sábado, 11 de novembro de 2017

Celso



Conheci o Celso em 1992, durante o Josuem (jogos dos servidores da UEM), em que eu jogava futebol pelo CCH (Centro de Ciências Humanas) e ele jogava pelo time da PRH (Pró-Reitoria de Recursos Humanos). De lá para cá trabalhamos juntos na gestão dos professores Souza e Neuza, de 1994 a 1998, eu na chefia de gabinete e ele na chefia do cerimonial; ele morou em casa um tempinho (me falha a memória quando foi), pois tinha quebrado a perna e estava estudando para um concurso; fui padrinho de casamento dele com a Sandra, em 2000 ou 2001; mas, o mais importante é que fomos amigos, no sentido mais profundo e bonito deste substantivo, especialmente desde 1994. Ao mesmo tempo que é difícil escrever algo para o Celso como minha última homenagem a ele, por causa da dor de sua partida, é muito fácil dele lembrar e sobre ele escrever.

O Celso fez Direito na UEM e começou a trabalhar na mesma universidade antes de mim, ou seja, antes de 1989. Pela sua formação, pela sua articulação política, pela sua liderança e pela sua capacidade de diálogo, ele ocupou cargos de relevância na nossa universidade. Além da já citada chefia do cerimonial, em que pode desenvolver uma de suas habilidades, que era falar em público, ele foi, sucessivamente, Diretor de Pessoal, de 1998 a 2002, Procurador Jurídico, de 2002 a 2006, Presidente do Sinteemar (Sindicato dos servidores da UEM) de 2013 a 2016. Além disso ele foi o representante dos servidores técnicos no Conselho de Administração da UEM, função que lhe rendeu a liderança e o respeito dos seus pares, pois ele os representou muito bem, especialmente em momentos decisivos da carreira dos servidores. É impossível separar a história pessoal dele de sua atuação, intensa e significativa, na UEM.

O Celso foi uma das melhores almas que conheci. Como disse o Erivelto, nosso amigo em comum, hoje de manhã, sempre foi fácil estar perto dele. Pessoa tranquila, raramente perdia a serenidade, bom de conversa, especialmente sobre música e futebol. Claro que o Celso tinha defeitos, mas, sinceramente, não estou nem aí para deles falar, pois os seus defeitos o tornavam humano, só isto!! É interessante que apesar de sermos amigos-irmãos, nem sempre estivemos no mesmo lado político na UEM. Na campanhas para reitor de 2002 e 2006 (campanhas, no geral, que nós dois tivemos participação intensa) estivemos em lados diferentes; ele levou uma e eu outra; empatamos! Mas, em nenhum momento nossa amizade sequer balançou, ao contrário, o respeito mútuo somente cresceu. Para não ficar excessivamente longo este depoimento/homenagem, uma história e uma sua característica.

A história: no início de 1997 ele, como chefe do cerimonial, organizou a colação de grau dos alunos da UEM no ginásio Chico Neto, e eu, como chefe de gabinete, ou seja, como seu chefe imediato, tinha que aprovar tudo. Ele veio com uma ideia de fazer algo diferente ao final da cerimônia, que era realizada em dois dias: fazer um letreiro escrito "Parabéns aos graduados da UEM", escrito com pólvora que, ao final, com as luzes desligadas, seria aceso e proporcionaria um visual deslumbrante. Fizemos sem comunicar o reitor Souza, para não estragar a surpresa. Foi lindo! Todos aplaudiram! No entanto, como diz a lei da física que a fumaça quente sobe a fria desce, depois de cinco minutos a fumaça toda desceu e cobriu todos (umas três mil pessoas ao todo), quase causando um alvoroço. Bombeiros foram chamados, mas, descobriram que nem sempre onde há fumaça há fogo. Ainda bem! Resultado: levamos um senhora de uma bronca do reitor e, claro, não repetimos no outro dia. (estou rindo sozinho aqui lembrando de tudo...).

A característica: Celso foi o palmeirense mais entusiasmado que conheci; muito mais do que eu, que sou palmeirense.  Se pedirem para as pessoas que o conheceram lembrar dele certamente o farão vestido com a camisa ou agasalho do Palmeiras. Ele sempre comprou todas as camisas do time, as de jogo (primeira, segunda e terceira camisas) e as de treino; os calções; as meias; as camisas de goleiro, de manga curta e longa; os agasalhos. Quando não estava vestido com uniforme do Palmeiras ele estava, geralmente, de terno (outro tipo de roupa de que gostava muito), ou seja, sempre estava muito elegante! Mas, apesar de todo o entusiasmo ele não era fanático, como tantas vezes as pessoas assim o qualificaram, pois fanatismo significa intolerância com o diferente. Ele sempre respeitou os torcedores dos outros times, mesmo os corinthianos!! Eu posso afirmar com segurança que nunca vi o Celso discutir seriamente com alguém por causa de futebol; nem nos campos em que ele jogava (aliás, um ótimo centroavante), nem nas resenhas, bares, churrascos, com ou sem bebida alcoólica. Ele sempre foi assim, um torcedor ardoroso, mas nunca colocou o glorioso Palmeiras acima das amizades. Por isso sempre foi muito fácil estar com ele.

É isso meu amigo!! Um pouco de quem você foi e é, pois seu corpo se esvaiu, mas sua memória sempre vai estar comigo. Você me fez muito bem sempre!! Foi um baita privilégio conviver contigo por tantos anos!! Você fará muita falta na vida de muita gente, especialmente seus familiares e amigos mais próximos, mas saiba que sua presença, palavras e seu jeito de ser contribuíram para muitos de nós sermos melhores. Especialmente eu!!!!!!

domingo, 1 de outubro de 2017

Vaidade e (im)produtivismo...

(Microconto livremente inspirado em Machado de Assis)


Recentemente foi encontrado um manuscrito antigo, de autoria desconhecida, que relata a vida em uma sociedade bem diferente desta nossa em que vivemos. Pelo manuscrito não se sabe que época é retratada nem exatamente o local, mas sabe-se que eram seres humanos vivendo de forma organizada e, em princípio, racionalmente. Provavelmente em algum ilha razoavelmente grande de algum imenso oceano. Perto da ilha de Utopia? Quem sabe... restam apenas especulações, até porque esta sociedade deixou de existir há muito tempo... Bem, vamos a uma síntese do que está no pergaminho.

Aquela sociedade se organizava em torno da luta, ou melhor dizendo, da pugna, com regras bem claras, e, com o passar do tempo, cada vez mais regrada. No começo as pessoas lutavam porque gostavam, porque diziam que era saudável para o corpo e para o espírito e, especialmente, porque poderiam passar as técnicas de luta para pessoas mais jovens. Assim, criaram uma espécie de programas de treinamento para passar as técnicas, tanto práticas como teóricas, para aqueles que passaram a ser os alunos. E, como aferição dos resultados, os alunos teriam que desenvolver novas técnicas e formas de lutas e apresentarem perante uma banca. Como, pelo que se pode apreender do pergaminho, aquela sociedade era razoavelmente grande, dividida em distritos, uns mais centrais e ricos e outros mais periféricos e pobres, logo começou a existir uma forma de ranking entre os programas. E, por uma decorrência que só afeta os seres humanos em toda a sua longa história, a vaidade começou a tomar conta de algumas pessoas. Aqueles que estavam no topo do ranking se sentiam como que aristocratas da sabedoria e aqueles que não estavam no cume faziam de tudo para lá fincar seus "pés".

A partir de então, como vaidade que se presta não pode ser para todos, aquela sociedade passou a expandir suas regras, tanto horizontalmente como verticalmente, ou seja, mais regras para os alunos e seus tutores e mais regras para os programas. O curioso, pelo menos para nós que não cultivamos essas coisas, é que as regras passaram a restringir o acesso de programas e, consequentemente, de professores e seus alunos, aos estágios mais destacados. Quanto mais programas coletivos conseguiam atender as regras, no ano seguinte se elevavam os patamares a serem atingidos. No começo da organização das pugnas bastava aprender as técnicas e apresentá-las em festivais de lutas; os professores também faziam suas apresentações; existia festivais o ano todo em todos os recantos daquela sociedade. No entanto, as novas regras que foram surgindo disciplinava os eventos; estabeleceu-se, também, um ranking dos festivais de 1 a 10, sendo 1 o mais qualificado e 10 o menos. Eventos categorias 1, 2 e 3 eram bem poucos e, portanto, concorridos, e para conseguir ser aceito para lutar neles era algo para poucos, somente os aristocratas na verdade; os outros, especialmente os de categorias 8 a 10 eram mais e mais acessíveis, porém, contavam bem pouco.

O manuscrito relata que poucas pessoas questionavam as regras estabelecidas, pois criou-se toda uma racionalidade lógica para provar que as categorias e, por consequência, os rankings eram impassíveis de crítica; "só se estabelecia quem tinha qualidade", era o que afirmavam; e isto tornou-se uma espécie de dogma. E assim, desta forma, passou-se vários anos... No entanto, continua o manuscrito, algumas pessoas faziam críticas àquela racionalidade. Diziam elas que as lutas tinham perdido o sentido de pugnas; um número cada vez menor de pessoas iam assistir as lutas; os alunos não estavam mais sendo preparados com tempo suficiente para treinar bem suas técnicas, pois tinham que lutar o mais cedo possível e na maior quantidade possível;  os programas estavam demitindo gente que não lutava o suficiente em prol do seu programa... enfim, aquele modelo adotado não era unânime, mas era hegemônico. O manuscrito termina relatando tentativas dos descontentes de criarem uma espécie de liga separada e autônoma, mas que não tiveram muito sucesso. A organização original seguiu produzindo cada vez mais festivais, cada vez mais lutas e... cada vez mais vaidades...

É preciso ser justo com meus leitores e informar que existe uma pequena possibilidade do manuscrito ser forjado. Se esta hipótese for verdadeira, resta perguntar quem inventou isso tudo e por que motivos. Eu, de minha parte, acredito que o manuscrito é verdadeiro... ah, e como é!!



domingo, 17 de setembro de 2017

"It", a Coisa, ou, os medos e as culpas do dia-a-dia....



Assisti o filme It, a Coisa, uma refilmagem do clássico livro de Stephen King. O livro foi publicado em 1986 e a primeira versão para as telonas foi de 1990. Confesso que fui ao cinema convidado pela Sofia, minha filha, pois, por um histórico de problemas com filmes de terror (ver meu post Demônios), nunca me liguei muito a enredos em que aparecesse qualquer ser sobrenatural que atormenta as pessoas. Fui, portanto, ver o filme sem ter visto nada antes; sabia apenas que se tratava de um palhaço que encarnava o mal e que assustava pessoas. Resultado: passei medo, tive sustos, mas, depois de uma noite de sono, parece que consegui fazer uma relação do filme com algo mais concreto e cotidiano na nossa vida, o medo. O filme, como eu já imaginava, em se tratando de Stephen King, é uma metáfora.

O palhaço do filme, o It ou a Coisa, Pennywise, é um ser que se alimenta do medo das crianças e adolescentes. Eu ainda não entendi, no contexto do filme, como a Coisa surgiu e porque ela tem tantos poderes. Mas, o que fica claro é que o combustível dela, que vem buscar de tempos em tempos, é composto do maior medo que as pessoas mais frágeis na pequena cidade americana têm, ou seja, as crianças e os adolescentes. Medo de levar bronca do irmão mais velho e ídolo; medo do pai abusador; medo da mulher deformada no quadro; medo de ficar doente; medo do fogo que matou os pais; medo da solidão; medos, medos... O medo é a porta de entrada da Coisa no mundo dos personagens, os Losers (fracassados) da escola; o medo é que permite que eles sejam perseguidos e quase mortos pela Coisa. Melhor não adentrar em maiores detalhes para não fazer spoiler importante aqui...

O medo mostrado no filme não é aquele que nos protege, como o medo de saltar de paraquedas ou de asa delta, não é, portanto, o que podemos chamar de medo positivo. O medo, no filme, é o que paralisa a pessoa, é o que a torna fraca e, com isso, presa fácil de situações e de pessoas dispostas a explorar nosso medo em benefício próprio. O medo faz a pessoa "flutuar", sair da realidade e se entregar ao seu "sequestrador". E esse tipo de medo é resultado, em sua grande maioria, da culpa. No filme: a culpa por desobedecer o irmão; a culpa por ter sido abusada pelo pai; a culpa por não se esmerar o suficiente para se tornar um judeu adulto, ainda mais sendo filho de um rabino; a culpa por ser o causador do seu estado de saúde débil; a culpa por não ter ajudado os pais quando a casa pegou fogo; a culpa por não ser merecedor da atenção e amizade dos outros; culpas, culpas... Quando os adolescentes protagonistas do filme conseguem superar seu medo da Coisa eles a enfrentam; enfrentam, metaforicamente, seus próprios medos; conseguem enfrentar suas próprias culpas e passam a se libertar dos dois sentimentos que os paralisavam.

Todos temos nossos medos, uns mais visíveis e outros mais recônditos. Portanto, temos nossas culpas motivadoras dos medos, umas mais visíveis e outras bem mais escondidas. Enfrentar o medo é enfrentar as culpas, reconhecê-las e perceber que talvez elas não são nossas, mas, que por processos os mais variados e complexos, elas foram introjetadas por nós, mas que não somos suas causas. E, mesmo que as culpas sejam nossas, é preciso saber relativizar sua importância e assumir, quem sabe, a nossa parte do pagamento. Só assim, creio, é possível ver nossos medos cara a cara e enfrentar nosso monstro particular, nosso palhaço que nos atormenta e, especialmente, vencê-lo. A fortaleza do monstro é nossa fraqueza; a nossa coragem é a fragilidade da Coisa.

Ah, o filme é muito bom e muito bem dirigido, bem atuado, mantendo um enredo eletrizante. Recomendo!! O problema é que, mesmo tratando de medos, quem sabe, alheios, ficamos preocupados de nos depararmos com o Penywise por aí....


sábado, 26 de agosto de 2017

O estalo de Vieira


Contam os biógrafos de Antonio Vieira que o Imperador da Língua Portuguesa, na definição de Fernando Pessoa, quando era estudante do Real Colégio da Bahia, na época dirigido pelos jesuítas, era um aluno medíocre, que tinha muitas dificuldades em se adaptar àquela instituição. Certo dia, no entanto, enquanto ia para mais um dia árduo de escola ele, como costumava fazer todo dia, estava rezando na Sé em construção e teve uma fortíssima dor de cabeça, como se tivesse recebido um golpe em sua cabeça, chegando a acreditar que iria morrer. Não somente não morreu como, mais tarde já no colégio, passou a entender tudo o que os professores ensinavam. Se tornou o melhor aluno e quando foi convidado para ser professor de Filosofia, e depois Teologia, produziu um curso de Filosofia próprio, e depois um de Teologia, destacando-se nas Letras da época. O episódio da intensa e repentina dor de cabeça passou para a história como "O Estalo de Vieira".

Desde a primeira vez que li sobre esse momento da vida de Vieira, e pensando no grande intelectual e orador em que ele se transformou, confesso o meu pecado da inveja. Gostaria muito de ter tido, na minha adolescência, alguns estalos. Gostaria muito de ter tido facilidade para aprender química, biologia e física, inglês e francês e, depois, na faculdade, queria muito ter tido estalo para entender melhor Kant e Hegel. Mas, infelizmente não tive tais estalos... a duras penas consegui entender um pouco de inglês e francês... Parece que estalos são reservados para poucos mesmo, acho que somente para aqueles que estão mais próximos de Deus.

Mas, como sempre tento fazer relações para além dos termos em si, fico pensando, por exemplo, que tem muita gente por aí que talvez fique esperando um estalo em sua vida, evitando dedicar-se a aprender as coisas que, na maioria das vezes acontece de forma difícil, com dificuldade, que é resultado de muita dedicação e suor... No entanto, eu acho que quanto mais a gente se esforça para aprender as coisas, mais estamos perto de estalos, ou seja, de entendermos, finalmente, o que buscamos... Além disso, acho que o "estalo" pode ser as conexões, os links que conseguimos fazer, relacionando o que estamos aprendendo com outras coisas de nossa vida. Penso que quanto mais a gente perceber que qualquer coisa que aprendemos na escola ou na universidade tem sempre a ver com a nossa vida, quanto mais a gente perceber que teorias não estão distantes da vida, mais temos chance de fazer conexões e ampliarmos o nosso conhecimento, e mais, temos condição de criar nosso próprio pensamento, sermos autônomos e, assim, dialogar com maturidade com a vida e com os saberes acadêmicos. Talvez seja esta uma boa forma de entender o significado do "estalo", ou seja, algo que impulsiona, uma espécie de salto, em que passamos a fazer links que antes nos sentíamos incapazes...

Talvez o tal do Estalo de Vieira tenha sido nada mais do que um lampejo em que ele passou a fazer as conexões que não conseguia e, por isso, ia mal na escola. Quem sabe ele, pensando muito em tudo o que era passado no colégio, conseguiu fazer algum link que deixou claro a lógica e as ligações de todas as informações escolares e, por isso mesmo, tenha tido uma forte dor de cabeça; dores da descoberta!!! De qualquer forma, não resolve ficar parado esperando um "estalo"; quem sabe o "estalo" não é uma recompensa do esforço de querer aprender sempre mais!!!!



quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Sobre a série "13 Reasons Why"...


A série da Netflix "13 Reasons Why" (numa tradução livre: "13 motivos do porquê") causou, recentemente, muitos comentários, especialmente pelo tema tratado. Vi críticas e vi elogios. Críticas ao enredo tido como fraco, à caracterização da personagem como egoísta demais, à espetacularização do tema; elogios à forma como a série tratou o tema, à coragem de tocar em algo tão sensível na sociedade, ao realismo e intimismo do enredo.

A história trata do suicídio de uma menina de 17 anos, cujos motivos foram relatados por ela mesma em fitas cassetes, envolvendo 13 pessoas, que representaram os 13 motivos de sua trágica decisão.  Confesso que assisti com muito receio, pois o tema do suicídio é muito polêmico; é tão sensível que existe um acordo, no Brasil, entre a imprensa e a polícia de não divulgar suicídios pelo fato de que alguém que está pensando seriamente em tirar a própria vida acaba se encorajando ao saber que outra pessoa o fez. Mas, a série me mostrou que é necessário pensar no assunto e tentar conhecer os sinais de que alguém próximo a nós pode estar pensando seriamente cometer tal ato. A série me mostrou que não devemos julgar as pessoas que estão passando por isto e muito menos quem acaba concretizando. Os motivos são vários e geralmente profundos. O que devemos fazer é, na verdade, tentar antecipar, naquilo que depender de nós, os sinais.

É preciso, no entanto, contextualizar a série. Ela retrata a sociedade americana,  a vida dos jovens de classe média e a escola de ensino médio (a High School). A sociedade estadounidense é, como sabemos, extremamente competitiva, e isto se revela no seu sistema de ensino, pois todas as escolas, de ensino fundamental, médio e as universidades têm seus times de esportes os mais variados, predominando o basquete, o futebol americano e o beisebol (esportes nacionais de maior audiência). É uma sociedade que respira competição desde a mais tenra idade. E, por isso, a escola americana é sempre retratada em filmes dividida entre os que praticam esportes, cultura, as cheerleaders e os nerds; os que não se encaixam em nenhum desses grupos são excluídos pelos demais. A série mostra a High School, do ponto de vista dos alunos, como uma instituição dura, em que as relações são muito precárias e sem afetos duradouros e machismos, além do bullying, é claro. Esta é a síntese do ambiente que levou a personagem a cometer o suicídio.

No Brasil a sociedade é diferente e, por consequência, a escola também. Alerto que não estou aqui comparando a competência das escolas, porque acho que o esporte poderia, se bem direcionado, contribuir com a escola pública brasileira. No entanto, o fato de que aqui não haver tanta competição não significa que não haja relações precárias, machismos, violências e, especialmente, o bullying. Apesar das diferenças de sociedade e de escola, aqui também podemos ter criado espaços que facilitem ou induzam jovens a tirar suas próprias vidas. Não sei das estatísticas da violência aqui, mas nos Estados Unidos o suicídio é a segunda causa de morte entre as adolescentes.

Enfim, recomendo a série, especialmente para pais, parentes e professores. O assunto é sério e é necessário não varre-lo para debaixo do tapete da sociedade. Só um aviso final para em for assistir: não deixem de ver o vídeo da pós-produção, pois ele explica muita coisa sobre os personagens e sobre a temática tratada com realismo, por vezes, assustador.

terça-feira, 4 de julho de 2017

NOTA DE ESCLARECIMENTO PARA A COMUNIDADE DA UEM

Sou conselheiro do Conselho Universitário da UEM, representando o Departamento de Fundamentos da Educação e, devido à interpretação equivocada (quem sabe, maldosa...) da minha proposta feita ontem (03/07) na reunião do COU, senti necessidade de fazer o esclarecimento que segue.
A matéria em discussão ontem era o Regulamento para Eleição para Reitor e Vice-Reitor da UEM. Minha proposta foi de alteração da fórmula que foi utilizada nas eleições da UEM em que houve paridade (1990, 1994, 1998, 2002 e 2006). Em nenhum momento eu propus a volta à proporcionalidade (o sistema 70/15/15 - 70% dos votos para os professores, 15% para os servidores técnicos e 15% para os estudantes), que vigorou nas eleições de 2010 e 2014, ao contrário, minha proposta foi de reforçar, de fato, o sistema paritário, em que cada categoria tem 33,33% dos votos. A proporcionalidade foi substituída pela paridade em dezembro de 2014, e terá validade para as próximas eleições para reitoria em 2018.
Minha proposta foi usar a fórmula da proporcionalidade para aplicar na paridade. Explico: na fórmula da proporcionalidade, o total dos VOTANTES de cada categoria tinha os pesos proporcionais, e na fórmula da paridade o total dos ELEITORES tem 1/3 dos votos de cada categoria. Na prática acontece o seguinte:
- nas últimas eleições para reitoria da UEM, em 2014, no segundo turno, votaram 1300 professores, 1790 servidores técnicos e 4400 estudantes. Então, na prática, 1300 professores tiveram 70% dos votos, 1790 técnicos tiveram 15% e 4400 alunos tiveram também 15%;
- nas eleições de 2006, quando o sistema de escolha era paritário, votaram, no primeiro turno, 1130 professores, 1970 servidores técnicos e 4850 estudantes. Mas, como a paridade era atingida pelo números de ELEITORES, na prática o corpo docente teve algo em torno de 30% do peso, os técnicos 28% e os alunos 8%, pois a abstenção de votos foi maior entre os estudantes e os técnicos do que entre os docentes.
Se eu consegui ser claro, a fórmula da paridade requer, para se ter igualdade entre as categorias, que todos votem, mas, como o voto não é obrigatório na UEM (com o que eu concordo), a categoria que tem menos abstenção tem peso maior. É o que vai continuar acontecendo, se a tendência histórica se mantiver. A minha proposta foi, portanto, que os 33,33% de cada categoria fossem medidos pelos VOTANTES e não pelos ELEITORES, pois defendi que se deve valorizar aqueles que, de fato, votam.
É isto. Reitero que minha proposta não foi acabar com a paridade, muito pelo contrário, eu defendi o aprimoramento do sistema paritário para escolha de reitor e vice-reitor da UEM. No entanto, eu dou o assunto por encerrado pois somente eu votei na minha proposta (ironicamente, nem os estudantes votaram comigo) e, portanto, democraticamente o Conselho Universitário definiu a forma como a paridade vai ser retomada na UEM, e eu, como sempre, acolho a decisão da maioria.
Fiquei um tanto chateado pelo fato de pessoas distorcerem minhas falas e proposta feitas no COU, mas, pensando bem, agradeço a elas, pois me foi oportunizado esclarecer que defendi e defenderei o voto paritário para escolha do reitor da UEM.


segunda-feira, 27 de março de 2017

Governo Temer e a classe média


Ando recebendo algumas mensagens, via face, e-mail e WhatsApp, denunciando medidas que o governo do presidente Temer está tomando que implicam na perda de ganho da classe média brasileira. Por exemplo, um decisão presidencial que aumentaria a porcentagem do imposto de renda, que passaria dos atuais 27,5% para 31 ou 33%, o que acarretaria, sem dúvida, perda de ganho real do salário da classe média.


No entanto, eu fico pensando cá com meus botões, não foi justamente a classe média brasileira que foi o grosso do movimento que pedia a saída da Dilma da presidência? Não sabiam eles que com o impeachment quem assumiria o governo era o Temer? Não sabiam eles que o PMDB do atual presidente costurou acordos com vários partidos, dentre eles o PP e o PSDB do Aécio, para tomar o poder? Ou, em sã consciência, será que alguém acreditou que existiu mesmo o tal crime das pedaladas fiscais para justificar a saída da presidente Dilma?

Portanto, sinceramente, não consigo entender as reclamações sobre a atual política econômica que afetam a classe média. Me parece muita ingenuidade acreditar que os graves problemas econômicos do Brasil cessariam imediatamente com a troca de mandatários maiores do país. Assim, acho que boa parte da classe média está provando de um remédio muito amargo que foi prescrito por um médico escolhido por ela mesmo.

Com toda sinceridade, não consigo me comover e nem me mobilizar com a atual situação da classe média, da qual eu faço parte. O moralismo e o conservadorismo desta classe, ou de boa parte dela, sempre viu um trabalhador e uma mulher na presidência como algo não digno para o Brasil. Então, meus caros amigos, peço que não me enviem mais abaixo-assinados contra mudanças que afetam os ganhos da classe média, pois elas não me comovem.

Continuo achando que a maioria das medidas adotadas caem na cabeça da classe média e dos pobres, quando deveriam, por exemplo, ter a coragem de taxar as grandes fortunas, por exemplo. No entanto, fico pensando se não seria justo a classe média provar um pouco do próprio veneno, e no bolso!!!


segunda-feira, 6 de março de 2017

Carnaval 2017


Depois de completar meus 50 anos, ou seja, mais da metade da minha vida, passei por uma experiência única: desfilei em uma escola de samba na Sapucaí, no Rio de Janeiro. E mais, além do desfile, assisti, ao vivo, as escolas de samba do grupo especial. E mais, brinquei o carnaval em blocos, nas ruas e em bares. Ou seja, vivi intensamente meu primeiro carnaval no Rio de Janeiro. Gostei muito e queria comentar aqui algumas impressões. Vou começar pelo carnaval nas ruas.

Na primeira noite fui apresentando ao bloco Embaixadores da Folia. A emoção já começou por ali. Depois de muito tempo, ouvi uma bandinha tocar marchinhas antigas de carnaval. Vi que as pessoas cantavam e se divertiam com as marchinhas. Me pareceu, por um momento, que tinha entrado numa espécie de túnel do tempo, voltando para minha época de infância, adolescência e juventude, em que brincávamos o carnaval ao som daquelas mesmas músicas, quase todas deliciosamente maliciosas, mas de uma malícia ingênua comparada com as músicas de "carnaval" de hoje. Confesso que me emocionei em meio a tanta alegria demonstrada sem a necessidade de cantar ou dançar músicas que estão na moda hoje. Quando a banca tocou "Vou beijar-te agora, não me leve a mal, hoje é carnaval...", quase fui às lágrimas... Além das marchinhas a banda tocou os sambas-enredo que fizeram história nos desfiles das escolas de samba. Enfim, só por aquele dia, ou aquela noite, já teria valido a pena a viagem. Hoje, não há mais diferenças entre as festas, pois em todas (carnaval, formatura, casamento, balada...) são as mesmas músicas que tocam mais, ou seja, sertanejo universitário, funk e axé.

Mas, o melhor estava por vir, e, ainda bem que veio em parcelas para acalmar e preparar meu coração. No domingo assisti ao primeiro dia do desfile das escolas de samba. Ver, ao vivo e a cores (e bota cores nisso...), àquilo que eu assisti muito tempo pela TV foi fantástico. Comissões de frente, alas, carros alegóricos, fantasias, baterias, sambas-enredo, tudo, ali, pertinho, a dois metros de onde eu estava era inimaginável até então. O que mais marcou foi ver a alegria e o entusiasmo de todos os participantes, cantando a plenos pulmões, vibrando com a escola, defendendo as cores das agremiações como se estivessem numa verdadeira olimpíada.

Agora, no segundo dia das escolas, na madrugada em que desfilei no carro alegórico da São Clemente, ah!, isto sim foi indescritível. Estar na concentração, colocando a fantasia, subindo no carro e aqueles 30 minutos até entrar na avenida, foi um misto de medo, tensão e  ansiedade, como esperar o início de uma partida decisiva do Palmeiras ou os momentos anteriores aos jogos do Brasil em copas de mundo. Mas, quando entrei na avenida do samba, quando senti aquela energia inexplicável, quando vi todas aquelas pessoas, quando o samba-enredo da minha escola estava em toda a avenida, foi mágico!! Nem em meus sonhos eu consegui ter a noção do que vivi naqueles 30 e pouco minutos que durou minha passagem pela Sapucaí. A interação com o público foi a melhor parte. Pessoas te olhando e dando força, pessoas sorrindo contigo, pessoas torcendo por você. Aliás, vi, nos dois dias, pessoas com camisas de uma escola cantando o samba e se alegrando com todas as escolas. Pessoas se divertindo com todas as escolas, se alegrando com a escola, sofrendo com os problemas que as escolas tiveram, vibrando quando as escolas conseguiam chegar ao fim no tempo regulamentar. Enfim, caramba, tudo o que possa escrever aqui não dará conta de explicar o misto de sentimentos que vivi.

Claro que teve problemas no carnaval no Rio, tanto nas ruas como na Sapucaí. Algumas escolas que, na minha opinião, fizeram coisas erradas (e, ao invés de serem punidas, acabaram sendo premiadas). Nas ruas, muita pobreza e mal cheiro. Mas, sinceramente, não vou aqui me alongar nos problemas, pois as coisas boas que me aconteceram e que me encantaram é o mais me marcou.

Quero agradecer ao meu amigo Fernando Vieira, por ter me proporcionado os momentos lindos, emocionantes e exuberantes que eu tive no carnaval do Rio este ano. Valeu meu irmão!!!!






terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Um mundo sem espelhos

(microconto levemente inspirado em Dr. Estranho e Stranger Thinks)


Numa dessas dimensões paralelas à nossa, cuja existência recentemente nossos cientistas descobriram e divulgaram, as pessoas não fazem uso e nem conhecem algo que nos é muito comum: o espelho. Como já sabemos, toda realidade paralela é como se fosse a nossa mesma realidade, somente com algumas pequenas mudanças. Um viajante, ainda experimental, descobriu, em uma dessas dimensões, esta sociedade que não usa espelhos. Acompanhemos o seu relato feito para um grupo restrito de cientistas e políticos de importância mundial.

- Quando cheguei a outra dimensão no início não notei diferenças, achei mesmo que a passagem pelo portal não tinha dado certo. Me integrei na sociedade, em uma cidade média. Passeei bastante, entrei nos lugares, conversei com pessoas, comi em lanchonetes e restaurantes e até fiz amizades.
- Você não ficou com medo de passar mal com a comida?
- No começo sim Coronel K. Mas, depois resolvi arriscar, pois a comida é muito parecida com a nossa.
- E fazer amizades, você acha que foi boa ideia? Poderiam te perguntar de onde você era e coisas assim?
- Achei por bem arriscar senhora Presidente G. Eu falei que era de uma cidadezinha pequena e longe de onde eu estava e que estava lá procurando emprego. Aliás, consegui até trabalho também.
- Quanto tempo você ficou lá mesmo?
- Fiquei quase 6 meses senhor Senador J. Como as coisas estavam tranquilas resolvi ficar o máximo de tempo possível para entender bem a vida naquela dimensão.
- E o que mais te chamou a atenção por lá?
- A falta de espelhos senhor Presidente T.. Isto mesmo o que os senhores ouviram, eles não têm espelhos, de nenhum tipo, nem em casa, nem em lojas, nem nos carros, em nada. E é muito interessante relatar este aspecto, pois acho que é algo que pode fazer a gente pensar sobre nós mesmos. Sem espelhos as pessoas são bem menos vaidosas e não existem tantos produtos de maquiagem como aqui.
- Mas, eles não têm a tecnologia para fazer espelhos ou foi opção mesmo?
- Então, senhora R., eu perguntei e ouvi as duas versões. O fato é que eles conseguiram se organizar sem a necessidade de espelhos. E para mim, que tenho este cabelo desgrenhado, foi difícil me adaptar. Nos primeiros dias tinha até vergonha de encontrar pessoas, pois eu não sabia como estava meu cabelo, mas, depois, percebi que as pessoas não ficavam reparando nisso, e mais, tinha várias pessoas que saiam despenteadas também... aliás, eu fiquei pensando que, para eles, o natural do cabelo, seja liso, crespo, desgrenhado, é o natural para eles... Há mais liberdade para se usar roupas também, pois, sem espelhos, não há porque ficar experimentando muitas roupas para sair de casa... As pessoas também não ligam muito para a estética das pessoas, não há, até onde vi, um culto ao corpo perfeito. As academias de fitness existem também, mas, como não há espelhos, os praticantes parecem se preocupar mais com sua condição física mesmo e não em malhar apenas para exibir seus músculos e corpos definidos.
- Eu fico pensando aqui nos carros. Como eles fazem para dirigir sem espelhos? Há muitos acidentes?
- Parece irreal para nós Doutora A., mas quase não vi acidentes. Andei de carro para fazer a experiência e, confesso, nas primeiras vezes fiquei muito apreensivo. Depois, eu até dirigi um carro. Os motoristas prestam muito mais atenção no trânsito e respeitam muito as setas dos outros carros. Se um carro liga a seta os outros imediatamente dão passagem, sem haver, como isso, xingamentos, palavrões etc.
- E a falta de espelhos acarreta outras diferenças com a nossa sociedade?
- Na minha opinião, Doutor X., acarreta sim várias diferenças. A sociedade daquela dimensão parece não ser tão consumista como a nossa; as pessoas se respeitam mais; as diferenças, de cor, sexo, gênero, são tidas como naturais. Eu acho que o fato de não existir espelhos faz com que as pessoas se vejam mais e se ajudem, pois, a única maneira de melhorar um pouco a imagem é pedindo ajuda para outra pessoa.
- Mas, do jeito que você fala, esta dimensão não tem problemas?
- Tem muitos problemas sim, Senadora H.. Problemas, aliás, parecidos com os nossos. Mas, no geral, eu percebi que alguns dos nossos problemas, ou melhor, as bases de alguns dos nossos problemas eles realmente não os têm. Insisto, me desculpem, na ausência dos espelhos. De certa forma, as pessoas parecem que são mais livres, ou menos presas a aparências e modelos de beleza. Acho que, neste aspecto pelo menos, aquela sociedade é mais livre do que a nossa. Mas, é claro, para ter certeza dessas coisas eu precisaria voltar para lá e ficar mais um tempo.

O nosso viajante de dimensões não voltou para aquela dimensão, pois foi destacado para conhecer outra dimensão diferente. Por enquanto, ainda não temos mais notícias daquela sociedade que, por incrível que pareça, conseguia viver sem espelhos!!

domingo, 15 de janeiro de 2017

Carência - o inimigo íntimo



A carência é a porta de entrada do nosso inimigo mais íntimo. 



Há algum tempo elaborei esta frase, mas confesso que pode não ser de minha autoria, pois costumo recolher frases por aí em livros, filmes, séries, conversas, palestras etc. Em todo caso, acho que ela sintetiza algo que, na minha opinião, é uma marca de boa parte dos relacionamentos na atualidade. Tenho como costume, acho mesmo que por obrigação da minha profissão (professor), pensar sempre sobre as mudanças que vêm acontecendo ultimamente, tanto as boas como as mais complicadas. É meu jeito de tentar entender as pessoas ao meu redor e, é claro, também me entender.

A carência da qual falo aqui é a mais profunda, é aquela que nos faz sentir como se fôssemos incompletos, como se tivéssemos que, necessariamente, completar o vazio com algo ou alguém. Pode ser chamada de carência afetiva ou carência emocional, mas acho que é mais profunda, é quase que uma carência anímica, uma carência de alma, de personalidade. Ela, a carência, tem a ver, necessariamente, com a baixa auto-estima. Enfim, me parece que, ultimamente, as pessoas estão tendo sérios problemas com sua auto-estima e, portanto, encontram-se muito carentes. Costumo brincar que todos somos carentes, uns mais e outros mais ainda...

Mas, até aí, talvez isto não fosse um problema, afinal, temos várias carências: econômicas, sociais, políticas, de saúde, enfim, somos seres carentes. No entanto, a carência a que me refiro aqui é aquela coisa (coisa, porque é difícil encontrar uma outra palavra que sintetize o seu significado) sem a qual nos sentimos menos e, portanto, infelizes. Esta é a chave para o que chamo de porta de entrada do inimigo íntimo. Quando estamos (ou somos) carentes geralmente a nossa auto-estima está muito baixa e ficamos menos exigentes, até porque, não somos exigentes nem conosco mesmos; a falta de exigência nos torna frágeis e, sem critério de seletividade, somos presas fáceis de coisas e, especialmente, de pessoas que entram na nossa vida para nos dominar, nos escravizar, nos assediar. A carência, preenchida desta forma, nos torna reféns e, mais, nos torna dependentes do que supostamente cobriu nosso vazio. Como o amor-próprio é quase ausente, dirigimos nosso amor para o outro, como se a ausência do outro nos levasse de volta para o lugar de onde saímos, como se a ausência do outro abrisse novamente um vazio imenso que não suportamos ter e existir. Assim, a fragilidade e a dependência abrem nossa vida para quem nos domina e faz questão de nos dominar, nos induzindo a acreditar que tais atos são atos de amor, de carinho e de cuidado. O ciúme do outro, que é normalmente tão carente quanto nós, junta-se ao ciúme que desenvolvemos, pois a relação de dominação/dependência assume uma aura de uma relação amorosa. Ledo engano!! A carência permitiu que o inimigo mais íntimo, pois supostamente um ser amoroso, seja levado para nossa vida mais íntima. Arrisco a afirmar que todo aquele que faz do ciúme uma atitude corriqueira, que faz o outro acreditar (porque ele próprio acredita) que o ciúme é prova de amor, no fundo é um dominador, é um inimigo do outro, mesmo que seja chamado de namorada(o), esposa(o), companheira(o).

O que fazer para não permitir a entrada do inimigo íntimo, inimigo que é capaz de matar o ser "amado" (como tanto está acontecendo ultimamente)? A resposta, claro, está bem longe de ser tranquila... a resposta pode estar em algo tão simples quanto complexo, que é procurar conhecer-se a si próprio; e, reconhecendo as próprias fragilidades, estar mais atento para o que causa, no fundo, o vazio, e, por consequência, criar critérios mais dignos para novos relacionamentos, que deveriam ser baseados na liberdade e não da dependência.


terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Fullmetal Alchemist - uma longa parábola sobre amizade


A Sofia, minha filha, me apresentou mais um anime. Depois de Death Note, agora foi a vez de Fullmetal Alchemist. Trata-se de um anime com 64 episódios espalhados por 5 temporadas. Os personagens principais são dois irmãos (Edward Elric e Alphonse Elric) , jovens, que se tornam alquimistas federais, como poderes especiais de transformar matérias, no caso deles o ferro, em armas poderosas para lutar contra inúmeros inimigos pessoais e do país. A história se passa numa fictícia cidade chamada Amestris, que lembra muito uma parte do nosso Oriente no início do século XX. Ah, aviso que o que segue contém alguns spoilers.

O anime mistura incríveis enredos de tensão, coisas inusitadas, mocinhos, vilões e diversão. Apesar de seu conteúdo ser um tanto forte, pois a história é densa, a história acaba se tornando leve pela forma como os personagens principais são tratados. Os homúnculos criados para substituir os humanos dão a principal dramaticidade à história, pois a luta acaba sendo entre os simples humanos e seres com poderes sobre-humanos. Mas, não é sobre isto que quero falar aqui, mas sobre o que esta grande metáfora pode significar, ou, mais propriamente, o que ela significou para nós, eu e Sofia.

O tema do anime é a amizade. Amizade entre irmãos, entre parentes e entre companheiros. Os dois irmãos, especialmente, se tornam grandes cúmplices na busca da pedra filosofal que restauraria as partes de seus corpos (no caso de Alphonse, o corpo inteiro) que foram levados porque eles tentaram, via alquimia, trazer à vida sua mãe. Na busca pela tal pedra muitos riscos correram e tiveram que mostrar sua valentia, coragem e, especialmente, sua dedicação. Ao final das cinco temporadas somos surpreendidos com o fato de que ambos os irmãos tiveram que sacrificar aquilo que lhes era mais caro, seus poderes de alquimistas, para recuperam o que haviam perdido. A renúncia a toda glória e fama que lhes rendeu a alquimia foi feita com base na cumplicidade dos dois irmãos, foi feita pela amizade entre eles.

Foi, de fato, muito tocante o final do anime. A sensação de que a amizade entre eles era o mais importante foi comovente. Acho mesmo que em nossos dias conseguimos encontrar quem troca fama, glória, dominação, ciúme etc. pela verdadeira amizade. Deixar nossos interesses de lado para que quem amamos esteja completo novamente é algo sempre desejado e, me parece, infelizmente tão raro que temo que seja excessão à regra. Por isso é sempre bom se deparar, mesmo que seja no terreno da ficção em um anime, com algo que inspire verdadeiras amizades!!!