domingo, 26 de maio de 2019

Game of Thrones - uma série rara e apaixonante...

Sim, eu também não gostei muito da última temporada de Game of Thrones (GOT). Sim, eu também esperei um desfecho diferente, especialmente da personagem Daenerys. Na minha avaliação, o penúltimo episódio da série contribuiu, negativamente, para um sentimento quase de frustração com o final. No entanto, quero escrever aqui sobre a série como um todo. E escrevo, no fundo, para cumprir uma espécie de luto que estou sentindo com o final de uma série que teve oito temporadas ao longo de nove anos.

As pessoas que me conhecem sabem que me tornei gotmaníaco. No apartamento onde moro tem várias referências, como quadros, inúmeras camisetas, blusa, chinelo, e até os nomes de minhas gatas, Ária e Sansa, são homenagem à série. Assisti ao vivo, aos domingos a noite (precisamente com início às 22:03), praticamente todos os episódios. Re-assisti, em janeiro passado, as sete primeiras temporadas. Mas, porque esta série me encantou tanto? Mais do que a ambientação medieval e a existência de gigantes, zumbis e dragões (o que para mim nunca foi o ponto forte da história), o que me chamou a atenção foi o enredo realista e sem concessões ao maniqueísmo de uma luta sem limites pelo poder. O reino de Westeros, simbolizado por um trono feito por milhares de espadas parcial ou totalmente derretidas - o Trono de Ferro -, foi o palco de uma luta entre famílias pelo seu domínio. Personagens fortes, marcantes: alguns, líderes que chefiaram exércitos: outros, aconselharam líderes, que mataram, mandaram matar, e que morreram... sim, muitos morreram e, alguns deles, justamente os que encarnaram os mocinhos da história.

A principal característica da série, que prendeu minha atenção desde o início e que me fez ler os livros (cinco publicados de sete prometidos por R. R. Martin), foi o fato de que, desde o início, a história seguiu um enredo que não poupou os personagens do bem de acidentes e mortes injustas. Logo no primeiro episódio um menino (personagem importante) é atirado do alto de uma torre por ter presenciado uma cena de sexo entre dois irmãos: a rainha, Cercei, e o chefe da guarda pessoal do rei (Jaime), seu marido (Robert), os dois que, aliás, eram os verdadeiros pais dos três filhos da rainha com o rei. O menino, que virá a se tornar o rei de Westeros no final da série - Bran, o Quebrado -, é de uma das famílias centrais da história, os Stark, da casa Winterfel, do norte gelado. O pai do garoto, que ficou paraplégico, teve sua cabeça cortada por decisão do rei Joffrey (filho de Robert); o irmão e a mãe do garoto (Catelyn e Rob) morreram assassinados durante um casamento; o irmão mais novo do garoto (Rickon) morreu com uma flechada nas costas... dentre todas as mortes ocorridas ao longo da história estas estão entre as mais sentidas pelos expectadores. A coerência do enredo não poupou ninguém, porque "no jogo dos tronos ou você vence ou você morre". A coerência da série se deveu ao fato de que a história não se rendeu ao maniqueísmo triunfalista, que acaba por poupar os heróis e se livrar dos vilões.

Quem me conhece há algum tempo já me ouviu dizer que "a vida não é linear". A vida não tem a coerência que gostaríamos que tivesse, e isto pelo simples fato de que a nossa vida está, direta ou indiretamente, ligada à vida de outras pessoas e está conectada a uma série de circunstâncias que, na maioria das vezes, escapam de nosso pretenso controle. Assim é a série... pessoas que, ungidas como grandes líderes, acham que estão acima das vicissitudes da vida, acabam em situações que não gostariam, e pessoas egoístas, capazes de atrocidades, acabam por ser beneficiadas... situações que surpreendem os idealistas ou os defensores de que o ser humano é bom por natureza. A rigor, não existe quem personifica o bem e quem personifica o mal na história. Há, é claro, os heróis e os vilões, mas os primeiros têm seus momentos de vilões e os últimos têm seus momentos de heróis. Nos acostumamos, com o tempo, nas disputas pelo trono de Westeros, a desgostar de quem achamos que deveríamos sempre gostar e a gostar de quem jurávamos que iríamos sempre odiar. John deixou Ygritte, seu primeiro amor, morrer; Bran deixou Odor morrer; Rob  mandou matar prisioneiros; Daenerys matou, implacavelmente, muita gente, como exemplos das atitudes condenáveis dos heróis... entre os vilões, Cercei acabou com a religião do Alto Pardal; Jaime voltou para salvar Brienn; Cão de Caça ajudou Sansa... Enfim, a série nos levou, algumas vezes, à uma contradição interna no expectador, aliás, como a própria vida nos prega peças às vezes...

É claro que alguns personagens foram marcados por um amor ou um ódio mais constantes por parte de nós, expectadores: Eddard, Ária, John, Gendry, Samuel, Odor, Davos, Missandei, Lyanna estão entre aqueles que amei mais  intensamente; Joffrey, Cercei, Ramsay, Mindinho, Euron, Walder estão entre aqueles que passei a odiar com mais intensidade. No entanto, como, para mim, amor e ódio são apenas dois lados da mesma moeda, tantos os amados como os odiados me marcaram intensamente... Alguns personagens, por sua vez, marcaram pela profundidade realista em expor como o jogo dos tronos era ou deveria ser jogado, mas nem por isso se deram bem por conhecerem, mais do que outros, as regras: Tyrion, Varys, Mindinho e  Meistre Aemon foram, na minha opinião, os personagens que propiciaram os diálogos mais importantes para quem, apesar das paixões, queria prestar atenção nas verdadeiras razões da guerra e, consequentemente, em como agir para sobreviver e se dar bem. O mais interessante é que não teve nenhum personagem, sejam os mais simples, quase figurantes de luxo, ou os mais importantes, que ficou "sobrando" na série. Cada diálogo, cada cena, por mais aparentemente insignificante para a história, teve importância, ou seja, não teve praticamente na "fora do lugar". A série não cometeu o "pecado" de muitas séries longas: "encher linguiça" para ganhar tempo para o desenrolar do enredo.

Conchavos inúmeros, batalhas épicas (dos Bastardos, a Grande Batalha contra o Rei da Noite), mortes brutais (Ned Stark, Joffrey, Oberyn, Ramsay), reis e rainhas, legítimos ou não (Robert, Stanis, Renly, Rob, Joffrey, Tommen, Cercei, Daenerys, John, Sansa, Bran),  filmados com impressionantes efeitos visuais, deram o tom eletrizante à história. Dragões, gigantes, zumbis, a grande muralha, foram apenas os temperos de um banquete que foi servido ao longo de anos.

Enfim, GOT é uma série que vai deixar saudades. Ainda bem que R. R. Martin prometeu que terminará a história dos livros - As Crônicas de Gelo e Fogo - com os volumes 6 e 7. Sem dúvida, e quem leu os livros concordará comigo, a história escrita é mais rica que a história filmada. Aliás, como o próprio Martin já falou, são duas formas diferentes de contar a mesma história. Quem sabe, no livro, o final seja diferente da série, pois, como afirmei no início deste post, o penúltimo episódio comprometeu o final da história, pois errou justamente na sua maior virtude, a coerência, pois foi muito mal construída a loucura e a morte da Rainha dos dragões e os fatos daí decorrentes, como a morte de Varys. De resto, o final da série foi interessante: Bran, o Quebrado, como rei de Westeros, algo inusitado, mas com lógica; John Snow exilado nas terras de além da muralha, inusitado, mas com lógica; Arya viajando para Oeste de Westeros, um final que combinou com o que ela se tornou, uma guerreira e não uma lady; Sansa como rainha do Norte, inesperado, mas combinando com a Matriarca Stark em que ela se tornou; Tyrion como mão do rei, esperado... enfim, um final tipo happy end é que, definitivamente, não combinaria...

Para terminar, registro, aqui, os meus tops da série:

- melhor herói: Rob Stark
- melhor vilão: Cercei Lannister
- mais odiado: Ramsay Bolton
- mais amado: John Snow
- personagem mais eletrizante: Daenerys Targarien
- personagem mais intrigante: Tyrion Lannister
- personagem mais inteligente: Lord Varys
- personagem "canção da América": Samwell Tarly
- personagem "bipolaridade": Theon Greyjoy
- personagem fidelidade: Brienne de Tarth
- personagem "menina maravilha": Lyanna Mormont
- melhor cena: Arya matando o Rei da Noite
- cena mais inesperada: Casamento Vermelho
- cena de tirar o fôlego: a retirada dos selvagens da praia das terras de além da muralha
- melhor casal: John Snow e Ygritte
- melhor reviravolta: Mindinho condenado à morte por Sansa
- melhor cena de empoderamento feminino: Daenerys queimando os chefes dos dhotrakis
- melhor luta: Gregor Clegane mata Oberin Martell
- cena mais triste: morte de Hodor
- cena mais impressionante: o dragão que se tornou zumbi
- melhor temporada: a quarta
e...
- personagem mais mais mais de tudo: ARYA STARK