domingo, 26 de agosto de 2012

Pequenas ditaduras na democracia



Bem, sei que vou mexer num vespeiro, que talvez seja incompreendido e receba muitas críticas, mas me sinto com liberdade suficiente para expressar minha opinião. Tem um tipo de postagem no facebook que anda me irritando e preocupando profundamente: "se você é a favor de acabar com o sofrimento dos animais compartilhe", "se você tem orgulho de ter amigos negros compartilhe", "se você tem orgulho de ter amigos homossexuais compartilhe", "se você ama sua mãe e sua família compartilhe"... e coisas que o valha... Fico me perguntando (1) se as pessoas que postam estas coisas estão entendendo que se seu "amigo" do face não partilhar, ele não concorda com aquilo?,  e (2) há uma espécie de tentativa de patrulhamento ideológico daquilo que se pretende ser o pensamento mais avançado?

Acho que reside aí, para mim, o grande problema. O chamado multiculturalismo, na atualidade, criou versões  que pretendem ser as ideologicamente mais revolucionárias, como, por exemplo, a defesa da igualdade de gênero, igualdade de raça, e a mais radical de todas, a concepção de que os animais são iguais (ou superiores!!) aos homens e que, portanto, comer defuntos de animais é uma atitude condenável. Defender tais visões de mundo, tais ideologias, para mim não é problema, e, em muitos casos são socialmente úteis. O problema, acho, é que tais concepções passam a ser a tônica da atualidade, passam a ser o crivo para julgar quem é avançado e quem é conservador, quem deve ser salvo e quem deve ser condenado. Pensar uma sociedade qualitativamente diferente, que supere a atual, não passa mais por uma discussão de classes, de apropriação coletiva de certos meios de produção, mas passa, agora, pela militância ambiental, de gênero e de raça.

O facebook parece ser, em parte, expressão da tônica atual, pois quando se colocam as coisas de maneira que quem não partilha das mesmas opiniões decididamente é tido como conservador, reacionário, e se pede ainda para quem for favorável compartilhar a mensagem, me parece que acaba resultando num verdadeiro e deplorável patrulhamento ideológico. Daí parece que estamos a um pequeno passo de uma ditadura do que se considera a verdade, ditadura do que se considera o bom, pois aquele que discorda está do lado da mentira e do mal. Assim como parece que estamos no tempo da ditadura da felicidade, podemos estar, também, no tempo da ditadura do que se considera multicultural.

Defendo, de forma intransigente, a opinião das pessoas, mesmo que contrárias às minhas. Condeno, igualmente de forma intransigente, qualquer forma de violência real ou simbólica, condeno qualquer forma de buling e qualquer forma de fundamentalismo radical. Tenho amigos gays, tenho amigos negros, mas não se tornaram meus amigos pela sua cor ou pela sua opção sexual, mas sim pelas pessoas humanamente atraentes que são...

Ah, (1)  amo minha mãe e minha família, mas não vejo necessidade de, por isso, tornar público algo que, para mim, já é público...
Ah, (2) não sou e nem pretendo ser vegetariano e, por favor, não me sinto menos humano por isso...


sábado, 18 de agosto de 2012

Bolívia

Acho que passei pela experiência de um verdadeiro choque cultural em menos de um mês: depois de conhecer Portugal, fui para a Bolívia, no interior, na região dos povos chiquitanos. Não vou mentir aqui afirmando, demagogicamente, que as experiências foram as mesmas e os sentimentos iguais. Por vários motivos, pessoais e de trabalho, Portugal me proporcionou muito mais emoções positivas do que a Bolívia, no entanto, não é possível viajar para lá sem escrever sobre esta verdadeira aventura.


Eu e o Nando (e eu acho que a grande maioria dos participantes do congresso) fomos meio que precavidos de que coisas estranhas poderiam acontecer, viajamos com a consciência de que poderíamos provar coisas inusitadas e, portanto, acabamos por preparar nossos espíritos para encarar tudo da forma mais normal e esperada possível. E acho que conseguimos, tanto é que somente depois da viagem é que apresentei alguns problemas de saúde, talvez relacionados à minha estadia por aquelas paragens.

A impressão que se tem é que se trata de um volta ao passado num ambiente de filme mexicano antigo: estradas e ruas sem asfalto; comidas, incluindo carnes, expostas ao tempo nos mercados; baixas condições de saneamento básico; motos circulando com uma, duas ou mais pessoas, inclusive crianças e bebês, todas sem capacete; ônibus (todos brasileiros aliás) sem banheiro e sem ar-condicionado e em condições mecânicas sofríveis, que levou a uma parada não solicitada de três horas à beira de uma estrada poeirenta; desorganização no evento com os CD dos anais e os certificados de apresentação de trabalhos; enfim, coisas para as quais, como já informei, estava com o espírito preparado e, portanto,  encarei da melhor forma possível, sem stress.

Por outro lado, seria muito injusto com os bolivianos que nos receberam tão bem destacar somente o exótico da viagem. As pessoas são muito amáveis e bonitas; a cultura chiquitana é preservada e os descendentes das etnias são incentivados a cultivar a arte da música, do canto e do teatro; as igrejas das antigas missões jesuíticas muito bem preservadas, com altares barrocos magníficos; uma apresentação de música barroca de tirar o fôlego;  apesar dos motociclistas e passageiros sem capacete, não vi nenhum acidente; hoteis com uma boa infraestrutura; comida em abundância e variada. Enfim, coisas boas que compensaram os previsíveis imprevistos.

Valeu a pena conhecer o interior da Bolívia. Muita coisa naquele país continua desconhecida, especialmente os lugares do altiplano (La Paz, Lago Chichicada, Salar de Uyuni etc.), mas estes lugares são, por excelência, turísticos, o que ainda não é o caso da região de Chiquitos, cujo único turismo é o cultural...