sábado, 26 de agosto de 2017

O estalo de Vieira


Contam os biógrafos de Antonio Vieira que o Imperador da Língua Portuguesa, na definição de Fernando Pessoa, quando era estudante do Real Colégio da Bahia, na época dirigido pelos jesuítas, era um aluno medíocre, que tinha muitas dificuldades em se adaptar àquela instituição. Certo dia, no entanto, enquanto ia para mais um dia árduo de escola ele, como costumava fazer todo dia, estava rezando na Sé em construção e teve uma fortíssima dor de cabeça, como se tivesse recebido um golpe em sua cabeça, chegando a acreditar que iria morrer. Não somente não morreu como, mais tarde já no colégio, passou a entender tudo o que os professores ensinavam. Se tornou o melhor aluno e quando foi convidado para ser professor de Filosofia, e depois Teologia, produziu um curso de Filosofia próprio, e depois um de Teologia, destacando-se nas Letras da época. O episódio da intensa e repentina dor de cabeça passou para a história como "O Estalo de Vieira".

Desde a primeira vez que li sobre esse momento da vida de Vieira, e pensando no grande intelectual e orador em que ele se transformou, confesso o meu pecado da inveja. Gostaria muito de ter tido, na minha adolescência, alguns estalos. Gostaria muito de ter tido facilidade para aprender química, biologia e física, inglês e francês e, depois, na faculdade, queria muito ter tido estalo para entender melhor Kant e Hegel. Mas, infelizmente não tive tais estalos... a duras penas consegui entender um pouco de inglês e francês... Parece que estalos são reservados para poucos mesmo, acho que somente para aqueles que estão mais próximos de Deus.

Mas, como sempre tento fazer relações para além dos termos em si, fico pensando, por exemplo, que tem muita gente por aí que talvez fique esperando um estalo em sua vida, evitando dedicar-se a aprender as coisas que, na maioria das vezes acontece de forma difícil, com dificuldade, que é resultado de muita dedicação e suor... No entanto, eu acho que quanto mais a gente se esforça para aprender as coisas, mais estamos perto de estalos, ou seja, de entendermos, finalmente, o que buscamos... Além disso, acho que o "estalo" pode ser as conexões, os links que conseguimos fazer, relacionando o que estamos aprendendo com outras coisas de nossa vida. Penso que quanto mais a gente perceber que qualquer coisa que aprendemos na escola ou na universidade tem sempre a ver com a nossa vida, quanto mais a gente perceber que teorias não estão distantes da vida, mais temos chance de fazer conexões e ampliarmos o nosso conhecimento, e mais, temos condição de criar nosso próprio pensamento, sermos autônomos e, assim, dialogar com maturidade com a vida e com os saberes acadêmicos. Talvez seja esta uma boa forma de entender o significado do "estalo", ou seja, algo que impulsiona, uma espécie de salto, em que passamos a fazer links que antes nos sentíamos incapazes...

Talvez o tal do Estalo de Vieira tenha sido nada mais do que um lampejo em que ele passou a fazer as conexões que não conseguia e, por isso, ia mal na escola. Quem sabe ele, pensando muito em tudo o que era passado no colégio, conseguiu fazer algum link que deixou claro a lógica e as ligações de todas as informações escolares e, por isso mesmo, tenha tido uma forte dor de cabeça; dores da descoberta!!! De qualquer forma, não resolve ficar parado esperando um "estalo"; quem sabe o "estalo" não é uma recompensa do esforço de querer aprender sempre mais!!!!



quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Sobre a série "13 Reasons Why"...


A série da Netflix "13 Reasons Why" (numa tradução livre: "13 motivos do porquê") causou, recentemente, muitos comentários, especialmente pelo tema tratado. Vi críticas e vi elogios. Críticas ao enredo tido como fraco, à caracterização da personagem como egoísta demais, à espetacularização do tema; elogios à forma como a série tratou o tema, à coragem de tocar em algo tão sensível na sociedade, ao realismo e intimismo do enredo.

A história trata do suicídio de uma menina de 17 anos, cujos motivos foram relatados por ela mesma em fitas cassetes, envolvendo 13 pessoas, que representaram os 13 motivos de sua trágica decisão.  Confesso que assisti com muito receio, pois o tema do suicídio é muito polêmico; é tão sensível que existe um acordo, no Brasil, entre a imprensa e a polícia de não divulgar suicídios pelo fato de que alguém que está pensando seriamente em tirar a própria vida acaba se encorajando ao saber que outra pessoa o fez. Mas, a série me mostrou que é necessário pensar no assunto e tentar conhecer os sinais de que alguém próximo a nós pode estar pensando seriamente cometer tal ato. A série me mostrou que não devemos julgar as pessoas que estão passando por isto e muito menos quem acaba concretizando. Os motivos são vários e geralmente profundos. O que devemos fazer é, na verdade, tentar antecipar, naquilo que depender de nós, os sinais.

É preciso, no entanto, contextualizar a série. Ela retrata a sociedade americana,  a vida dos jovens de classe média e a escola de ensino médio (a High School). A sociedade estadounidense é, como sabemos, extremamente competitiva, e isto se revela no seu sistema de ensino, pois todas as escolas, de ensino fundamental, médio e as universidades têm seus times de esportes os mais variados, predominando o basquete, o futebol americano e o beisebol (esportes nacionais de maior audiência). É uma sociedade que respira competição desde a mais tenra idade. E, por isso, a escola americana é sempre retratada em filmes dividida entre os que praticam esportes, cultura, as cheerleaders e os nerds; os que não se encaixam em nenhum desses grupos são excluídos pelos demais. A série mostra a High School, do ponto de vista dos alunos, como uma instituição dura, em que as relações são muito precárias e sem afetos duradouros e machismos, além do bullying, é claro. Esta é a síntese do ambiente que levou a personagem a cometer o suicídio.

No Brasil a sociedade é diferente e, por consequência, a escola também. Alerto que não estou aqui comparando a competência das escolas, porque acho que o esporte poderia, se bem direcionado, contribuir com a escola pública brasileira. No entanto, o fato de que aqui não haver tanta competição não significa que não haja relações precárias, machismos, violências e, especialmente, o bullying. Apesar das diferenças de sociedade e de escola, aqui também podemos ter criado espaços que facilitem ou induzam jovens a tirar suas próprias vidas. Não sei das estatísticas da violência aqui, mas nos Estados Unidos o suicídio é a segunda causa de morte entre as adolescentes.

Enfim, recomendo a série, especialmente para pais, parentes e professores. O assunto é sério e é necessário não varre-lo para debaixo do tapete da sociedade. Só um aviso final para em for assistir: não deixem de ver o vídeo da pós-produção, pois ele explica muita coisa sobre os personagens e sobre a temática tratada com realismo, por vezes, assustador.