domingo, 25 de março de 2012

Orientação

Gosto muito de orientar trabalhos acadêmicos. Desde que voltei do doutorado, em 2004, já orientei e oriento inúmeros projetos de iniciação científica, trabalhos de conclusão de curso, dissertações de mestrado e estou, agora, orientando no doutorado. Este é um dos trabalhos mais bacanas que eu acho na universidade, e isto por dois motivos: é muito recompensador acompanhar de perto o amadurecimento intelectual dos alunos e é uma forma que eu encontro de devolver para o público aquilo que o público faz por mim ao pagar meu salário. Afinal, eu não posso esquecer que sou professor de uma universidade pública!! Eu me sinto realizado na minha profissão e acho que correspondo ao que me parece que se espera de minha atuação. Além de orientar, gosto muito de dar aulas, seja na graduação ou na pós. E acho que correspondo a isso também. E, apesar de me achar um pesquisador medíocre, comparado ao que eu mesmo acho que deve ser um pesquisador, acho que cumpro meu papel de forma decente. Mas é na orientação que eu acho que é realizada de forma mais completa o que entendo por aprendizagem, pois sei que ensino muito, dou oportunidade ao exercício da autonomia, mas, o mais importante, é que aprendo, e muito também, com meus orientandos. Além do que, eles me ajudam muito a enfrentar a ditadura meritocrática das agências de controle.
Me agradecimento aos que foram e são meus orientandos, agradecimento pela confiança. E que venham novos alunos interessados em aprofundar seus conhecimentos, pois estes jamais serão desamparados!!!

sexta-feira, 23 de março de 2012

Crônicas

Estou me sentindo refém. Não de alguém, de algo concreto, mas, pelo menos neste momento, dos autores das crônicas que estou lendo. Me refiro especificamente a Bernard Cornwell e George Martin, escritores, respectivamente, das Crônicas Saxônicas e Crônicas de Gelo e Fogo. A narrativa completa das aventuras de Uhtred, o inglês que foi criado pelos dinamarqueses, foi planejada, segundo seu autor, para onze volumes, e "só" foram publicados cinco, sendo que praticamente há dois anos foi publicado o último. Já as lutas pelo poder nas terras de Westeros foram concebidas por Martin em sete volumes, e foram lançados "somente" os quatro primeiros. Bem, como faz quase dois anos que li Terra em Chamas, o quinto volume das Crônicas Saxônicas, e acabei de ler o Festim dos Corvos, o quarto volume das Crônicas de Gelo e Fogo, me sinto realmente refém desses homens, os quais eu nem conheço pessoalmente... que ironia!!
Eu gosto muito de crônicas, especialmente as que têm relação com a história. Minha primeira experiência foi com as Crônicas de Arthur, em "apenas" três volumes, escritas também por Bernard Cornwell, e que narram as aventuras do lendário personagem medieval, mas de uma maneira diferente das Brumas de Avalon, sem recorrer à magia, humanizando muito os personagens. E a vantagem foi que eu tinha os três volume em mãos.
Mas, eu aprendi, na espera dos próximos capítulos das aventuras que eu gosto muito, que é como reencontrar um amigo que mora longe e que de vez em quando aparece para nos visitar e contar, ao vivo e a cores, as novidades dos últimos tempos. De certa forma, os personagens se tornaram íntimos meus e não vejo a hora de revê-los e ver como a vida deles continuou. O único problema é ansiedade!! E fico aqui torcendo muito para que Cornwell e Martin tenham uma longa vida...

segunda-feira, 19 de março de 2012

Ele

As pessoas, no geral, amigos ou inimigos, o respeitavam muito. A ele atribuíam várias qualidades: inteligência, capacidade de liderar, organização, diálogo e respeito pelos outros. Os amigos o consideravam mais ainda: culto, exemplo profissional, carinhoso, espirituoso, compreensivo, incentivador... Ele próprio reconhecia algumas dessas qualidades, mas achava que, no fundo, as pessoas, especialmente os amigos, o viam hiperbolicamente. Como apenas poucos o conheciam de fato, pois apenas para poucos escolhidos ele realmente abria o coração, a maioria o encarava como, de fato, ele menos era: uma fortaleza ambulante. Na verdade ele tinha suas neuroses, suas precipitações, suas maldades, suas fantasias, suas bizarrices e criancices e, especialmente, ele tinha seus medos... Enfim, ele era uma pessoa normal... Talvez o que ele mais gostasse nele mesmo era o fato de acreditar que realmente a vida não era linear, e que não devia ser mesmo linear e, quem sabe por isso, ele tinha uma capacidade de se apaixonar de forma intensa. Queria tê-lo conhecido mais, queria tê-lo conhecido mais cedo. Quem sabe ainda não nos reencontramos?? Será um grande prazer!!!

sábado, 17 de março de 2012

Pós-modernidade (2)

Na verdade, eu nem acredito neste conceito de pós-modernidade, pois me parece que a modernidade ainda não se esgotou, pois o que temos hoje é, em grande parte, resultado do que a sociedade foi produzindo ao longo dos últimos séculos. Da mesma forma, tenho dificuldade em entender o conceito de neo-liberalismo, pois, de certa forma, desde que a sociedade é capitalista ela tem como seu corolário ideológico e político o liberalismo.
Mas, o fato é que os dias atuais parecem ser realmente diferentes do que já foi visto na história. Como todas as épocas de grande crise, há coisas brilhantes e coisas complicadas. Como já escrevi em outro post, acho que o mais interessante hoje em dia é o fato de que as desigualdades e os preconceitos estão realmente diminuindo; e isso é muito bom!! A hegemonia de raça, credo, sexo, emoção se baseou sempre num respaldo social e cultural que desvalorizava pessoas segundo sua condição. Hoje, a luta pela hegemonia está pelo menos mais aberta; e isso também é muito bom!!
Mas, não se pode fechar os olhos para a realidade, que é sempre mais imperfeita. O mundo da existência, do individualismo exacerbado, impulsionado pela necessidade de suprir carências que (intencional e desgraçadamente) sempre se renovam,  dão a impressão de que uma das marcas registradas do mundo atual é a solidão. O sentir-se só, sentir-se isolado, encapsulado em seu mundinho, se revela de várias maneiras. Dentre elas gosto de refletir sobre a antropomorfização dos cachorros.
Me parece que não é à toa e que nem é resultado de uma pretensa mudança no "coração" humano que os cachorros hoje são tratados como se humanos fossem. Quem lembra da época dos vira-latas e das poucas raças que existiam e da forma como eram tratados sabe que realmente as coisas mudaram e muito. Hoje as raças se multiplicaram e o tratamento que eles têm inclui ração (nada mais de restos de comida das pessoas), shampoo especial, frauda, absorvente, psicólogo etc.; mas, a verdadeira indústria que foi criada (uma das mais lucrativas e que mais cresce) é resultado, penso eu, da humanização dos cachorros, e com uma vantagem, os animais só demonstram carinho, têm uma lógica linear e estão sempre sob nosso comando. Será que não tem nenhum significado social profundo o fato de que os cachorros substituem amigos, filhos e parentes?? Penso que sim... penso que é a expressão da profunda solidão humana. Quando as relações humanas estão por um fio, quando não se quer mais a responsabilidade pelo outro, quando as relações são superficiais e efêmeras, quando o outro nunca me é suficiente para aplacar minhas carências, nada melhor do que trocá-lo por um ser que não é mais animal e, não tendo os mesmos "defeitos" humanos, é como se fosse uma pessoa mais perfeita.
Mesmo na companhia dos nossos amados cachorrinhos, e até por causa do que fizemos com eles, partilhamos de uma profunda solidão humana. E se o exemplo aqui mostrado não é suficiente, vamos pensar, com calma e um pouco de distância, no que é o facebook e porque ele cresce tanto...

sexta-feira, 16 de março de 2012

Blogueiro

Confesso que estou gostando de escrever aqui no blog. E parece que as pessoas também estão gostando das minhas reflexões. Isso é muito legal mesmo!! Mas, vasculhando outros blogs (hábito que não tenho muito) me parece que sou muito prolixo. Quanto penso em escrever algo a primeira impressão é que não vou conseguir escrever nem cinco linhas, mas, quando me dou conta escrevi demais. Fico com a impressão de que acabo por cansar meus leitores. Mas, fazer o que, é o jeitão da madeira; talvez seja vício de professor... Vou tentar ser mais direto e sintético, mas, talvez eu acabe por preferir o conteúdo à forma, como, aliás, é meu hábito mesmo. Agradeço aos comentários que foram postados e espero que tenham outros. E, vamos em frente que atrás vem gente.....

quarta-feira, 14 de março de 2012

A assim chamada sociedade pós-moderna

Recebi um e-mail (obrigado Paulo!!) que achei fantástico sobre os dilemas atuais da humanidade. Tomo licença para reproduzir aqui uma postagem de Duda Rangel:
"O homem pós-moderno já não se pergunta tanto se há vida após a morte. As grandes questões mudaram. Hoje, uma das principais dúvidas de muitas pessoas é: 'compro pão integral de 10 grãos ou de 12 grãos?', diz o psiquiatra Ricardo Semolina, do Hospital das Clínicas de São Paulo. 'A busca pelo bem-estar físico, em alguns casos, pode afetar a saúde mental.' Um de seus pacientes, que não teve o nome revelado, desenvolveu um grande transtorno após viver o dilema entre uma versão do pão com semente de girassol e quinoa e outra com amaranto e linhaça dourada. O terapeuta holístico Ado Santi concorda: 'Em tempos de gordura trans zero, ninguém mais questiona se Deus existe. As pessoas estão mais preocupadas em saber se é melhor tomar café com aspartame, sacarina ou sacralose', afirma. Há muitas outras perguntas ainda sem resposta, ressalta Santi, como 'ser vegetariano ou não ser?' e 'o ômega 3 traz a felicidade?'
Refletir sobre essas coisas é refletir, obviamente, sobre a nossa realidade que alguns dizem ser cada vez mais pós-moderna. E, de início, quero tentar evitar o que é muito comum quando alguém de uma geração passada, como eu, quer avaliar algo que tem muito a ver com a geração atual: achar que o mundo está perdido... Até porque, o comportamento dito pós-moderno está se reificando em parcelas da minha geração também.
Bem, porque as pessoas estão cada vez mais preocupadas com o seu bem-estar individual, chegando a neuroses como as descritas acima? Creio que vivemos uma época em que a existência precede a essência, ou seja, viver (de preferência intensamente) é mais valorizado do que pensar sobre a essência das coisas. Por isso é que a discussão em torno da existência ou não de Deus é coisa que parece bem de antigamente. Mas o que é ou o que impulsiona a época da existência? Individualismo, prazer, preocupação com a saúde, preocupação com a aparência, vacuidade, efemeridade, negação de qualquer tipo simbólico de luto... Enfim, as relações, com pessoas ou coisas, se formam e desaparecem de forma rápida, quase indolor. A substituição das coisas ou pessoas é rápida. A dependência de coisas ou pessoas quase inexiste. Hoje, por exemplo, existem tantas dietas que já nem é possível contá-las com os dedos das mãos e dos pés, e as pessoas vivem passando de uma para outra. A utopia agora é a busca da eterna juventude e da vida longa e saudável. 
Não há mais lugares para as velhas utopias: nem políticas, nem sociais, nem econômicas e nem amorosas. O que chama a atenção é que, de forma geral, as pessoas estão tão incrustadas em seus casulos, sejam emocionais, profissionais e relacionais, que qualquer preocupação com o coletivo desaparece. Não chama a atenção o fato de pessoas se preocuparem com quantos grãos o pão integral é feito e não se preocuparem com o fato de que existem milhões de pessoas que não tem qualquer tipo de pão para comer?? Não é alarmante o fato de que em Maringá, por exemplo, não haja uma preocupação coletiva, especialmente por parte dos jovens, com o futuro da cidade em termos de convivência urbana saudável? 
Vivemos uma época fantástica, em que muitas coisas foram revistas, por exemplo no que diz respeito ao papel da mulher na sociedade, elas que deixaram de ser coadjuvantes tanto em termos profissionais como emocionais. No entanto, o que preocupa muito no atual estado das coisas é que parece que o que liga as pessoas às outras e às coisas é a contínua insatisfação. A sociedade produziu mecanismos, talvez inéditos, de criar carências que são supridas pelo mercado, mas que uma vez supridas, voltam a se tornar carências com a inovação tecnológica rápida. Penso que esta lógica afetou, mais profundamente do que na aparência, as relações humanas também....

terça-feira, 13 de março de 2012

LEIP


Temos um grupo de estudos na UEM que o batizamos de LEIP (Laboratório de Estudos do Império Português). Depois de nossas primeiras reuniões deste ano deu vontade de escrever sobre ele. Somos vinte e poucas pessoas, entre professores, alunos e ex-alunos de graduação e de pós, que se reúnem a cada duas semanas para partilhar nossas pesquisas e estudar assuntos em comum com as variadas abordagens em torno do tema História, Educação e Cultura Brasileira dos séculos XVI ao XVIII.
O grupo, que ainda não era o LEIP, nasceu em 2005 e contava com menos de dez participantes, reunindo-se aos sábados pela manhã. Nos primeiros anos estudávamos literatura (tragédias, romances, dramas, contos...), buscando entender um pouco a história da humanidade por letras menos áridas que as chamadas científicas. Sempre gostei de literatura e estudar em grupo peças de Shakespeare, romances de Balzac, contos de Machado de Assis e de Leontiev, dentre outros, foi muito enriquecedor.
A partir de 2007, com novos participantes e algumas desistências, procuramos dar um caráter mais “acadêmico” ao grupo, pois já naquela altura tínhamos alunos de iniciação científica e mestrandos entre nós. Passamos a socializar os resultados das pesquisas e a estudar alguns textos e documentos históricos.
No final de 2008 institucionalizamos as nossas reuniões como LEIP. Novamente novos ingressantes e novas desistências. Mas, com a perseverança de alguns e como o desenvolvimento das pesquisas, pudemos sentir que criamos, de fato, uma identidade.
Hoje, podemos constatar um amadurecimento visível nas pesquisas, nas discussões e nos estudos. Creio que, enfim, estamos “passando de fase”. Estamos criando condições conjuntas para que as reflexões sejam cada vez mais originais e independentes. Temos muito ainda a crescer e amadurecer, mas vendo o LEIP hoje, lembrando de sua pequena história, me invade um sentimento de prazer muito grande.
Nunca quisemos criar mais uma “igrejinha” no mundo acadêmico. Sempre quisemos um espaço para estudarmos juntos uma temática que é difícil, mas profundamente agradável. Não queremos discípulos e sim parceiros, colegas e, especialmente, amigos.
Obrigado Nando pela caminhada conjunta desde o início. Obrigado por partilhar ideais que parecem cada vez mais esquecidos hoje em dia. Obrigado por me ensinar tanto esse tempo todo!!
Obrigado aos meus inúmeros orientandos e aos orientandos no Nando pela oportunidade de trabalhar com gente tão legal, comprometida e companheira!!
Vamos em frente...

domingo, 11 de março de 2012

PODER (2)


Tendo, ainda, por base as Crônicas de Gelo e Fogo, reflito sobre as relações de poder no sentido mais conhecido do termo: a política, ou sobre qualquer disputa pelo poder institucionalizado, seja por meio de partidos ou de grupos e/ou organizações. Como já escrevi antes, o que me seduz no enredo de George Martin é o fato de que a disputa pelo poder é conduzida de forma não-linear, onde as nossas esperanças de que o bem vença, por intermédio dos mocinhos, são destroçadas. Confesso que algumas vezes caí numa espécie de abismo moral, tendo que reconstruir, como leitor, certos vazios heroicos de personagens para os quais eu estava torcendo. Ler os volumes das Crônicas se tornou um exercício duro de lidar com o inusitado dos desaparecimentos, das traições, das armadilhas, da vitória (pelo menos momentânea) dos maus... acho que hoje já estou acostumado e minhas angústias diminuem. Mas o que mais encanta é que a história apresenta as almas humanas como realmente são, sem rodeios, sem floreios, por vezes cinicamente e, por outras, ingenuamente. Talvez por gostar tanto de mitologia é que eu saboreie cada capítulo da história dos Sete Reinos de Westeros como uma refeição requintada.
Mas, o que tem a ver isto tudo com a política? Tudo, atrevo-me a responder. No senso comum dos brasileiros, calcados cultura cristã ocidental, é comum encontrarmos referências a um tipo ideal de política em que todos os atores deveriam ser verdadeiros, sérios, honestos, bons de coração e cumpridores de suas promessas. No entanto, aparentemente como se fosse contraditório, há também no senso comum a crença na corruptilidade natural dos políticos, ou seja, para ser político a pessoa não pode ser honesta, séria, verdadeira e, especialmente, boa de coração... Parece que estamos sempre lutando por aquilo que acreditamos que seria o ideal, mas nos entregando àquilo que seria, de fato, a realidade. Na minha visão, nem uma coisa nem outra corresponde ao modo realista de ver a política.
Partir do princípio de que os homens são, por essência, bons, é  um engodo que custa muito caro. Partir, por outro lado, da consciência de que a política é coisa para desonestos, é outro engodo que custa mais caro ainda. Me parece que o ponto de partida deveria ser: a política é coisa humana que diz respeito a um determinado conjunto de pessoas que se encontram juntas num determinado ambiente e, portanto, como coisa humana ela deve ser encarada do modo mais realista possível. Se a alma humana é, como acredito, não-linear, cheia de idas e vindas, plena de possibilidades, de lutas por supremacias, de afinidades, de emoção e, é claro, de razão também, as relações políticas que se estabelecem o são da mesma forma. “Em política”, como dizia um político, “até água sobe a cachoeira”, ou seja, a política é imprevisível, assim como os homens o são. Fazer uma avaliação maniqueísta da política é acreditar que o ser humano é movido pelo bem ou pelo mal, por Deus ou pelo Demônio, ou seja, é, de certa forma, sacralizar a realidade e, portanto, em sentido estrito, desumanizá-la.
Penso, por fim, que sendo a política, como dizia Aristóteles, a arte de pensar e construir da melhor forma possível a pólis, a cidade (neste caso, qualquer instituição), ela diz respeito a um conjunto de pessoas e, portanto, devemos lutar para que os seus resultados beneficiem o maior número delas. Entrar na política, na luta pelo poder institucional, apenas por fazê-lo, sem qualquer projeto maior de se tornar um instrumento a favor da maioria, é simplesmente fazer uso individual do que foi feito para ser coletivo. Lutar pelo poder simplesmente para manter o poder se parece, com as devidas diferenças de proporção, a quem tem ciúmes do parceiro por acreditar que o outro, sendo propriedade, não pode ter liberdade.

domingo, 4 de março de 2012

Poder (1)

Escrevo hoje sobre algo que nos envolve cotidianamente e nas nossas diversas relações: a luta, aberta ou velada ou travestida, pelo poder. E, ao escrever sobre tal tema, vou tomar como referência os volumes que li e estou lendo das Crônicas de Fogo e Gelo, história que deu origem à série televisiva Game of Thronos, traduzida no Brasil como A Guerra dos Tronos.
O que prende a atenção na história escrita por George R. R. Martin e o que a torna um dos melhores enredos que eu já li é o fato de ser uma história absolutamente não linear, sem qualquer maniqueísmo, características tão frequentes nos filmes holydianos e novelas brasileiras, os quais têm invariavelmente a vitória do bem e a derrota do mal, ocasionando sentimentos de paz, de tranquilidade e, acima de tudo, de que a justiça foi feita; porém, a realidade é, realmente, mais imperfeita. É para a realidade de nossa vida que devemos nos voltar e, para isso, o ponto de partida de qualquer disputa pelo poder é que ela se encontra no terreno do imponderável, das contradições, das surpresas e, em síntese, do desconhecido.
O poder é disputado na forma de amizade, de amor, de cargos, de funções, de status, enfim, em suas formas humanas... O que quero dizer é que muitos amigos, namorados/cônjuges, colegas de trabalho lutam pela hegemonia de suas vontades, luta a maioria das vezes camuflada é verdade, mas não deixa de ser uma luta. Apenas para dar um exemplo comum do que estou tentando falar é o ciúme e a inveja; pois são sentimentos que denotam que um é propriedade do outro e que um não tem o direito de ser melhor ou ter mais do que outro. A luta pelo poder que se estabelece não permite inocência e nem ingenuidade, até porque elas são travestidas de respeito e de amor e, portanto, encobertas.
Os personagens criados por Martin revelam exatamente isso: aqueles que são justos, virtuosos, pecam pela inocência e ingenuidade de acreditar que a verdade deve, por si mesma, ser respeitada e cumprida por todos; e é exatamente o que não acontece. Quem consegue, na história, chegar e se manter no poder são aqueles que conhecem os meandros tortuosos e frágeis da alma humana, quase sempre corruptível e passível das paixões pelo status, pelo luxo, pela riqueza e, é claro, por ter hegemonia sobre pessoas, ou seja, ter parte, mesmo que pequena, no poder.
Não digo que todas as relações devem ter por base uma luta, mas afirmo que nas relações que se estabelecem e se mantém com base numa dissimulada luta pela hegemonia das vontades geralmente dizimam os mais fracos, que são os mais inocentes e ingênuos. Martin nos mostra que um pouco de astúcia e desconfiança sempre ajudam a se manter de pé, com dignidade.