terça-feira, 18 de outubro de 2016

O caminho longo-curto



Lendo o livro A Alma Imoral de Nilton Bonder me deparei com uma história/metáfora muito interessante. Bonder relata que o rabi Ioshua, filho do rabi Hanina, disse: "Certa vez uma criança arrebatou o melhor de mim. Eu viajava e me encontrava diante de uma encruzilhada. Vi então um menino e lhe perguntei qual seria o caminho para a cidade. Ele respondeu: 'Este é o caminho curto e longo e este, o longo e curto.' Tomei o curto e longo e logo me deparei com obstáculos intransponíveis de jardins e pomares. Ao retornar, reclamei: 'Meu filho, você não me disse que era o caminho curto?' O menino então respondeu: 'Porém lhe disse que era longo!'

Quantas vezes a vida nos coloca diante da escolha de caminhos que nos levem a algum lugar diferente de onde estamos? Caminhos que podem ser literais, mas, como no caso da história acima, caminhos metafóricos, simbólicos. Decisões a serem tomadas, decisões muitas vezes difíceis, que nos colocam muitas vezes em encruzilhadas. Qual caminho escolher? Como enfrentar o peso da decisão? Muitas vezes temos dois caminhos a seguir: um que se apresenta mais breve e outro mais longo. Mas, o menino da história mostra que muitas vezes, talvez na maioria delas, o caminho curto se apresenta longo e o caminho longo se mostra o mais curto. E como se dá isto? Na prática, acho que grande parte das pessoas já sentiu isto na pele.

"Troco de emprego por um outro que me traga mais satisfação mesmo ganhando menos [caminho longo e curto] ou fico no mesmo emprego em que ganho mais [curto e longo]?"; "Estudo para a prova que vai ser difícil sacrificando meu final de semana [caminho longo e curto] ou faço uma cola no domingo a noite para fazer a prova segunda de manhã [caminho curto longo]?"; "Me arrisco a terminar meu relacionamento sem colocar ninguém no lugar, enfrentando a solidão e a carência [caminho longo curto] ou continuo no relacionamento, mesmo que ele não me realize mais, por medo da insegurança [caminho curto longo]?". São tantas as decisões que temos que tomar de vez em quando na vida pessoal, familiar, profissional, estudantil etc., que acabamos, mesmo sem refletir muito, optando por um caminho.

E o caminho que é mais tentador, porque aparentemente menos trabalhoso e menos sofrido, é o caminho curto, porque temos pressa de resolver as coisas, temos pressa de "chegar ao destino". Mas, o problema é que o caminho curto acaba por se tornar mais longo, pois as coisas geralmente não se resolvem de imediato na nossa vida, as coisas que aparentemente nos trazem prazer momentâneo  se mostram angustiantes com o passar do tempo e o arrependimento por não ter tomado o outro caminho bate à porta. A escolha pelo caminho longo é mais difícil mesmo, é, às vezes, um "pulo no escuro", é um arriscar constante em que podemos contar, essencialmente, somente conosco mesmos, é um caminho que vai exigir muito mais e que vai ser marcado pela renúncia ao prazer imediato.

O caminho curto se torna longo, pois logo vai ter que voltar ao ponto de origem e se perguntar de novo. O caminho longo se torna curto porque ele é decisivo, é o único que pode nos levar a algum destino, o qual, a partir daí, pode se tornar ponto de partida para outros caminhos. Desejo que aqueles que estão em alguma encruzilhada na vida optem pelo caminho longo, deixem o medo que paralisa para trás e se aventurem a andar muito para que quando chegar não tenha que voltar e, sim, seguir adiante. A vida é para ser vivida com intensidade e coragem!!


Ps: agradeço a Amanda Lemes por ter-me apresentado Nilton Bonder, um escritor judeu com o qual estabeleço um diálogo muito proveitoso.

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Não entendo nada de política


Quero, aqui, fazer uma rápida avaliação da campanha para vereador na minha cidade, Maringá-PR, para explicar a(s) razão(ões) que me levam a concluir, hoje, que não entendo nada de política.

Como os meus leitores do blog sabem fiz campanha de vereador para uma mulher (não vou citar o nome dela aqui, pois não estou mais fazendo campanha e não quero que as pessoas confundam este post com um panfleto político). O projeto por ela liderado, e que expressava a sua visão de mundo, tinha por base, essencialmente, a discussão verticalizada acerca da necessidade do respeito às variadas identidades que compõem a nova sociedade. O combate ao machismo, pelo empoderamento feminino, a defesa intransigente das pessoas LGBT e dos negros, a necessidade de se pensar uma sociedade que se paute pela sustentabilidade, a cultura como algo que deve se espraiar para toda população como meio eficaz de combate à miséria humana, foram as marcas de uma bela campanha, que exigiu coragem da candidata e de todos os que estavam à sua volta para defender, com muita propriedade, profundidade e coerência um projeto, e não um pragmatismo.

Mas, por que este projeto não vingou como esperado, ou mesmo, por que ele não foi melhor acolhido em termos de quantidade de votos? Minha candidata alia teoria à prática, pois, como policial civil, se dedica aos crimes de violência doméstica contra as mulheres, e, nem assim, a campanha sensibilizou a maioria das mulheres, pelo menos as de esquerda. Quais os motivos? Alguns me ocorrem.

A campanha para vereador passa, ao que parece, por uma base. Seja uma base institucional (igrejas, universidades etc.), ou de movimentos, segmentos, bairros etc., e isto sem falar na cultura da venda de votos, que ainda faz parte, infelizmente, da nossa vida política. As pessoas têm uma identidade prévia com candidatos que as representam, mesmo que tais pessoas não demonstrem, objetivamente, ter condições teóricas e práticas para o exercício, "a plenos pulmões", da representatividade. É o que minha candidata tinha, e de sobra. O voto para vereador é muito mais "bairrista" do que eu imaginava. Parece que não importa, de fato, uma visão de mundo mais abrangente, que englobe demandas várias, pois os segmentos desconfiam de pessoas que não pertencem, de fato, a eles. A campanha de minha candidata "bombou" na internet, tanto no face como no whats, pois as postagens foram de muita qualidade e sensibilidade, especialmente os videos, o jingle (original) e a ideia do "diário de uma candidata", que mostrou a campanha por dentro e tocou em assuntos delicados com muita coragem. As postagens, fotos e videos, tiveram, em média, mais de duas mil visualizações, dando a impressão que a campanha havia "pegado"; doce ilusão!! A internet parece que não é o meio ideal de campanha para vereador (talvez seja para prefeito, governador e presidente), pois faltou a base... Faltou?? Acho que não!!! As "bases" não se abrem, ou dificilmente se abrem para visões de mundo mais complexas, mais abrangentes.

Todos os candidatos que se elegeram vereadores em Maringá o fizeram a partir de uma base; vide, por exemplo, o primeiro colocado, que se elegeu por representar o movimento nacional, e local, que deu sustentação para o impeachment da presidenta Dilma. Mas, muitos candidatos, e bons candidatos, não se elegeram pois seus segmentos não conseguiram se unificar em torno deles. Penso, no entanto, que se quisermos, de fato, pensar em uma nova forma de ver e fazer política, é necessário vermos as visões de mundo mais abrangentes, as visões de mundo que acolhem demandas setoriais, mas não ficam a elas restritas. Quem sabe da próxima vez consigamos ir além; avaliar pessoas profundas e complexas, que aliem teoria e prática, independentes de quais setores elas fazem parte. Mas, confesso aqui que minha desilusão com a política, pelo menos por ora, só aumentou...

Em tempo: em Maringá, minha cidade de adoção, que eu amo muito, nenhum dos 15 vereadores eleitos é mulher... estamos longe, ainda, de colocarmos em prática, de forma refletida e organizada, uma cultura que, por exemplo, combata o machismo...