos e quase mortos pela Coisa. Melhor não adentrar em maiores detalhes para não fazer spoiler importante aqui...

O medo mostrado no filme não é aquele que nos protege, como o medo de saltar de paraquedas ou de asa delta, não é, portanto, o que podemos chamar de medo positivo. O medo, no filme, é o que paralisa a pessoa, é o que a torna fraca e, com isso, presa fácil de situações e de pessoas dispostas a explorar nosso medo em benefício próprio. O medo faz a pessoa "flutuar", sair da realidade e se entregar ao seu "sequestrador". E esse tipo de medo é resultado, em sua grande maioria, da culpa. No filme: a culpa por desobedecer o irmão; a culpa por ter sido abusada pelo pai; a culpa por não se esmerar o suficiente para se tornar um judeu adulto, ainda mais sendo filho de um rabino; a culpa por ser o causador do seu estado de saúde débil; a culpa por não ter ajudado os pais quando a casa pegou fogo; a culpa por não ser merecedor da atenção e amizade dos outros; culpas, culpas... Quando os adolescentes protagonistas do filme conseguem superar seu medo da Coisa eles a enfrentam; enfrentam, metaforicamente, seus próprios medos; conseguem enfrentar suas próprias culpas e passam a se libertar dos dois sentimentos que os paralisavam.

Todos temos nossos medos, uns mais visíveis e outros mais recônditos. Portanto, temos nossas culpas motivadoras dos medos, umas mais visíveis e outras bem mais escondidas. Enfrentar o medo é enfrentar as culpas, reconhecê-las e perceber que talvez elas não são nossas, mas, que por processos os mais variados e complexos, elas foram introjetadas por nós, mas que não somos suas causas. E, mesmo que as culpas sejam nossas, é preciso saber relativizar sua importância e assumir, quem sabe, a nossa parte do pagamento. Só assim, creio, é possível ver nossos medos cara a cara e enfrentar nosso monstro particular, nosso palhaço que nos atormenta e, especialmente, vencê-lo. A fortaleza do monstro é nossa fraqueza; a nossa coragem é a fragilidade da Coisa.

Ah, o filme é muito bom e muito bem dirigido, bem atuado, mantendo um enredo eletrizante. Recomendo!! O problema é que, mesmo tratando de medos, quem sabe, alheios, ficamos preocupados de nos depararmos com o Penywise por aí....