sábado, 30 de junho de 2012

O professor, Santo Agostinho e a filosofia



Há alguns anos atrás, preparando aula sobre a Cidade de Deus de Santo Agostinho para meus alunos do curso de Pedagogia, estabeleci uma relação que, penso, é original; mas, mesmo não sendo, creio que é bem instigante. Trata-se da relação que fiz entre o papel do professor e, por sua vez, a relação que Agostinho faz da Trindade cristã com as partes da Filosofia em Platão. Explicando...


Platão estabelece que a filosofia tem três partes: física, lógica e ética. A primeira parte diz respeito ao conhecimento do bem, ou seja, à investigação do mundo verdadeiro, que, para ele, é o mundo inteligível, no plano das idéias, e não o mundo sensível, da concretude cotidiana. A segunda parte deriva da primeira, ou seja, o filósofo deve, depois de conhecer o bem, transmitir, ensinar sobre ele para os homens comuns que não têm condições de conhecê-lo por si mesmos. A terceira parte é a vivência coletiva de acordo com o bem, é a estruturação de uma sociedade justa para todos, pois a justiça é atributo do bem. As três partes compõem um todo, ou seja, para Platão, filosofar requer conhecer, transmitir/ensinar e viver.

Santo Agostinho, quando apresenta o pensamento do filósofo grego, num esforço de estabelecer afinidades entre a filosofia platônica e o cristianismo, estabelece uma relação entre as partes da filosofia  com a trindade cristã. A física se relaciona com a primeira pessoa da trindade, Deus, à medida em que o conhecimento de todas as coisas provém dele e, portanto, conhecer o bem é conhecer o divino. Cristo se relaciona com a parte lógica da filosofia, no sentido de que Deus enviou seu filho aos homens para renovar a aliança e transmitir para os homens as coisas acerca do criador (como está no evangelho de João: "E o Verbo se fez carne"). O Espírito Santo se relaciona com a ética à medida que é ele que inspira os homens a viver de acordo com os desígnios divinos. A trindade, assim como a filosofia, deve ser entendida como três feições de um mesmo rosto, como três momentos de um mesmo ser.

A relação que eu faço disso tudo com o papel do professor não tem a ver com uma visão religiosa acerca do seu afazer, mas com as características que o professor deve ter para exercer bem sua profissão. Em primeiro lugar o professor deve conhecer o assunto que ele vai trabalhar em sala de aula, pois não se consegue ensinar o que não se sabe; o professor deve saber transmitir, comunicar o conhecimento de forma clara para o aluno, ou seja, ele deve ter didática e, especialmente, paciência para ensinar. Enfim, o professor deve, no que depende dele, criar um clima favorável para o processo de ensino-aprendizagem se realize da melhor maneira possível; o professor que é arrogante, autoritário, populista, mais prejudica do que contribui com a formação de seu aluno.

Penso que estas três qualidades juntas é que forjam um bom professor. Tive a oportunidade a sorte de ter tido vários professores assim, e a eles sempre rendo meus silenciosos, mas genuínos, agradecimentos. Eles serão, sempre, minha inspiração!!!


domingo, 24 de junho de 2012

(segunda parte) Complexidade


Continuando a reflexão anterior, gostaria agora de referir-me à complexidade no sentido social e histórico. No post passado, em resumo, eu afirmei que o ser humano é complexo, e é assim que ele deve enxergar a si mesmo e aos outros. Penso que, como consequência lógica, a sociedade e a história devem ser analisadas e avaliadas, também, em suas complexidades.

Efetivamente, as instituições sociais estão longe de serem simples. A política, a escola e a família, apenas para referir-me a algumas das mais importantes, têm uma complexidade interna que não comporta definições acabadas e tranquilas. Em política, por exemplo, como dizia um político, a água sobe a cachoeira..., ou seja, querer uma linearidade no jogo e nos arranjos políticos é se perder em uma pureza que não leva em conta a dinamicidade do processo e as variadas estratégias utilizadas na luta pelo poder. Pode-se  criticar alguns conchavos, mas achar, de forma  pueril, que a política não pode compreender novas alianças com velhos inimigos é ser, no mínimo, ingênuo. No que diz respeito à escola e à família acontece o mesmo, pois é muito comum minimizar a complexidade das relações inerentes a elas e, com isso, propor resoluções dos problemas que passam, simplesmente, pela mudança na forma dos comportamentos (do marido, da mulher, dos filhos, dos estudantes, dos professores), estabelecendo papeis que deveriam ser naturais. Tanto a família como a escola são instituições que são determinadas para além daquilo que lhes são específicos e, por isso, simplificar as análises e resoluções de possíveis problemas acaba por dar, como diziam os antigos, "com os burros na água", ou seja, respostas ingênuas para análises simplórias.

No que diz respeito à história, é muito comum professores, pesquisadores, estudantes etc., analisar a história a partir de conceitos generalizadores, tais como Idade Média, Humanismo, Renascimento, Mercantilismo, Iluminismo, dentre inúmeros outros. Tais conceitos são sempre construídos posteriormente para identificar determinadas características do passado. No entanto, corre-se o risco de, ao usar permissivamente os conceitos, eles acabam virando rótulos nos quais adapta-se e resume-se a realidade, correndo o risco de fazer uma espécie de radiografia do passado, de se congelar a história, simplificando as relações humanas individuais e sociais, retirando, portanto, toda a dinamicidade própria de qualquer sociedade do passado. O ser humano individual e em sociedade é sempre complexo e, por consequência, o passado também é complexo, dinâmico, contraditório e, se não se estiver atento a isso, corre-se um sério risco de retirar do passado o que lhe é mais rico: os seres humanos de carne, osso, sangue e alma que construíram suas vidas com a intensidade que lhes era inerente.

A consciência de que as sociedades, atual e do passado, são coisas simples é gerada, em minha opinião, por uma visão religiosa-maniqueísta do ser humano e da realidade. A atitude mais simplificadora é aquela que julga as pessoas, instituições e outras coisas como boas ou más e, portanto, a resolução dos problemas também passa pela solução maniqueísta de condenar os maus e enaltecer o bons. Bondade e maldade são tão relativos quanto a própria vida; bom e mau são tão não-lineares como o é a própria história...



domingo, 17 de junho de 2012

Complexidade

Acho que uma das falácias que repetimos e uma das armadilhas que caimos constantemente é de que a "vida é simples, e somos nós que a complicamos"... Falácia por ser um raciocínio enganoso e armadilha por ser algo que parece uma coisa mas é outra, um engodo. A vida, decididamente é complexa, muito complexa. O ser humano não é simples, pois, parafraseando o velho Marx, ele é uma síntese de múltiplas determinações, algumas das quais se têm consciência e outras (muitas vezes as mais importantes) encontram-se no inconsciente ou subconsciente; aliás, a própria existência real desses dois níveis já é uma prova da complexidade humana.

Como somos seres que, normalmente, queremos nos preservar e viver da forma mais confortável possível, afastando temores, sustos, imprevisibilidades etc, temos uma tendência a reduzir as coisas a uma simplicidade aceitável, previsível, linear, por isso que são poucos, por exemplo, os que aceitam entrar em projetos realmente desafiadores, que exigem coragem, criatividade, persistência e tomada de decisões por vezes impopulares. A segurança que muitos buscam de forma arrefecida tende a camuflar as contradições inerentes à vida, por isso que a auto-consciência muitas vezes é um inferno, especialmente quando preferimos achar que, no máximo, os outros é que são nosso inferno...

Uma das máximas mais antigas que se têm conhecimento é aquela atribuída a Sócrates (mas que fazia parte da cultura grega) de que a verdadeira sabedoria deve partir do auto-conhecimento ("conhece-te a ti mesmo") e, então, do conhecimento dos outros ("decifra-me ou te devoro",  é o que a Esfinge falava àqueles que queriam entrar em Tebas, no mito de Édipo ).  Como não é tarefa fácil, pois senão não estariam colocados como fundamentais para a vida, tais pensamentos gregos revelam que as pessoas são seres complexos que dificilmente cabem em rótulos simples, como estamos muito acostumados a fazer tanto conosco mesmos quanto para com os outros. É muito mais fácil definir as pessoas e a nós mesmos do que empreender um esforço para adentrar muitas vezes em terreno perigoso que é o nosso interior e o das outras pessoas. Fazer isso sem a mediação do dinheiro, do poder, da submissão, da chantagem, do comodismo e, especialmente, daquilo que as pessoas chamam de amor e paixão, aí sim é que o caminho é muito mais difícil.

Se quisermos de fato nos conhecer é preciso, em minha opinião, partir do princípio de que somos seres complexos, que a vida é complexa e, que, portanto, as pessoas ao nosso redor também são complexas. É mais difícil, muito mais complicado, muito mais exigente, mas se não for assim, corremos o risco de viver uma vida auto-alienada e, portanto, longe de ser feliz!!!!


sábado, 9 de junho de 2012

Crítica e democracia



Uma das coisas que minha geração valoriza sempre (ou deve valorizar) é o fato de termos passado por um período de ditadura e de controle e censura das opiniões, atos e ideologias. Reconquistamos a democracia e temos que lutar sempre para mantê-la, mas não só no sentido político mais abrangente, mas, especialmente, pois é aí que tudo começa, interiormente, em nossas relações pessoais.

Escrevo isto pelo incômodo que sinto com as críticas postadas aos meus post, especialmente àqueles que dizem respeito mais às relações pessoais do que institucionais. Mas, o incômodo não é pela crítica em si, pois aprendi a lidar com elas e as tenho como algo essencial na vida; o contraponto é sempre bem vindo!! Mas, me pergunto porque as críticas vêm como anônimas? Qual o problema em revelar o nome do crítico? Qual o receio? Sinceramente, não consigo entender... 

Sempre soube que ao expor minhas idéias num blog público corria o risco das críticas, de ser taxado como infantil, superficial etc. Mas, continuo achando que, carecendo de muita qualidade ainda, posso contribuir, sim, para pensar sobre a realidade que vivemos. Os meus críticos podem me acusar de tudo, menos de falta de coragem de expor a crise, procurando fugir das receitas de auto-ajuda tão comuns nos dias de hoje. Será que não está faltando coragem aos meus críticos para se exporem também???

PS: apenas para lembrar porque me preocupo com temas como solidão humana, luto, dor, amor-próprio, poder, submissão etc, um estudo da Organização Mundial de Saúde aponta que nos próximos 10 anos, as doenças psíquicas se tornarão epidêmicas e, quando se fala nisso, impossível não se incomodar...

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Solidão e Amor-próprio

Ando refletindo muito sobre a solidão humana que, para mim, é uma das marcas da nossa sociedade. Muito provavelmente inspirado em autores que trabalhei ou venho trabalhando em minhas aulas (Heráclito, Parmênides, Sócrates, Platão, Aristóteles, Epicuro, Lucrécio....), fico tentando aprender como se olha a alma humana para, assim, poder observar a sociedade da qual faço parte e elaborar argumentos para expressar meu ponto de vista. Penso que a solidão é uma espécie de resultado, como um ponto de chegada, e não atributo da personalidade, com uma espécie de ponto de partida. Dos vários ângulos que se pode constatar a solidão, um deles, acho, é do do amor-próprio.

Vou usar um exemplo que, creio, é muito comum: o fim de um relacionamento. Porque a felicidade da pessoa amada geralmente é tão ofensiva quando ela não está mais perto? Porque não é possível admitir que a pessoa amada pode ser feliz com outra pessoa? Porque se espera que, no fundo, a infelicidade de uma seja o estado de alma da outra pessoa também? Sinceramente, acho que isso não tem nada a ver com o amor que se quer da outra pessoa ou mesmo do amor que se diz sentir, por mais que isso possa parecer paradoxal. Acho que, no fundo, tem a ver com uma espécie de amor-próprio. Li num livro um pensamento atribuído a Nietzsche, de que todo amor é antes de tudo amor-próprio. Por isso, a pessoa abandonada se pergunta sempre: "como aquela(e) infeliz pode amar outra pessoa que não eu?" "Como, e em que, a outra pessoa pode ser melhor que eu?" "Como a(o) desgraçada(o) pode se entregar para outra pessoa da mesma forma que se entregava a mim?" Os sentimentos que torturam, que tiram o sono e a vontade de fazer as coisas, estes sentimentos atingem em cheio o ego, nocauteiam o amor-próprio, fazem a pessoa se sentir a pior do mundo, pois, ela julga que foi rejeitada...

Não é impressionante isso? Não é impressionante como funcionam as coisas lá no fundo de nosso sub-consciente? Amor-próprio acaba tendo a ver com propriedade das coisas e das pessoas, com uma constante (e disfarçada, é claro) necessidade de ser idolatrado a todo momento. E, para piorar, vou mais fundo nesta reflexão: apesar disso tudo fazer parte do humano que existe em nós, esta parte da nossa humanidade pode revelar-nos um ser fraco, mal resolvido emocionalmente, dependente dos outros e das situações, arrogando-nos como se as pessoas amadas fossem nossa propriedade. Por que o amor que dedica-se a um amigo(a) é diferente? Talvez porque amar um(a) amigo(a) é saber que ele(a) e você estarão sempre juntos, mesmo que separados, sempre cúmplices, mesmo que distantes, sempre prontos para ajudar sem julgar.

Mas, então, porque a outra forma de amor, o amor-paixão, para vivenciá-lo a liberdade tem que ser sacrificada em nome do amor-próprio? Eu acho que a frase do Nietzsche refere-se ao amor pequeno-burguês, ao amor pobre, ao amor que empobrece: não podemos querer amar ao outro somente na exata medida em que este amor representa a escravidão do outro às nossas correntes; querer que o outro nos ame para reforçar nosso amor-próprio é, na verdade, não ter, de partida, amor-próprio; é querer que o outro preencha um vazio, e só isso. Confundimos muito os amores. A dor de um amor que se foi é doída, mas amores podem acabar, ainda mais em certas circunstâncias. Amores acabam mas não morrem, se realmente foram verdadeiros. Amar vale a pena, mas saber amar vale muito mais!!

Voltando ao início, cultivar o verdadeiro amor-próprio, o que é necessário para o controle da vida, é cultivar a liberdade. Deixar levar-se pelo egoísmo, querer submeter o outro e não conseguir, é aumentar o sentimento de abandono e de solidão. E, como consequência, para evitar a mágoa afunda-se numa vida solitária, compensada por relações superficiais e desiguais...