domingo, 3 de fevereiro de 2019

tempo, celular e trânsito...


Há algum tempo tenho notado aqui em Maringá que há uma demora maior para os carros se deslocarem quando o sinal do semáforo fica verde. Matutando os motivos e para ver se realmente minha percepção batia com a realidade, elaborei a hipótese de que os motoristas, ao pararem nos semáforos, automaticamente levam às mãos os celulares (isto quando eles já não estão na mão) e, ao ver ou enviar mensagem, fazer ou receber ligação, acabam por se desconcentrar do trânsito e só se tocam que o sinal abriu quando os carros ao lado e/ou a frente começam a se deslocar. Para comprovar minha hipótese perguntei para algumas pessoas, especialmente motoristas de Uber, se eles também tinham a mesma impressão que eu e se eles também achavam que o causador da lerdeza dos motoristas eram os seus celulares. Bingo: eu estava certo! Claro que a ciência pede uma amostragem maior e outros meios de comprovar a hipótese, mas, para meus objetivos, meu estudo de campo é suficiente. Minha conclusão (que de forma nenhuma é original): as pessoas hoje em dia têm uma relação com o tempo em que elas se sentem premidas pela rapidez das informações, sejam elas quais forem...

Os smartphones vieram revolucionar a noção de tempo que temos, especialmente a dependência psicológica que temos do tempo. O WhatsApp potencializou essa revolução. Quando enviamos mensagem para alguém ficamos, mesmo que inconscientemente, ansiosos para que os dois risquinhos fiquem azuis para sabermos que a mensagem foi lida; depois, a ansiedade aumenta para que a pessoa responda nossa mensagem. Além disso, as pessoas que usam o "zapzap" fazem parte de grupos (de família, de amigos, de trabalho etc.), os quais consomem um tempo enorme em nossa vida e fazem com que nossa relação com o próprio tempo tenha mudado muito. Quando penso na velocidade instantânea das informações hoje em dia eu me lembro de uma passagem da vida dos jesuítas no século XVI: Xavier, o mais famoso dos missionários no Oriente, morreu em 2 de dezembro de 1552, mas encontramos uma carta dirigida a ele próprio, escrita em Roma por Inácio de Loyola, o superior geral dos jesuítas no mundo, datada de 10 de maio de 1553; ou seja, quase seis meses da morte de Xavier, Loyola ainda não sabia do fato. Para nós hoje essa informações soa um absurdo, mas para eles, à época, seis meses era o tempo esperado, no mínimo, para terem notícias recíprocas.

Mas, o que isto tem a ver com o trânsito hoje? Infelizmente, tudo!! As pessoas, no geral, não conseguem ficar sem olhar o celular um minuto sequer. Em salas de aula, em reuniões, nos bares e restaurantes, nas baladas, nas academias e, é claro, nos carros, as pessoas estão o tempo todo conectadas. Há uma necessidade, quase que incontrolável, de ler mensagens, ver fotos, assistir videos, enviar e/ou postar mensagens, fotos e vídeos. Claro que muitas pessoas usam o zapzap para trabalho, mas, creio que a maioria usa para, digamos, "fins sociais". Todos, portanto, estamos cada vez mais escravos do tempo mínimo, do tempo instantâneo; cada vez menos temos um tempo para pensar, elaborar, esperar...  Esta forma do tempo, filha direta, na minha opinião, da máxima capitalista "tempo é dinheiro", contribui para que neuroses, especialmente, as ligadas à ansiedade, aumentem exponencialmente nos nossos dias. E, isto sem falar que a comunicação virtual toma espaço da comunicação real, ou que uma boa parte dos assuntos da comunicação real advém dos conteúdos da comunicação virtual...

O grande problema do uso do celular, mais especificamente, das redes sociais, e mais especialmente o WhatsApp, no trânsito é a desatenção. Muitas matérias televisivas e propagandas de educação no trânsito alertam, vastamente, para os perigos do uso do celular no carro. No entanto, parece que não estão surtindo efeito, pois, cada vez mais motoristas estão de olho no trânsito e no celular, e quando os carros param no semáforo, os dois olhos se voltam para o segundo, atrapalhando, sobremaneira, o primeiro. O grande problema, na minha opinião, é que a tecnologia da comunicação que, como todas as outras, trouxe muitos benefícios, acabou por reduzir o tempo de comunicação a praticamente algo instantâneo e, assim, nossa relação com o tempo se torna, cada vez mais, uma espécie de prisão, sem grades, em que sacrificamos nossa liberdade...

PS: sugiro um documentário que está na Netflix intitulado Quanto tempo o tempo tem. É uma reflexão muito interessante e profunda sobre as mudanças que a sociedade tem hoje com o tempo.