domingo, 15 de março de 2015

Impeachment e reforma política


Faz parte da democracia o povo protestar contra seus governos. Faz parte, é necessário e saudável, especialmente quando a chamada classe política está tão desacreditada como nos últimos anos no Brasil. Um presidente (no caso, uma presidenta), um governador ou um prefeito não podem agir de forma a desconsiderar a opinião das pessoas, as suas críticas e reclamações; agir desconsiderando isto é fazer um governo arrogante que vai errar sempre e não admitir os erros. Portanto, viva a democracia que permite, e exige, manifestações contra os governos, até porque, como disse Winston Churchill: "a democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas".

No entanto, as manifestações ocorridas hoje (15/03/2015) me deixaram preocupado. Em primeiro lugar um movimento de tal magnitude, de abrangência nacional, não pode ser acéfalo; há necessidade de líderes, há necessidade de pessoas que, por alguma razão, legítima ou nem tanto, criam os grupos nas redes sociais, criam e/ou organizam os argumentos que embasam o movimento, marcam o dia dos protestos e, especialmente arcam ou negociam quem banca as despesas dos protestos, porque elas existem, a começar pelos carros de som, os quais não são baratos. A pergunta que fica é: quem são esses líderes? O que eles fazem? O que e quem eles representam? Eles têm articulação política partidária? Declararam seus votos nas eleições passadas?

Em segundo lugar, deve-se perguntar qual a base legal para se pedir o impedimento da presidenta Dilma, pois, se não houver, de fato, culpa no cartório por parte dela, como aceitar simplesmente a vontade de uma parcela da população? Até onde sei não há base legal ou qualquer fato comprovado que a ligue com a escandalosa corrupção na Petrobrás, pois se existisse algo de concreto eu seria favorável ao seu impeachment. Assim, me parece que estamos diante de um golpe, talvez arquitetato por um grupo e que agora passa a ter o endosso de uma parcela grande da população brasileira. No entanto, seja um grupo pequeno ou um grupo grande, sejam centenas ou milhões de pessoas a protestar, o que está em risco agora é a própria essência e existência da democracia, a qual tem que ser impessoal e desprovida de sentimentos para continuar firme. Ser democrático não é fácil, ainda mais quando a maioria agiu de forma diferente nas urnas. Democracia, para mim, é uma forma de agir, tanto no público quando no particular e, para isto, o respeito às pessoas, especialmente aquelas que nos servem de alguma forma, é fundamental.

Fotos e imagens dos protestos de hoje mostram outra grande preocupação: o apelo à religião, o combate ao comunismo e a defesa da intervenção militar. Para quem se lembra ou estudou sobre a década de 60 do século passado vai lembrar das "marchas com Deus pela família brasileira contra o comunismo", as quais foram um instrumento valioso para criar um ambiente favorável ao golpe militar de 1964. Instaurou-se um regime autoritário que, entre outra coisas, fechou o Congresso Nacional, proibiu partidos políticos, perseguiu e matou pessoas e proibiu as livre-manifestações. Ora, é isto mesmo o que se está pedindo? A ironia disto tudo é que tais pessoas que levantam estas bandeiras só o fazem porque estamos numa democracia, pois, numa ditadura, no caso, militar novamente, não teríamos a liberdade que temos para nos expressar; duvido até que as redes sociais teriam a liberdade que têm hoje.

Para que os meus leitores não me vejam como alguém que está aqui somente com o intuito de defender a presidenta Dilma eu afirmo que não apoiaria, também, o impeachment do governador do Paraná Beto Richa, pois também não vejo as condições jurídicas necessárias para tal ato, o qual deveria ser o último recurso democrático. Prezo muito a democracia, por isto sou favorável às manifestações contra a condução política de nossos governantes, contra os vários tipos de corrupção, mas, temo que pessoas movidas pelo sentimento de raiva, acabem contribuindo para colocar em risco a democracia que, a muito custo, a muito sangue, foi resgatada em nosso país.

Finalmente, compartilho da opinião de muitas pessoas de que uma das causas da crise política que vivemos é o atual modelo político, que envolve o financiamento privado das campanhas, a reeleição para os cargos executivos e, especialmente, legislativos, a aposentadoria facilitada, os privilégios etc.. Portanto, a manifestação mais eficaz que deveria ser feita, por todos os descontentes com partidos A, B ou C, no Brasil e nos estados, seria para exigir uma reforma política, e que ela não fosse feita pelos políticos, pois duvido que tenham coragem de "cortar a própria carne", mas sim, uma assembléia soberana, composta por representantes da sociedade civil organizada, que impusessem aos políticos uma forma diferenciada de agir. Resguardaríamos a democracia e, quem sabe, forçaríamos os políticos a agir pela ética e pelo compromisso, de fato, com aquilo que é público, compromisso com a res publica!!!!!