sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Fim de novela


Meus leitores já sabem que gosto de novelas e já escrevi aqui no blog os motivos. Hoje quero falar sobre o fim da novela, sobre o último capítulo. Claro que minha motivação para isso foi a novela que acabou agora a pouco, aliás, um final de novela com aspectos diferentes e com momentos de muita sensibilidade. Mas, quero mesmo falar sobre os finais de novelas em geral.

Sempre fico com uma sensação estranha, não sei ao certo definir. Mas, o fato é que geralmente ao mesmo tempo em que me emociono eu fico incomodado com os finais felizes, pois a história termina com praticamente todos os problemas resolvidos. Casais (hetero ou homossexuais) terminam juntos; há casamentos; crianças nascem; os maus se dão mal, geralmente morrem; os protagonistas se dão bem; enfim, o que me incomoda é que existe um final, e geralmente um final feliz para a história. Sempre pensei em continuidade de novelas depois de alguns anos. Será que daqui há dez anos: Bruno, Paloma e filhos formariam ainda uma família feliz? Pilar continuaria casada com seu ex-motorista? Palhaço e Delícia ainda estariam juntos? Félix, Carneirinho e César não teriam brigas homéricas, afinal, César é descaradamente homofóbico? Enfim, como estariam todos os personagens, com os quais passamos a "conviver", daqui há uns anos? Claro que sei que o destino dos personagens estaria, mesmo daqui um tempo, literalmente nas mãos do autor do folhetim, mas teimo em tentar imaginar a realidade do enredo para além da vontade de quem o escreveu.

O fato é que se o enredo da novela combina com o enredo da vida, com amores, trapaças, desejos, paixões, traições, crimes, amizade, disputa, solidariedade etc., o final da novela não combina com a vida real, pois, como me acostumei a escrever por aqui, a realidade é sempre mais imperfeita. Talvez seja por isso que o final feliz da novela me incomoda... No entanto, me parece que precisamos de finais felizes de vez em quando; é quase uma catarse que temos vez por outra, a cada oito meses mais ou menos, em que podemos expurgar nossas decepções conosco mesmo, com os outros e com a sociedade, vibrando com o final feliz para os bons e o final infeliz para os maus. Acho que nos sentimos vingados, pelo menos simbolicamente, pelo destino dos personagens; se na realidade não conseguimos mudar muita coisa, pelo menos na novela as coisas mudam radicalmente e, o mais importante, se resolvem definitivamente. Acho que é isso que movimenta as novelas, e acho que é exatamente isso que me incomoda.

Os últimos finais de novela têm avançado em aspectos da convivência social. Este último, de Amor à Vida, avançou no esperado beijo gay, o qual foi artisticamente muito bonito. Muitos homossexuais e defensores da liberdade de escolha sexual devem ter ficado satisfeitos com a "ousadia" da Globo, mesmo ela tendo expressado algo já bastante comum na sociedade, mas o fato de ter sido exibido em rede nacional em que milhões de famílias estavam assistindo revelou, sim, ousadia. Terá sido mais um catarse?? Aposto que sim...

E, como as coisas foram resolvidas para o bem na novela que acabou, agora esperamos o novo folhetim para passarmos a amar alguns personagens, rir com outros, chorar com alguns, odiar outros ainda, para, ao final, passarmos por outro simbólico acerto de contas. Que venha a próxima!!!


domingo, 12 de janeiro de 2014

Félix

Resolvi escrever sobre o personagem Félix, da novela Amor à Vida, antes do fim da novela para não ser influenciado pela decisão do autor. Mas, antes de mais nada, meus parabéns ao ator Mateus Solano, que já vivera os gêmeos em Viver a Vida, e agora dá um verdadeiro show na pele de adorado/odiado Félix. Acho que refletir sobre tal personagem é refletir sobre a vida, sobre nossas concepções, sobre a nossa realidade.

Como os que assistem a novela, como eu, sabem que Félix começou a história como mau-caráter. Jogou a sobrinha em uma caçamba de lixo, roubou o hospital do seu pai, no qual era administrador, tentou matar a sobrinha no hospital novamente, provocou um acidente que quase matou um desafeto seu que descobriu suas falcatruas, foi responsável pelo sequestro, novamente de sua sobrinha... enfim, um perfeito safado e criminoso. No entanto, da metade para frente do folhetim, descobriu-se que ele é gay, seu pai o desprezou por isso, ficamos sabendo que ele foi rejeitado pelos pais acusado indiretamente da morte de seu irmão quando ambos eram crianças. A partir daí, com a experiência da pobreza de Félix, tendo que vender cachorro-quente na rua, acabou revendo as suas atitudes e, chantageado pela mãe, acabou se arrependendo de todos os seus erros, confessando-os aos interessados e sendo perdoado. Enfim, de mal-caráter, foi se transformando em uma boa pessoa, pessoa que gosta de crianças, é amigo querido e sincero e bacana com todos. Parece que o autor na novela, pelo menos por enquanto, talvez convencido pela popularidade de uma atuação hilária de Félix, resolveu salvar a sua pele.

No entanto, a mim me parece que a solução é mais um deus ex machina (*), um artifício ilógico e inverossímil que muda a personalidade da pessoa a partir do reconhecimento interior de sua safadeza. A mudança de Félix atende muito mais a um desejo, quase que utópico, que as pessoas em geral acalentam de que as pessoas más, se forem bem orientadas, se forem convertidas, enfim, se mudarem de vida mudam as suas personalidades para boas pessoas. Fico me perguntando se realmente é assim... Fico lembrando sempre de outro personagem televisivo, House, do seriado americano de mesmo nome, que sempre dizia "People don't change" (as pessoas não mudam). Acho mesmo que nutrimos, as pessoas em geral, um idealismo de base religiosa que crê na possibilidade de mudanças de personalidade. Porém, se pensarmos que a personalidade de um indivíduo se define na sua infância, a pessoa pode, sim, agregar e aprender com as experiências da vida, se tornar mais maduro etc., no entanto, o que ele é, interiormente, isso não muda.

Eu preferia que o autor fosse radical na construção do personagem Félix. Gostaria muito de acompanhar a reação das pessoas (e a minha própria) continuando a se deparar com um mal-caráter que alegra a vida das pessoas, que é hilário, mas que, sempre vai pensar em seu umbigo egoísta. A atual solução me parece idealista demais, tapa o sol com peneira, dá uma sensação de poder que na realidade inexiste, pois ela, a realidade, como já fiz algumas referências aqui no blog, é mais imperfeita. Ver o Félix bonzinho me dá a sensação de ter jogado água no vinho da santa ceia...
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(*) A origem da expressão deus ex-machina encontra-se no teatro grego e refere-se a uma inesperada, artificial ou improvável personagem, artefato ou evento introduzido repentinamente em um trabalho de ficção ou drama para resolver uma situação ou desemaranhar uma trama. Este dispositivo é na verdade uma invenção grega. No teatro grego havia muitas peças que terminavam com um deus sendo, metaforicamente, baixado por um guindaste até o local da encenação. Esse deus então amarrava todas as pontas soltas da históriaA expressão é usada hoje para indicar um desenvolvimento de uma história que não leva em consideração sua lógica interna e é tão inverossímil que permite ao autor terminá-la com uma situação improvável porém mais palatável. Em termos modernos, Deus ex machina também pode descrever uma pessoa ou uma coisa que de repente aparece e resolve uma dificuldade aparentemente insolucionável. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Deus_ex_machina)



quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

UFC


Todos os que viram se impressionaram muito com a perna quebrada do Anderson Silva na sua luta no final do ano passado na tentativa de recuperar o título mundial do MMA (Artes Marciais Mistas, em português). No entanto, o sangue no rosto dos lutadores em geral dessa modalidade parece não incomodar, ou, pelo menos, parece não impressionar, ao contrário, parece ser exatamente uma espécie de chamariz de audiência. O fato é que o MMA, ou os torneios de UFC (Campeonatos de luta), têm cada vez mais um público cativo, torcedores que esperam a madrugada para ver as lutas, e o sangue. Mas, fico me perguntando as causas de num momento da vida social em que a violência é execrada (violência dos pais, dos professores, dos maridos, dos policiais...) um esporte em que a violência é a tônica seja tão popular.

De certa forma, se formos buscar na história, as lutas, seja num ringue ou em um tatame, ao se tornarem esportes, passaram a compor o que o sociólogo alemão Norbert Elias chama de processo civilizatório, pois as lutas deixaram de terminar com a morte de um dos oponentes, tal como o que ocorria com os gladiadores romanos, por exemplo. O fato de, na atualidade, também contarem com juízes, faz as lutas se tornarem confrontos com regras, as quais, se desobedecidas, implicam na eliminação do lutador tido como desonesto. Há, portanto, sem dúvida, uma evolução grande nos combates e, penso, o UFC é expressão disso. No entanto, apesar de regras, tempo, árbitros, a exposição da violência é contínua. O sangue, no UFC, é farto.

Me pergunto que mecanismos psicológicos são acionados no espectador para que ele sinta prazer com a violência dos lutadores. A hipótese mais amena que me ocorre é que o desejo de dar porrada nos outros, de brigar no trânsito etc., é substituído pela violência institucionalizada no esporte. No entanto, não consigo deixar de pensar que pode haver um certo prazer neurótico em acompanhar e torcer para que uma determinada pessoa sofra nas mãos de outra. Me pergunto, também, se os fanáticos torcedores do UFC não são os mesmos que sentem um prazer camuflado de ver acidentes e de fotografar pessoas feridas ou mortas em seus carros batidos ou estendidas nas estradas.

Enfim, apesar de ser um esporte, e muito lucrativo diga-se de passagem, confesso que toda vez que vejo um lutador ensangüentado em uma luta de UFC eu não consigo deixar de ficar constrangido. Acho, sinceramente, que a sociedade já chegou em um patamar de civilidade em que tais cenas poderiam deixar de existir. Ou não, talvez eu seja, afinal de contas, um mero puritano mesmo...