quarta-feira, 17 de junho de 2015

Reforma política para "inglês ver"

(Este artigo, de minha autoria,  foi publicado hoje, dia 17/06/2015, no jornal O Diário de Maringá, e aproveito para registrá-lo aqui no blog)


Neste espaço precioso quero refletir sobre dois pontos acerca do projeto de reforma política que está sendo debatido no Congresso Nacional. O primeiro é sobre o que já foi objeto de votação e o segundo é a reforma em si.

Os deputados já decidiram acerca do sistema político do "distritão", do fim da reeleição para o Executivo e financiamento privado das campanhas. Vou me ater aqui em relação ao fim da reeleição para os cargos executivos: parece-me que atendeu a uma realidade, pois as campanhas para um segundo mandato consecutivo resultou, em boa parte dos pleitos, em escaramuçar a realidade vivida no primeiro mandato, não assumindo os problemas, para que o segundo mandato fosse possível e até facilitado; as últimas eleições, no Brasil e no Paraná, provaram esta tese. No entanto, parece que nem entrou na pauta o final da reeleição para os cargos no Legislativo. Por que será? Seria esperar demais dos nossos nobres deputados e senadores "cortarem a própria carne"? Pelo jeito das coisas, parecem que sim.

Qual o argumento para acabar com a reeleição para o Executivo que não vale também para o Legislativo? Confesso que estou cansado de ver vereadores, deputados estaduais, federais e senadores com três, quatro, cinco ou mais mandatos consecutivos. Todos sabemos, ou talvez fingimos não saber, que quem já possui mandato tem muito mais chance de ser eleito novamente do que os outros, pois, seja qual cargo for, sempre tem a verba de representação que é utilizada para contratar pessoas, as quais, boa parte delas, já começam a trabalhar para a reeleição do seu patrão anos antes da eleição. Penso que, para soluções de continuidade, poderia ser permitido dois mandatos consecutivos apenas para o legislativo, menos para senador, pois 8 anos de mandato já é tempo suficiente; mais do que isto vira, de fato, profissão e não, como todos eles dizem quando são candidatos, um serviço para a comunidade.

Quanto ao aspecto geral da reforma política, o que me preocupa é que nossos congressistas não criaram mecanismos de efetiva participação popular. Parece que não interessa ouvir a sociedade, especialmente aquela que se organiza para além de partidos políticos, no que diz respeito ao o que ela entende e quer que seja, de fato, reformado em nosso sistema político. O professor da Universidade de São Paulo (USP), Massimo di Felice, defende a tese de que a democracia representativa é a grave crise da própria democracia, na medida em que a população em geral só participa da política quando vota nas eleições e, depois, deixa as decisões para os eleitos, se isentando de qualquer responsabilidade pelo que os eleitos fizerem. Basta fazer uma pesquisa com as pessoas se elas se lembram em quem votaram nas três últimas eleições. A maioria deve responder que não. O problema é que o desinteresse das pessoas em geral, possibilitada pela eleição de representantes, acaba sendo oportuna para os eleitos, os quais, com o argumento dos votos que receberam, não se sentem na obrigação de perguntar para a sociedade como deveriam votar e, especialmente, prestar contas de tempos em tempos de suas atividades políticas. É uma via de mão-dupla o desinteresse, que interessa muito mais aos detentores de mandatos que exercem seus cargos praticamente de forma imune.

Quanto ao título do artigo, a expressão "para inglês ver" surgiu na primeira metade do século 19 no Brasil quando a Inglaterra exigiu que se aprovassem por aqui leis que proibissem o tráfico de escravos. Como todos sabiam que as leis não sairiam do papel e, portanto, não seriam cumpridas, surgiu a expressão, tão infeliz quanto verdadeira!