quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Sobre o tempo

Tempo que passa
Tempo que não passa
Tempo que acrescenta
Tempo que tira.

Transformado pelo tempo
Transportado pelo tempo
Resignado pelo tempo
Encolhido pelo tempo.

Tempo que restaura
Tempo que deforma
Tempo que recupera
Tempo que entorna.

Ansioso com o tempo
Cansado pelo tempo
Ansioso pelo tempo
Cansado com o tempo.

Tempo que não volta
Tempo que ainda não veio
Tempo para se arrepender
tempo para se fazer.

Temos todo tempo do mundo!!
Temos todo tempo do mundo??


sábado, 23 de novembro de 2013

O Rio de Janeiro continua lindo??


O Rio de Janeiro realmente continua lindo! E não teria como ser diferente. A natureza exuberante, com seus morros, praias, orla, avenidas largas e arborizadas, prédios históricos suntuosos e um sem-número de estátuas, fazem do Rio uma cidade única no Brasil. O Corcovado, com a estátua do Cristo Redentor, a Urca e o Pão de Açúcar com seus bondinhos, continuam sendo passeios obrigatórios. O aeroporto Santos Dumont, obra da intervenção humana, parece que foi obra também da natureza, de tanta sintonia com a paisagem. O grande, o imenso número de bares e restaurantes de todos os tipos e para todas as clientelas é algo que não passa despercebido. A alegria e o bom-humor do carioca continua sendo uma marca registrada. Enfim, o Rio de Janeiro continua lindo!!

Mas, algo muito feio, alarmante mesmo, passou a fazer parte do cotidiano do Rio: os moradores de rua. Claro que eu já havia ouvido falar e assistido pela TV sobre este grave problema social. No entanto, ver com os próprios olhos o centro abarrotado de gente dormindo nas calçadas, debaixo de marquises de prédios, em gramados, enfim, em todos os lugares da rua é algo que trás uma sensação muito ruim, uma sensação de desânimo, de pessimismo, de incredulidade. Num mundo que criou inúmeras condições de superar a miséria humana o crescimento do número dos moradores de rua é um balde de água fria na utopia de uma sociedade que seja, de fato, inclusiva.

Porém, o que mais chama a atenção neste contraste que é o Rio, é a naturalização da miséria humana, a naturalização da existência dos moradores de rua. Comentando com meu amigo Sezinando, concluímos que para eles, os desabrigados,  naturalizar sua vida de excluídos parece ser uma estratégia de sobrevivência, pois se assim não o fosse não haveria porque continuar vivendo. Fazer as necessidades fisiológicas, tomar banho, fazer a barba, lavar a roupa em público é contra qualquer indício de dignidade humana, mas como isso é preciso ser feito, eles tornam estes hábitos naturais. A sociedade carioca, por sua vez, parece que naturalizou também esta miséria humana e, talvez, também, seja uma estratégia para manter o individualismo consumista intacto, pois se assim não fosse, não teríamos como dormir a noite abrigados em nossas casas.

Enfim, adorei voltar ao Rio de Janeiro, pois gosto cada vez daquela cidade maravilhosa. Mas, voltei com uma sensação de que o que tem a natureza e a capacidade humana de belas, tem de feia a sociedade!!!!


domingo, 17 de novembro de 2013

Tudo o que interessa à humanidade me interessa?

Meus amigos e meus leitores sabem que gosto de TV, particularmente de novelas. Nesta semana que passou algumas cenas vistas na telinha me chamaram a atenção e me levaram a refletir sobre a vida.

A primeira é da novela Amor à Vida. Os dois advogados do hospital ao prepararem a procuração do médico Cézar para sua esposa Aline, perceberam o quanto ela o estava manipulando, mas, mesmo depois de conversarem sobre a constatação, um deles não conseguiu perceber o quanto ele próprio está sendo manipulado pela sua namorada. A segunda cena é de um episódio de Jornada nas Estrelas - a próxima geração, em que numa volta ao passado, no final do século XIX, a tripulação da Enterprise encontra o famoso escritor Mark Twain, o qual perguntou o que aquela "visita" do futuro interessa a ele e, depois complementava, vendo o espanto no rosto dos outros com a pergunta aparentemente egoísta, que o que interessava à humanidade como um todo a ele interessava também. Pode ser muita criatividade minha, mas é possível fazer uma reflexão sobre as duas cenas.

Parece que sempre é mais difícil nos enxergarmos do que vermos, criticamente, os outros. Eles, os outros, em suas relações, são manipulados, manipuladores, ciumentos, carentes, neuróticos, inseguros, medrosos etc., mas, nós, dificilmente, conseguimos perceber tais características em nossas relações. O ciúme nos outros é descabido, em nós é sinal de amor e, portanto, é normal. A loucura dos outros não passa nem perto de nós. Dificilmente temos capacidade (ou a desenvolvemos) de estabelecer a crítica a nós mesmos, nos vermos como inseguros, ingênuos, medrosos, manipulados etc. A distância que temos para analisar os outros inexiste para nós mesmos. Aliás, é preciso considerar que isso é normal mesmo, tanto que bons professores podem não ser bons pais, bons teóricos podem não ser bons práticos e bons terapeutas precisam, sempre, ser pacientes para entenderem a si próprios...

Mas, o que parece, pelo menos para mim, é que a dificuldade natural de nos vermos criticamente em nossas relações, de ter consciência de quanto uma relação pode estar sendo mais morte do que vida para nós, é potencializada pelo individualismo exacerbado que vivemos hoje. Cada vez mais as pessoas desenvolvem como crivo de suas preocupações tão somente o próprio umbigo, ou seja, aquilo que diz respeito ao interesse e à satisfação absolutamente individuais e até mesquinhas. A dificuldade de se criar um autodistanciamento salutar e necessário é praticamente bloqueada pela não importância que se dá para os aspectos mais gerais, sociais, econômicos e culturais da sociedade.

Penso que não é a toa que o personagem Félix, também da novela Amor à Vida, tão propositadamente complexo construído pelo autor, chegou a ser defendido por muita gente pela repressão do seu pai à sua opção sexual, mesmo sendo um crápula, um corrupto, um mal-caráter assumido. Por quê? Porque parece que hoje o mais importante para se julgar as pessoas e, também, fazer um auto-julgamento é o que diz respeito tão-somente ao sentimento individual e não mais às práticas sociais mais gerais. Continuo vislumbrando um mundo em que, como disse o personagem de Mark Twain, tudo que interessa à humanidade como um todo interesse a todos individualmente!!!!


domingo, 27 de outubro de 2013

Felicidade (2)

A Organização Mundial da Saúde, órgão ligado a ONU, prevê que as doenças mentais e neurológicas atingirão 350 milhões de pessoas no mundo até 2020. A doença mais frequente é depressão, caracterizada por tristeza, perda de interesse, ausência de prazer, oscilações entre sentimentos de culpa e baixa auto-estima, além de distúrbios do sono e do apetite e, também, sensação de cansaço e falta de concentração. É, no mínimo, curioso constatar  que hoje se vive uma busca incessante por felicidade ao mesmo tempo que a infelicidade atinge cada vez mais pessoas. Continuo aqui a discussão do post anterior.

A felicidade hoje em dia parece ser definida como quantidade de prazer, ou seja, quanto mais prazer se consegue ter, mais feliz se é. Mas, o prazer numa sociedade consumista como a nossa necessita de dinheiro para satisfazê-lo e, assim, quanto mais dinheiro, mais prazer e mais felicidade; resumindo: dinheiro igual a felicidade. Numa sociedade como a nossa a equação é normal, aliás, desconfio de que na maioria das sociedades ao longo da história, riqueza significou, na opinião comum, felicidade. O que acho que é característico da nossa sociedade e que está no centro da dicotomia entre felicidade e infelicidade é o fato de que as pessoas, no geral, estão muito carentes. Carência de carinho, carência de atenção, de amizade, de amor, de sexo, de religião, de coisas materiais, enfim, carência de sentido da vida. Como as carências mais profundas são cada vez mais difíceis de entender e de preencher dado o individualismo e o egocentrismo cada vez mais profundos, tenta-se, desesperadamente (se bem que na grande maioria das vezes, de forma inconsciente), suprir as carências com coisas. Eu sempre penso, neste caso, no exemplo do celular, pois cada dia o mercado lança um aparelho novo com novidades e design mais moderno, o que resulta num mecanismo psicológico de criação da necessidade do novo celular, mesmo que o que tenhamos tenha todos os mecanismo atuais. A novidade no mercado (de variados produtos) cria a carência daquilo e a sua correspondente necessidade e, sem se dar conta de tal mecanismo, colocamos a nossa felicidade na sua aquisição; é um roda sem fim...

Penso que boa parte da relação entre as pessoas também passa pelo mesmo mecanismo de preenchimento dos vazios das carências. Como a lógica social e econômica passa pela propriedade e posse de coisas, a relação entre as pessoas passa, também, pelo sentimento de posse, de propriedade do outro. Mas, da mesma forma que a propriedade das coisas acaba por não preencher as carências, pois a necessidade de mais coisas tem que ser sempre instigada, é ilusão de felicidade ter o domínio do outro. Penso sempre, neste caso, no ciúme, especialmente daquele mais neurótico; o ciumento se sente feliz por ter a pessoa amada, mas é um eterno sofredor, por desconfiar sempre que a outra pessoa o está traindo; o ciumento quer controlar a pessoas, especialmente por meio das chantagens emocionais, e isso desencadeia uma processo que é marcado mais pelo sofrimento do que pela felicidade, pois sofrer por fantasmas criados é mais cruel e mais profundo.

O que está na base de todo prazer/sofrimento tão característico de nossa sociedade é, na minha opinião, o sentimento absolutamente individual e individualista que vivemos hoje. Começa-se só e se termina só, mesmo que acompanhado. As coisas são volúveis, as relações são volúveis e o que sobra é a sensação profunda e dramática da solidão. A busca incessante, busca neurótica pelo outro, é uma busca desesperada por nós mesmos; como não nos encontramos no outro, perdemos a nós mesmos!!!! É claro que isso não se aplica a todas as pessoas, mas tenho convicção de que se trata de uma forte marca na atualidade. (pretendo continuar o assunto num próximo post)




domingo, 20 de outubro de 2013

Felicidade


Várias pessoas afirmam hoje em dia que uma das características da sociedade atual é a busca da felicidade, sendo que alguns dizem que, na verdade, hoje somos obrigados a ser felizes. Concordo com isso, mas me pergunto constantemente como e porquê isso acontece. É simplesmente uma marca do nosso tempo ou algo que vem constante e deliberadamente construído? Qual a extensão dessa busca, ou, como podemos perceber essa marca na sociedade? Qual(is) consequência(s) de tal busca?

Felicidade pode ser definida como um estado emocional e sentimental de prazer, de bem-estar, de gozo, que é individual. O estado feliz tem a ver, portanto, com um sentimento individual prazeroso, que pode ser tanto físico quanto espiritual. A felicidade parece ser, ainda, um estado de plenitude, que pode ser mais duradouro ou intensamente passageiro. O contrário disso tudo é dor, ausência, frustração, carência, tristeza, sofrimento. Portanto, é normal, absolutamente esperado que procuremos ser felizes e evitar a tristeza, que procuremos o prazer e evitemos o sofrimento.

Na nossa época, no entanto, a busca da felicidade parece que virou quase uma neurose, que envolve aproveitar intensamente cada momento de gozo, de prazer, mesmo que, depois se volte para um estado de tristeza profunda. O crescimento do consumo das drogas, especialmente o crack (mais barato e mais direto), está aí para dar um exemplo concreto e, é claro, dramático. Eu acho que está aí a grande síntese de nosso tempo: inúmeras oportunidades de momentos de prazer aliados a um constante efeito de sofrimentos. Parece que são dois lados da mesma moeda.

Mas, por hoje gostaria de indicar que a busca da felicidade como sentimento individual de prazer se estende por toda a sociedade, atingindo vários aspectos da vida. Destaco dois momentos, talvez distintos, que vêm da música: a, digamos, popular (sertanejo universitário, axé e funk), e a religiosa católica. Apesar de temas tão distintos, ambas músicas expressam, na minha opinião, a busca da felicidade, do prazer. Por um lado, nas músicas mais, digamos, mundanas, o que se encontra na letras é paixão, bebida, sexo, status, festa, mulheres, ou seja, temas que levam a uma identificação emocional, sentimental, individual. Nas músicas religiosas, há os temas como fé, emoção, devoção, religiosidade, mística,  também sentidos de forma individual que buscam um estado de prazer espiritual. Não é a toa que nós assistimos ao sucesso do sertanejo universitário e, também, assistimos ao sucesso dos padres cantores.

A busca da felicidade é individual. A emoção e os sentimentos são manifestações individuais, seja na relação com o outro ou com Deus. Somos impelidos para a felicidade hoje, porque somos impelidos ao individualismo cada vez mais exacerbado. O revés disso tudo é que a felicidade parece ser apenas um passo para a frustração. Assunto de nosso próximo post...


domingo, 6 de outubro de 2013

Raridade e preciosidade

Alguns anos atrás comprei um livro num sebo em São Paulo, Cartas de Abelardo e Heloisa. Com uma bela capa, parcialmente de tecido, o livro contém cartas trocadas entre o filósofo Pedro Abelardo, que viveu entre 1072 e 1142, e Heloísa de Argenteuil, que viveu entre 1090 e 1164. À parte toda a importância filosófica e teológica de Abelardo, os dois protagonizaram uma linda história de amor, tanto que estão enterrados lado a lado no cemitério Pére Lachaise, em Paris. Depois que tiveram o primeiro filho ele foi violentamente castrado tornando-se, em seguida, frade, e ela, depois, se tornou freira. Mas, apesar disso, continuaram se amando até a morte. Há um filme de 1988, Em nome de Deus, que retrata tal história de amor. Mas, o que eu queria apresentar aqui, na verdade, são dois escritos - uma dedicatória e um desabafo poético - que estão no livro por quem o comprou e/ou adquiriu depois. O primeiro é de 1944, escrito na ortografia da época, é simplesmente encantador. O segundo, escrito em 1964, revela uma alma arrependida. Ambos escritos combinam com o livro, aliás, o enriquecem, especialmente a mim, que tive a sorte de compra-lo e preservo como se fosse um pequeno tesouro. Apresento os dois escritos como estão no livro para que se possa tentar visualizar. Detalhe, o primeiro texto é de uma letra simplesmente primorosa.

     
 "Rio / 23 / XII / 44

   À meiga e encantadora Ruth,
formosa alma de artista e apri-
morada estheta, e cujos dotes espi-
rituais e physicos tão grande
encantamento determinaram em
mim, que a ella me sinto preso
como o ferro ao iman, offereço
esta lembrança, modesta no
que concerne a apparencia,
grandiosa porém no que de
humano encerra whenzwei
sich lieben: o sublime amôr
de duas almas de escól, cujos
corpos, mesmo inanimados conti-
nuaram unidos no mesmo ataú-
de por unica e especial concessão.
   É a historia de Abelardo, theólogo
e philosopho francez, que a sua
paixão por Heloisa e os seus infor-
tunios tornaram celebre.
   Com eterna amizade e profunda
admiração:
                 
Edward"


 "Rute.

Rendeira de ternura a
                    [lua cheia,
ùnicamente para o nosso
                              amor.
Tive receio de dizer-lhe
                             [tudo,
e busquei no silêncio o
                    [meu escudo.

São Paulo, 17-7-64

      Fernandes"

Não sei se é a mesma mulher, pois a grafia é diferente. Os autores dos escritos são outros. Tenho a impressão de que não sou o segundo dono do livro, devo ser ao menos o terceiro. Mas confesso aqui que gostaria muito de ter conhecido a Ruth, a outra Rute (se forem realmente pessoas diferentes), o Edward (especialmente ele, dono de tão belas palavras) e Fernandes. O livro é uma raridade, mas o que é mesmo raro se pensarmos em nossos dias são as poesias, cheias de beleza e sensibilidade, de Edward e Fernandes...


segunda-feira, 30 de setembro de 2013

O sonho da morte

(experimento literário baseado livremente em Stephen King)


- O que estou fazendo aqui? Onde estou indo? Por que estou dirigindo? 
Ele demorou um pouco para saber onde estava, mas acabou por se localizar. Estava em uma rua que conhecia bem. Mas não conseguiu se lembrar como foi parar ali. Ficou num misto de espanto e desespero, pois, realmente, não se lembrava de ter saído de casa, de ter pego o carro e, pior, nem fazia idéia para onde estava indo e o que iria fazer. Pelo menos, sabia onde estava e isso, de certa forma, o acalmou.
- Já ouvi, ou li em algum lugar, que isso pode acontecer às pessoas, pensava ele. Algumas pessoas, continuava pensando, têm um branco e esquecem a razão pela qual estavam em algum lugar. Pelo que me lembro, isso é passageiro. Vou tentar me manter calmo.
Reconheceu o lugar onde estava e se lembrou que fazia aquele caminho sempre que ia encontrar amigos num bar que ficava naquela região.
- É isso, concluiu. Vai ver que eu estava indo encontrar meus amigos no bar de sempre. Tem poucos carros na rua e hoje deve ser sábado, justamente o dia em que nos encontramos. Vou para lá.
No caminho para o bar se passava em frente ao cemitério e em frente do cemitério ficava uma dessas capelas mortuárias. Ao passar por ali, começou a perceber que havia grande movimentação na capela e, para espanto dele, as pessoas que ele viu eram todas conhecidas: amigos, parentes, colegas de trabalho, inclusive parentes distantes que ele há tempos não via.
- Meu Deus, será que morreu alguém conhecido?? É isso!! Alguém muito próximo a mim morreu e isto me causou um trauma, um tipo de bloqueio da realidade, por isso não consigo lembrar nada e por isso, também, eu estava perto do cemitério. 
Estacionou o carro e foi rápido para a capela para saber quem tão próximo estava sendo velado. Estava tão concentrado que nem deu bola para as pessoas que também lá estavam. Chegando ao caixão descobriu que, na verdade, era ele mesmo que estava sendo velado...
- O que? Eu morri? Eu estou morto? Como assim? Quando? Como isto aconteceu?
Em meio a tantas perguntas sem respostas, passou a notar as pessoas que lá estavam: amigos, parentes próximos, parentes distantes, colegas de trabalho, todos estavam lá para o seu velório. Foi então que percebeu que ninguém o notara ali, ninguém... somente ele sabia que estava vendo seu próprio velório.
- É um sonho. Só pode ser um daqueles sonhos tão realistas que acordamos, depois, perturbados. Já tivera vários desses sonhos e esse, com certeza (!) seria mais um... É só esperar, dizia consigo, pois quando lembrou de alguns sonhos perturbadores lembrou, também, que no pico da angústia, o sonho acabava. Mas, que estranho, dialogava consigo mesmo, esse sonho já era para ter terminado.
E o sonho não acabou. Não conseguiu acordar. Sonho ou realidade?? Morto, de fato, ou vivo, sonhando? O fato é que não acordou...


sábado, 14 de setembro de 2013

A menina que perdeu a voz

(microconto livremente inspirado em Nelson Rodrigues e em Saramandaia)


Ela sempre fora um menina tímida. Daquelas que, como dizem, entrava muda e saía calada dos lugares. Em casa passava mais tempo brincando com suas bonecas, com seus jogos, com seu computador e assistindo desenhos animados na televisão, do que conversando com seus pais. Quando recebia visita de seus tios ou de seus avós, ou ainda, dos amigos dos seus pais, ela conversava pouco, respondia às perguntas e logo voltava para sua rotina. Seus pais chegaram a se preocupar que ela fosse autista, mas os médicos concluíram que ela, na verdade, era somente tímida mesmo. 
Na escola não era diferente. Tinha poucos amigos, apenas duas colegas que faziam trabalhos em equipe e brincavam no recreio. Em sala de aula raramente fazia pergunta ou algum comentário sobre as matérias. Fazia leitura quando era-lhe solicitado pela professora, e lia muito bem, sem gaguejar e quase sem errar. Apesar (ou por causa) de sua timidez, ela era uma aluna acima da média, sempre tirando boas notas e nunca reprovando de ano. Tirando a quietude dela, com a qual sua família, seus colegas e suas professoras se acostumaram, ela era um menina perfeitamente normal.
Ela cresceu assim e os anos passaram-se assim... Quando tinha mais ou menos dezesseis anos ela entrou no mundo das redes sociais, aliás, ela se tornou uma fera em computador, entrando em vários sites e acessando vários tipos de programas. No facebook nem parecia a mesma pessoa tímida e quieta que era, acabou se tornando uma verdadeira facemaníaca. Tinha mais de dois mil amigos, com os quais, a maioria deles pelo menos, tinha uma vida virtual social super agitada. Vivia postando coisas interessantes, como fotos, reportagens, mensagens. Sempre comentava as postagens dos seus amigos, compartilhando muitas delas. Enfim, no face era uma pessoa supersociável, daquelas que acabaram por se tornar referência para muitos amigos. Certa vez resolveu criar um blog, que se tornou sucesso entre seus amigos. Postava pensamentos, tentativas de poesia, análises de acontecimentos locais e nacionais. Quem não a conhecia pessoalmente, o que era o caso da imensa maioria dos seus amigos no face, julgava que aquela menina era extremamente agitada, falante, cheia de amigos, popular, enfim, sociável.
Certa vez, quando já havia entrado na faculdade, ela passou três semanas em casa sozinha, período de férias escolares em que, coincidentemente, seus pais tiveram que viajar por algum problema de saúde de uma de suas avós. Ficou em casa todos os dias. Ficou o tempo todo no computador e, na maior parte do tempo, no facebook. Passou horas a fio conectada. No dia anterior da sua volta às aulas, que era o dia da chegada de seus pais, a menina acordou e não conseguia mais falar. Quando seus pais chegaram ela não conseguiu pronunciar nenhuma palavra; elas, as palavras, simplesmente não saíram de sua boca. Assustada ela e assustados os pais, foram ao médico e, para surpresa de todos, não havia explicação clínica para o fato. Nos dias seguintes fez vários exames e, para, agora, desespero de todos, nenhum indicou qualquer problema nas cordas vocais da menina. O tempo passou e ela continuou sem poder falar e, apesar das sessões de fonoaudiologia, de terapia e de outras tentativas, todos em casa passaram a conviver com aquele mistério.
Mas, o mais intrigante desse caso é que, a menina, depois do período de susto e desespero, passou a se sentir bem com o fato de não poder falar. Passou a se sentir mais livre, pois agora não precisava mais se esforçar, como fazia na grande maioria das vezes, para conversar com as pessoas. E, continuou a ser um celebridade na internet...


domingo, 8 de setembro de 2013

O líder e o chefe - parte 3 (última): nos relacionamentos pessoais


Estive ausente no meu blog por vários dias. O motivo foi que me dediquei a participar da criação o blog do LEIP (Laboratório de Estudos do Império Português), grupo de estudos e pesquisas que temos na UEM. Alias, aproveito para divulgar o endereço do blog: http://leip-uem.blogspot.com.br. Agora, retomo a reflexão que vinha fazendo acerca da diferença entre o líder e o chefe, pensando, por fim, nas relações pessoais.


Nos outros posts conclui que a principal diferença entre o modo chefe e o modo líder de ser na gestão e na sala de aula basicamente se refere à questão da liberdade e da autonomia. O líder procura criar um clima de liberdade e promover a autonomia daqueles que fazem parte de sua área de atuação; já o chefe cria ou instiga um ambiente de subordinação e quer que os outros lhe sejam subservientes. O líder tem desapego e o chefe tem medo de perder seu poder.

Penso que nas relações pessoais ocorre, metaforicamente, a mesma coisa. O amigo ou namorado do tipo chefe quase nunca permite que o outro tenha vida própria, tenha idéia próprias ou gosto próprio. Em nome do amor que é dedicado, este tipo não admite que o outro não lhe retribua o sentimento com a mesma intensidade. Também não admite que o outro possa ter amigos com os quais possa compartilhar a vida. O amigo/namorado chefe quer, no íntimo, que o outro passe a viver em sua função. O  sentimento característico nessa relação é o ciúme, capaz de, em certos casos, ser o motivador de uma dependência psíquica do outro, passando a se sentir como se seu dono fosse. O namorado/amigo chefe sempre acha que o outro pode traí-lo e, com isso, vive num clima de perene desconfiança e medo e, portanto, é um ser que sofre, especialmente com fantasmas criados em sua mente.

O amigo/namorado líder, por seu turno, procura se relacionar com o outro de forma igual, respeitando nele a sua personalidade, suas idéias e seus gostos. Este tipo preserva a individualidade do outro, assim como preza a sua própria, não cobrando do outro nada além do que o outro pode lhe dar. A confiança é inerente à relação para o tipo líder e, portanto, não há lugar para ciúmes doentios, pois a relação não consistirá em criar um laço de dependência recíproca. Este tipo de namorado/amigo não traveste como amor a necessidade de controlar o outro, pois amor é, fundamentalmente, liberdade. Amor, dedicação, carinho, afeto, para este tipo de relação são sentimentos que não devem gerar sofrimento e, portanto, o medo não existe e nem fantasmas são criados. A autonomia buscada na relação baseia-se na autonomia das individualidades, se os dois crescem juntos, a relação cresce igualmente.

Como eu acredito que o ser humano é social, apesar de ter certas características naturais da personalidade, o aprendizado é inerente ao seu desenvolvimento. Ser líder e deixar de ser chefe é difícil, é uma luta contra si mesmo; mas, se assim não fizermos, os outros serão, sempre, pretexto para a nosso eterno desejo de dominação...




domingo, 4 de agosto de 2013

O líder e o chefe - parte 2: na sala de aula

Dando continuidade ao assunto do post anterior, farei aqui uma reflexão utilizando as metáforas líder e chefe na sala de aula, especificamente com a figura do professor. Acho que podemos pensar no professor-chefe e no professor-líder. No entanto, é importante alertar que tais pensamentos de forma alguma abstraem as condições de trabalho do docente, especialmente daqueles que atuam na educação básica em nossa escolas públicas. Salários decentes, edifícios limpos e asseados, boas relações de trabalho tendem a melhorar a atuação do professor. No entanto, sob quaisquer condições, julgo que é possível falar em professor-chefe e professor-líder.

Sou daqueles professores que podem ser considerados (ou taxados de) antiquados. Eu sempre falo em sala de aula que minha "cabeça" é uma mistura de Aristóteles, Tomás de Aquino, Descartes, Marx, Freud e Sartre, dentre outros, ou seja, uma miscelânea, mas, admito, uma mistura de alto estilo (kkk). Sempre digo, também, que, por consequência, minha atuação docente tem um fundamento escolástico muito forte, pois ainda acredito que cabe ao professor ensinar um determinado conteúdo que seja formativo para os seus alunos, e ensinar da melhor forma possível. Escrevo aqui pensando na relação ensino-aprendizagem que se estabelece no ensino presencial, pois na modalidade a distância outros atores são envolvidos. Bem, quanto às metáforas, eu acredito que dos vários tipos de professores dois se destacam com relação à sua autoridade em sala de aula. Vamos a eles...

O professor-chefe é aquele que é muito zeloso de sua autoridade; aquele não admite questionamentos por parte dos alunos; considera os alunos geralmente irresponsáveis e relapsos; controla demasiadamente as atitudes dos alunos; chega a ser desrespeitoso com os alunos com atitudes de imposição de sua autoridade. Enfim, para o professor-chefe os alunos chegam a representar uma espécie de perigo para sua autoridade, por isso, o diálogo e as discussões abertas são desestimulados em sala de aula. O professor-chefe, quando orientador, tende a tratar os seus orientandos como discípulos que, de maneira alguma, poderão obter plena autonomia; nessa situação é como a galinha que gosta de ter os pintinhos sempre sob suas asas.

O professor-líder, por sua vez, adquire uma auto-confiança e uma auto-estima em seu trabalho que não usa da sua autoridade em sala de aula para adquirir respeito dos seus alunos. Ele estimula sempre o diálogo e não teme questionamentos e críticas de sua atuação docente; não teme ser avaliado pelos alunos, porque os considera capazes de o fazer e procura melhorar sua atuação com os seus resultados. Ele procura criar um clima amistoso (no que depende dele, é claro) de respeito mútuo em sala de aula, pois considera tal clima fundamental para que a relação ensino-aprendizagem aconteça da melhor forma possível. O professor-líder, quando orientador, procura estimular a autonomia dos seus orientandos, não os tratando como discípulos, mas como alunos em formação, os quais podem buscar outros professores e outras teorias que com eles contribuam. A melhor coisa para esse tipo de professor é ver seus alunos e orientandos ganhando asas próprias e alçarem altos vôos.

Ser professor, como já expressei aqui no blog, não é questão de vocação, mas sim, de profissão. Como em qualquer outra em que se lida com a formação de pessoas, o professor tem uma responsabilidade muito grande, mas não somente com o conteúdo em si, mas com a formação humana em geral. Nesse sentido, ser exemplo de um profissional dedicado e respeitoso já é positivamente formativo. E, para finalizar, lembro de uma coisa que uma amiga me falou um dia: assim como há pais que subestimam a inteligência dos filhos, existem professores que subestimam a perspicácia dos alunos. Sejamos de um ou de outro tipo (ou de algum outro ainda: relapso; desleixado; autoritário etc.) é bom não esquecermos que os nossos alunos nos avaliam constantemente e nos levam para vida, como bons ou maus exemplos.


quinta-feira, 18 de julho de 2013

O líder e o chefe - parte 1: na gestão

Conversando esses dias com uma amiga sobre um amigo em comum ela me falou das diferenças entre o líder e o chefe e que tal se tratava de algo presente em teorias de administração. O tema me atraiu e me fez refletir por alguns dias e, mesmo não consultando as autoridades sobre a teoria, me atrevo a expressar alguns pensamentos sobre o assunto, muito como resultado de minha experiência como gestor e da observação de outras experiências.

Para começar, uma  definição e a consequente distinção. A autoridade do líder é reconhecida e não imposta; o líder trabalha e estimula o trabalho em equipe, atribuindo responsabilidades e delegando funções; ele ouve com atenção os outros, especialmente sua equipe; estabelece uma relação burocrática impessoal; e, especialmente, não tem ciúmes dos seus subordinados, não os vendo como competidores em potencial. O chefe, ao contrário, impõe sua autoridade, sempre que se vê ameaçado; tem dificuldade de trabalhar em equipe, pois desconfia da sua competência; dificilmente atribui responsabilidades e quase nunca delega funções, com medo de que as pessoas tenham um desempenho tão bom que tomem o seu lugar; o chefe é centralizador e, por consequência, pessoaliza as relações, estimulando e cobrando futuras faturas da política do balcão.

As duas espécies de comando se encontram tanto na iniciativa privada como, especialmente, nas instituições públicas. O comando feito por um líder, com ou sem carisma (se bem que geralmente o líder é uma pessoa carismática), acaba parecendo mais natural, sendo que as pessoas no geral o respeitam. O comando do chefe soa mais artificial, pois é imposto e, portanto, os subordinados mais o temem do que o respeitam. O chefe dificilmente reconhece o trabalho de seus subordinados e, quando isso acontece, é porque a tarefa feita apenas reforça a sua imagem. Aliás, a preservação da imagem é uma preocupação constante do chefe, sendo que nada pode arranhá-la, tanto a imagem pessoal, como a da própria chefia em si, pois a imagem é tão importante quanto a função. Já o líder não se preocupa tanto com a imagem pessoal, pois o que importa é se o trabalho está sendo bem realizado; mais do que os meios, os fins da sua função são preocupação constante do líder.

É claro que a autoridade nem sempre é pura, ou seja, as pessoas podem mesclar um pouco de chefia e um pouco de liderança. É claro, também, que o desejoso, pelo menos para mim, é que tivéssemos comandos de líderes e não de chefes. É claro, também, que a gestão de um líder pode resultar em fracasso e a gestão de um chefe em sucesso. Mas, se considerarmos, também, que toda forma de autoridade revela uma forma educativa, o tipo líder é muito mais proveitoso para todos. Uma forma simples, penso, de verificar qual tipo de comando temos é verificar se o gestor é ou não democrático; se o for, um líder se revela, caso contrário, é um chefe, o qual tem que impor sua autoridade.

É preciso reconhecer, no entanto, que geralmente é difícil encontrar na realidade os tipos teoricamente definidos, pois a realidade sempre é mais imperfeita. Mas é um exercício no mínimo curioso a gente perceber que tipo de comando exercemos e, especialmente, de que tipo gostamos mais, pois não será surpresa nos percebermos gostando justamente do tipo chefe. Finalmente, há, também, aqueles gestores que não são líderes e nem conseguem ser chefes... esses são os piores!!!!


sábado, 6 de julho de 2013

Reforma Política - boa, mas tímida


Tenho uma convicção, que acabou se tornando uma espécie de pessimismo crônico pessoal,  de que não deveria ser necessário um plebiscito para promover uma reforma política no Brasil. Gosto e confio na presidenta Dilma, votei e provavelmente votarei nela novamente, mas confesso que esperei, com muita ansiedade que, logo após 2002, haveria um clima para se mudar algumas coisas que favorecem o coronelismo e o currarialismo políticos que continuam se modernizar em terras tupiniquins. Acalentei a esperança de que haveria, especialmente no âmbito legislativo, uma necessária reforma republicana no Brasil. Mas as mudanças não vieram por decorrência de uma vontade e de uma articulação políticas... que venham, agora, como resultado da pressão popular.

No entanto, apesar de concordar com os cinco pontos propostos da reforma política, acho que ela é muito tímida, não tocando em alguns aspectos que dizem respeito ao que considero privilégios que os políticos desfrutam em contraste com a realidade brasileira. Os pontos que serão, se tudo der certo, objeto de plebiscito para valer já para as próximas eleições, são: sistema eleitoral, financiamento público de campanha, suplência de senador, coligação partidária e o voto secreto no parlamento. Os pontos que faltam, na minha opinião, são: fim da re-eleição para todos os cargos, com mandato de seis anos; fim da aposentadoria especial para o legislativo, executivo e tribunais especiais; fim da obrigatoriedade do voto.

Com o mandato de seis anos para todos os cargos, tanto no executivo como no legislativo, o que já está sendo ventilado no Congresso Nacional, a consequência lógica é impedir a re-eleição para todos os cargos. No caso do Legislativo chega a ser vergonhoso o fato de que políticos estão no seu terceiro, quarto, quinto ou mais mandatos seguidos, havendo uma espécie de "feudalização" dos cargos de deputado e senador. Ser político não deveria ser profissão, pois desta forma há um apego exagerado com aquilo que, por definição, deveria ser um serviço à comunidade.

É vergonhoso, na minha opinião, que deputados, senadores e conselheiros de tribunais de contas possam se apontar tendo contribuído com seus respectivos fundos de pensão por seis, dez, quinze anos apenas. Os próprios fundos de pensão são pagos pelo povo, por nós, à medida em pagamos os gordos salários que os políticos em cargos desses níveis recebem. Os fundos de pensão deveriam ser apenas para funcionários concursados do Congresso Nacional, assembléias legislativas e tribunais de contas. Os políticos, se quiserem, podem pagar previdências privadas, cujas contribuições certamente não afetarão muito a totalidade de seus ganhos. Os funcionários que não são concursados devem se enquadrar na previdência oficial brasileira.

Em uma democracia madura, em que os cidadãos não são tutelados como se crianças fossem, como é o caso dos Estados Unidos, a liberdade de voto é uma realidade. Um voto que não é obrigatório tende a ser mais consciente, e aqueles que optarem por não exercerem seu direito saberão que estão delegando para os outros a eleição dos representantes de todos os cidadãos. Fico imaginando quantos currais eleitorais deixariam de existir simplesmente pelo fato de que as pessoas não seriam obrigadas a exercer um direito.

A reforma política e bem-vinda, mas continuo com a convicção (pessimista) de que ela não tocará em assuntos fundamentais. Pois, além do que defendi aqui, ainda teriam que ser derrubados certos privilégios como passagens, mordomos, combustível, motorista, telefone... indiscriminados e sem limites... Mas, como não se paga para sonhar, ainda anseio por uma reforma que seja, verdadeiramente, republicana!!



domingo, 23 de junho de 2013

Manifestações e protestos



É praticamente impossível ficar alheio ao que está acontecendo no Brasil neste momento. As manifestações e protestos que se espalharam por todo o território nacional mexem com muita gente, bastando, para comprovar isso, acompanhar os jornais impressos e televisivos e as postagens no facebook. Faço, aqui, rápidos apontamentos do que penso como sendo o cerne deste momento especial.

Primeiro, se trata, obviamente, de um movimento de massa, que vem crescendo de forma que nem os mais entusiastas desse tipo de organização poderiam prever num primeiro momento. E isto é bom!! Ver as pessoas se reunindo e mostrando a insatisfação com os governos, com os políticos e as com as políticas públicas (ou ausência delas) é, na minha opinião, sempre saudável. Um país em que sua população fica isenta ao que acontece em termos de saúde, educação, corrupção etc., é um país condenado a perpetuar o que há de mais sórdido na política: a perpetuação de pessoas e atitudes paroquiais, patrimonialistas, currarialistas e coronelistas. Quando a população se mexe e se mostra, os políticos devem se movimentar também...

Segundo, todo movimento social é político e, por consequência prática, é partidário, pois votamos em pessoas que fazem parte de partidos políticos. Por isso, é muito bonito, mas profundamente ingênuo acreditar que o atual movimento é sem causa concreta aparente e que está despido de motivações políticas. A própria hostilização aos partidos vista nas manifestações já é, em si, um ato político e, repetindo, partidário, pois quando se impede alguns partidos de participar, inconscientemente (se bem que acho que é, na verdade, deliberadamente) se dá valor a outros.

Terceiro, estas manifestações já têm e terão repercussões práticas, como, aliás, deveria ser esperado, até porque, se assim não fosse, o movimento pereceria em sua origem. O problema, acho, é justamente aqui, pois o movimento, que tem vários alvos, vários inimigos, pode, por um motivo de unidade interna, escolher um para marcar, decisivamente, a sua posição. Por isso que postei, recentemente, no meu face que os partidos mais à direita das práticas políticas, como PSDB e DEMOCRATAS, podem incorporar as insatisfações e canalizar para o governo federal,  ou seja, o PT, a responsabilidade maior dos problemas. Ainda mais que uma das bandeiras está sendo os gastos com a copa do mundo no Brasil. Ou, ainda, o movimento pode dar vazão ao surgimento de um líder carismático, sem vínculos políticos anteriores e que pode se tornar o salvador da pátria.

Quarto, é lamentável a gente verificar, na prática, que tem pessoas que se aproveitam das manifestações para dar vazão a um tipo de violência que não cabe na lógica do movimento. E mais, é vexatório para nós brasileiros vermos que há pessoas que se aproveitam do tumulto natural das manifestações para arrombar lojas e roubar (pois é isto mesmo o que fazem...) produtos e depredar patrimônio público e privado. É de se perguntar se temos, no Brasil, maturidade social para sermos diferentes do que somos...

Finalmente, acho que é necessário apontar que o movimento já virou uma onda. E, tal como o filme "A Onda", em que um professor faz uma experiência com os alunos de uma escola americana criando factóides para justificar uma ideologia eugenista, recriando o clima que justificou o nascimento do nazismo, é possível, sim, verificarmos atitudes irracionais, destemperadas e, obviamente, prematuras, que passam a demonizar o(s) inimigo(s). Um dos fundamentos do fascismo é o sentimento de nacionalismo exacerbado aliado a um movimento de massa que passa a seguir líderes que, a princípio, se autoproclamam apolíticos. O facebook tem uma espécie de ética, ou seja, concepções que definem as pessoas como sendo boas, politicamente corretas e críticas: uma armadilha projetada em que muita gente cai ingenuamente, transformando-se em massa manipulável.

Estamos diante de um movimento e, por isso mesmo, se trata de algo que ainda não está completamente definido. Algumas pistas podem apontar, pragmaticamente, para uma atitude conservadora. No entanto, como já publiquei no face, é momento muito mais de observar as coisas do que julgar...


sábado, 15 de junho de 2013

Sofia

rima com alegria
rima com simpatia
rima com teimosia
rima com desafia
rima com fantasia
rima com sabedoria
rima com philia

Mais do que gramática correta,
Sofia rima, também
com presença
com afeto
com bom-humor
com enfrentamento
com opinião
com sinceridade
com plenitude
com saudade
com bagunça
com manha
com reciprocidade
com amor, com muito amor...

Sofia
rima com o que rima com outras crianças
mas ela rima mesmo é com especial
porque mais do que as outras
ela é especial
pelo simples fato
de ser minha filha!!


domingo, 2 de junho de 2013

O(a) outro(a) perfeito(a)

Recentemente assisti ao interessante filme Minha namorada perfeita, uma espécie de comédia romântica, sobre um jovem escritor que quando escrevia seu segundo livro, imaginou uma garota perfeita que passou da sua ficção para a sua realidade e, com isso, ela acabou se tornando a sua namorada igualmente perfeita. No entanto, a perfeição, que era ditada (datilografada, na verdade) por ele acabou, com o tempo, trazendo tristeza e angústia. Sem querer tirar a graça de quem for assistir ao filme contando seu final, quero aqui pensar sobre a figura do outro ideal, pois penso que foi este o objetivo do filme. O filme é uma metáfora, trabalhada de forma muito contundente e sensível.

Acho que estamos sempre em busca do outro ideal para nossa convivência. E eu não falo somente do namorado ou da namorada, mas, do pai perfeito, da mãe perfeita, do professor perfeito, do amigo perfeito. Penso que a perfeição que buscamos significa algo que somente nos traga felicidade, bem-estar, atenção, carinho, amor e outras coisas boas e prazerosas. No entanto, será possível existir uma relação em que não haja tristeza, decepção, frustração, negação, limitações e outras sensações nada boas e nada prazerosas? Penso, também, que é até senso comum acharmos que qualquer relação tem seus altos e baixos, mas, o que quero discutir aqui é que me parece que cada vez mais as pessoas estão em busca do outro perfeito, não conseguindo tratar direito com o imperfeito.

Primeiro, o outro perfeito é o outro idealizado, é aquele que está para nos servir. No geral, isso começa na infância, quando se tem uma (des)educação familiar em que os pais ficam apenas satisfazendo os desejos (birras) dos filhos, se esquivando da tarefa dura que é negociar, dizer não, enfrentar as manhas dos filhos, os pais acabam sendo, para a criança, os pais perfeitos, pois são aqueles que apenas lhes proporcionam o que dá prazer. Daí em diante, os professores perfeitos são aqueles que só dão boas notas e que não contrariam os alunos. Os amigos perfeitos são aqueles que devem emprestar os ouvidos sempre que necessário, que somente devem fazer  elogios, que se diminuem sempre que for conveniente ao outro e que nunca contrariam. O namorado perfeito é aquele que se torna projeção dos desejos do outro, aquele que deve estar sempre pronto para atender os desejos do outro, é aquele que se anula para que o outro possa se impor, aquele que deve sempre entender as crises do outro. O(a) perfeito(a) será, enfim, quem fizer de sua vida uma contínua dedicação à vida do outro, aniquilando sua individualidade e sua liberdade. O perfeito sempre é perfeito para uma das partes somente...

Por tudo isso que se entende porque hoje em dia as pessoas preferem criar seus lindos cachorrinhos, pois eles sim são pares perfeitos, pois é só dar comida e um pouco de atenção e carinho, eles retribuem sempre do mesmo modo. Amor perfeito acontece com os animais pelo simples motivo que eles não são humanos, com os quais, por sua vez, além de ser difícil encontrar o outro perfeito, quando isso acontece, um dos dois sofre simbolicamente uma morte contínua. Termino com uma frase de um outro filme que acho que cabe aqui também: "os iguais se atraem para, em seguida, se anularem". É isso!!!


quarta-feira, 22 de maio de 2013

Outra lição indiana

Do mesmo livro do post passado:

Certa vez um rei teve um sonho muito perturbador. Todos os que tentaram, do reino e de fora, decifrar o sonho não conseguiam satisfazer o rei, que, assim, ofereceu uma rica recompensa para aquele que conseguisse. Um aldeão simples, súdito daquele rei, encostado em uma árvore numa pequena floresta, sonhando com a riqueza prometida pelo rei, ouviu um pássaro que disse a ele: "se quiser que eu decifre o sonho do rei você deve dividir a riqueza comigo". Decifrado o sonho, o camponês foi correndo para o palácio, pediu para falar com o rei e revelou o significado do sonho. O rei julgou adequado e deu a recompensa ao que ele passou a considerar um sábio-advinho. Voltando para sua casa, o matuto ficou fazendo planos de como usar a riqueza que agora possuía, mas lembrou da promessa que havia feito ao verdadeiro decifrador, o pássaro, e ficou indignado de ter que dividir seu ouro. Decidiu não cumprir o prometido e não foi atrás da ave. Ficou rico, construiu uma grande e pomposa casa, contratou criados e se casou com uma bela e esbanjosa jovem. Depois de um tempo, gastando muito mais do que ganhava, começou a empobrecer novamente, sendo quase abandonado pela sua esposa. Um dia emissários do rei foram buscá-lo pois o soberano havia tido um outro sonho enigmático. Ele, desesperado, sem conseguir decifrar o novo sonho, depois de dias e sem saber o que fazer, foi procurar novamente o pássaro, recolhendo sua vergonha. Novamente a pequena ave disse a mesma coisa, que se interpretasse o sonho o rapaz teria que dividir a fortuna. Novamente o rapaz concordou e foi correndo ao rei para comunicar o significado do sonho. O rei, como da outra vez, concordou com o rapaz e deu a ele uma recompensa ainda maior, aumentando a fama de sábio que ele já tinha. Voltando para casa, fazendo planos de recuperar e aumentar suas posses, novamente ficou indignado de ter que dividir com o pássaro tamanha riqueza; mas desta vez ele resolveu que iria matar o bichinho e, indo para a floresta, quando o avistou jogou várias pedras nele, errando, para sorte do pássaro, todas as tentativas. Voltou para casa, aumentou sua já enorme casa, contratou mais serviçais, deu mais jóias para a mulher, que, com isso, continuou ao seu lado. Certo dia um comitiva real foi procurá-lo para que novamente decifrasse um outro sonho misterioso. Como da vez anterior, ficou aflito, pois ele, definitivamente, não sabia nada da arte de interpretar os sonhos. Mais aflito ainda ficou ao saber que o rei havia dito que se não soubesse o significado do sonho, teria sua cabeça cortada. Desesperado e extremamente envergonhado foi, como último recurso, a procura do pássaro advinhador. Novamente o bichinho de penas e asas disse que ele deveria dividir a recompensa. O pobre camponês milionário foi ao rei e, de novo, o soberano concordou com o significado e, de novo, deu uma recompensa ainda maior para o maior sábio-advinho que ele conhecia. Desta vez, o rapaz foi até a floresta e levou a arca de ouro para o pássaro. A avezinha disse para ele que não queria aquela riqueza, pois dela não precisava para viver. E disse mais, "você é uma pessoa comum, igual a todos, você é levado pela massa sem refletir e sem se destacar, você se deixa influenciar pelo sentimento da onda, você faz, simplesmente, o que os outros fazem". E continuou: "como sei disso? Ora, o primeiro sonho revelava que havia uma atmosfera de falsidade e deslealdade no reino, e você tentou me enganar; o segundo sonho revelava que havia violência e traição, e você foi violento comigo. No terceiro, que mostrou que agora existe um clima de justiça e lealdade no reino, você veio me pagar". E arrematando, falou o pássaro: "Dali em diante, não esperei nada diferente do que aconteceu, pois raras são as criaturas que permanecem imunes ao pensamento comum e dominante. Mas, de qualquer forma, fico feliz com o desfecho de tudo".

Acho que a fábula é praticamente auto-explicativa. Por isso, o que resta é nos perguntar: e nós, como somos? Somos rasos de alma e de consciência e seguimos a moda, só porque todos acham bonito e prazeroso alguma onda, ou conseguimos nos destacar na multidão, procurando uma autonomia de alma e de consciência?? Difícil? Claro!! Impossível?? Nunca!! Como perceber? Olhando para dentro de nós...


domingo, 19 de maio de 2013

Lição indiana


Estou lendo um livrinho sobre a Mitologia Indiana, de uma coleção de outras mitologias, tema pelo qual, como alguns sabem, sou apaixonado. Há uma parte no livro em que são relatadas algumas lendas, geralmente lições com fundo moral em que estão presentes sábios hindus. Dentre as várias histórias interessantes, uma me chamou muito a atenção, a qual passo a relatar de forma resumida.


Dois jovens amigos moravam em duas cidades, separadas por um rio muito largo. Um dia eles se encontraram no meio do rio cada um em uma canoa. Um deles convidou outro para uma festa na casa de um rico senhor, em que haveria dança, teatro, dançarinas, cortesãs e muita comida e bebida, uma festa, digamos, mundana. O outro, coincidentemente, convidou o amigo para outra festa, essa numa igreja, em que haveria a fala de um famoso sábio, corais de fora, orações e celebrações. Nenhum dos dois aceitou o convite do outro porque já estavam comprometidos com suas festas. Ao amanhecer o dia os dois novamente se encontraram no meio do rio voltando de suas respectivas festas quando um tempestade se formou e afundou os dois barcos ocasionando a morte dos dois amigos. Quando estavam esperando o destino final de suas almas, os anjos do céu vieram buscar o que foi para a festa mundana e os anjos do inferno vieram buscar o outro. Depois do espanto inicial e dos dois tentarem argumentar que os anjos estavam errados, um dos anjos explicou que aquele que foi para a festa na igreja ficou com o coração na festa em que o outro amigo estava, desejoso de estar curtindo tudo o que o amigo havia relatado que haveria; por outro lado, o outro amigo, apesar de estar numa festa cheia de prazeres carnais, queria estar na festa do amigo. Ou seja, eles estavam, na sua essência, onde o coração queria estar, e a justiça divina se fez.

Penso que esta história pode ser aplicada em várias situações de nossa vida. A primeira é que nem sempre, ou na maioria das vezes, conhecemos o próprio coração, nem sempre nos conhecemos o suficiente para separar o que aparentamos ser do que realmente somos. Segundo, não adianta representarmos papeis, praticarmos caridade, nos considerarmos religiosos, se o nosso pensamento e nosso desejo estão em outros lugares. Terceiro, estamos, na essência, onde nossos desejos estão e não, necessariamente, onde nos encontramos fisicamente, por mais que tentemos nos enganar juntando vários argumentos para justificar que o lugar físico (ou sentimental) é o lugar do coração. A quarta situação é aquela em que somos flagrados em nossa hipocrisia, ou seja, nos fazemos de amigos, de críticos, de sensíveis às demandas da atualidade, mas somos egoístas, insensíveis e queremos dominar o outro para colocá-lo a nosso serviço. Por fim, podemos pensar, também, nas situações em que aquilo que gostamos ou somos levados a curtir, na verdade são produzidos fora de nós, são incutidos em nossos comportamentos e, sem nenhum senso crítico, passamos a reproduzir.

Para além da moral francamente religiosa que a história indiana tem, penso que ela pode nos ensinar a trilharmos o difícil caminho de entender a nós mesmos e, fazendo um link com o mundo grego (do qual a mitologia é igualmente apaixonante), resgatarmos o ideal socrático do conhecer-se a si próprio!!!


domingo, 5 de maio de 2013

Academia



NO PAIN, NO GAIN! Isto estava escrito num cartaz na academia que estou frequentando. É isso mesmo!! Para quem me conhece um pouco sabe a aversão que eu nutria por este espaço para malhação, mas, com o peso aumentando acima do esperado, tomei tal decisão radical e agora sou um daqueles que passa uma hora por dia em esteiras, bicicletas e aparelhos de musculação. E o pior, estou tomando gosto pela coisa...


Mas, como não poderia ser diferente, uso o espaço da academia não apenas para os exercícios, mas, também, para observar o comportamento das pessoas que a frequentam, sejam os professores sejam os alunos. A primeira impressão quando cheguei na academia pela primeira vez, com meu corpinho, digamos, diferente da grande maioria daquelas pessoas, é que somente eu estava iniciando a academia e que todos sabiam disso, ou seja, parecia que todos estavam observando o gordinho se ralando ali. E mais, a segunda impressão é que iria rolar uma aposta para ver quantos dias eu iria aguentar tal desafio. Ou seja, me senti um verdadeiro out-sider na academia. Depois de alguns dias passei a perceber que as impressões iniciais tinham um "q" de narcisismo, pois, na verdade, cada um está ali para fazer os seus exercícios, pouco se lixando com os outros. É impressionante como as pessoas, no geral,  não se cumprimentam, não falam bom dia etc. para os outros, mesmo para aqueles que frequentam o mesmo espaço há algum tempo. Esta foi minha terceira impressão, e é a que tenho até agora, pelo menos até que eu chegue a uma conclusão diferente.

Existem vários tipos de pessoas na academia: os iniciantes, que fazem de tudo para não parecer que o são (assim como eu...); aqueles que já estão adaptados; e aqueles que já são "bombados", e isso é percebido pela variedade dos aparelhos que são usados e pelo peso que são carregados, puxados, levantados. Os professores, como deveria ser mesmo, são exemplos de corpos bem definidos e, alguns pelo menos, acabam exibindo seus dotes físicos. Há outra possibilidade de diferenciar os frequentadores da academia: aqueles que ficam meio que escondidos, não querendo chamar a atenção, seja por vergonha ou por jeitão mesmo; aqueles que ficam "puxando" muito peso, mas que fazem isso sem chamar muita atenção para si; e aqueles que fazem questão de que os outros percebam a sua dura malhação e o seu corpo bem definido. Na verdade, a academia parece um desfile de egos, e os corpos definidos dos professores e dos alunos mais antigos e "aplicados" acabam por ser o objetivo dos outros.

É muito interessante como a lógica do corpo bem feito, bem torneado, sarado, parece que acaba sendo incorporado pelos frequentadores da academia. Há uma competição, muito velada, para ver quem chega primeiro ao objetivo. Há, nisso tudo, uma espécie de neurose coletiva que transparece nos rostos suados e cheios de caretas quando se está levantando peso. A neurose fica clara, ainda mais, quando o rosto, depois de mostrar tanto sofrimento, exibe um sorriso (quase sempre disfarçado) de satisfação. Afinal, no pain no gain!! (sem dor não há ganho!!). De minha parte, quero, sim, perder peso e adquirir uma vida mais saudável, mas procuro desde já me vacinar contra a neurose do belo corpo, pois nem imagino perder totalmente a barriga que custei mais de vinte anos para conquistar!!!


domingo, 14 de abril de 2013

Novelas


As primeiras novelas que lembro ter assistido a alguns capítulos foram Irmãos Coragem, em 1971, e Selva de Pedra, em 1972.  Depois vieram O Bem-Amado (1973), Pecado Capital (1975), Saramandaia e Estúpido Cupido (1976), Dancin' Days (1978), Água Viva (1980),  Roque Santeiro (1985), Brega & Chique (1987), Vale Tudo (1988), Que Rei Sou Eu (1989), O Dono do Mundo (1991), Pedra sobre Pedra (1992), Renascer (1993), O Rei do Gado (1996),  O Cravo e a Rosa (2000), Chocolate com Pimenta (2003), A Favorita (2008), Fina Estampa (2011) e Avenida Brasil (2012), apenas para citar algumas das muito mais novelas que acompanhei. Sim, gosto, e muito, de novelas!!

Às vezes me pergunto as razões pelas quais acompanho as novelas, já que desde jovem passei a adquirir (acho) um senso crítico da realidade e prestar atenção às ideologias que estão a nossa volta. A TV, como sabemos, é um dos principais veículos da ideologia burguesa consumista, além de propagandear os interesses daqueles que detêm o capital. No entanto, apesar de continuar me achando crítico, continuei com meu entretenimento sem, inclusive, ter peso na consciência... Bem, eu nasci em 1966 e a TV nasceu no Brasil em 1950, sendo que em 1972 ela se popularizou definitivamente quando passou a transmitir os programas em cores. A minha geração, portanto, foi a primeira que cresceu com a televisão, assim como as atuais gerações cresceram com o computador. E, com isso, aquele aparelho televisivo fez parte da minha formação, especialmente no que diz respeito a um dos momentos de puro divertimento (um dos muitos, diga-se de passagem). Da mesma forma que assistia às novelas, eu acompanhei todos os desenhos e os seriados, especialmente os de ficção científica.

No entanto, meu gosto pelas novelas não passa somente pelo divertimento, pois aprendi vê-las, também, como produtos da sociedade que a expressam de forma muito particular. Desde muito tempo eu defendo a idéia (como já escrevi aqui no blog, no post "Gibis, Televisão, Infância e Violência?") que a televisão, como mercadoria que é, não pode correr o risco de colocar no mercado um produto novo sem ter sido testado na sociedade e, portanto, mais do que veicular coisas novas e maléficas para a família brasileira, ela só faz ampliar para o grande público, aquilo que já está sendo praticado no social. Se uma novela passar a veicular, por exemplo, a defesa do aborto, ela só o fará porque setores importantes da sociedade também estão fazendo, ou seja, o papel que muitos imputam à TV de ser vanguarda em termos de comportamento é um grande mito, pois, na minha visão, de vanguarda ela não tem nada, justamente porque ela custa muito para se perder dinheiro com algo que pode não dar certo. A sociedade, ou mais precisamente setores e movimentos sociais é que são vanguarda...

A novela é um retrato da sociedade. Os enredos, cômicos ou dramáticos, mostram a sociedade e, quanto melhor o fizerem, melhores são as novelas. Mesmo aquelas que desenvolvem quase que uma ficção, como Fera Ferida (1994), a história é feita de relações humanas que se estabelecem, se rompem, se unem, se vingam, se divertem, se decidem, se vivem e se morrem. As virtudes e os vícios que são mostrados, geralmente de forma potencializada e radical, são os mesmos da sociedade. E, como dizem respeito à nós mesmos, ficamos torcendo para que, pelo menos no mundo da ficção televisiva, os mocinhos se dêem bem e os malvados se dêem mal. São poucas as novelas, como Vale Tudo, que teve um final inesperado, aonde parte dos malvados se deram bem. Quando se segue o esperado, o final é uma espécie de catarse para os tele-espectadores; afinal, queríamos ou não que a Carminha (Avenida Brasil) pagasse pelas suas maldades?

Como retratos da sociedade, as novelas acabaram se tornando para mim um manancial de exemplos para minhas aulas e para minha vida. E, no caso das novelas da Globo, são produções muito bem feitas, com ótimos autores, atores, diretores etc. Inúmeras cenas e personagens, com os quais eu acabei convivendo por um tempo, me ajudam a entender e a refletir sobre a sociedade. De resto, para não cair no engodo de que as coisas na vida se resolvem como nas novelas, fico pensando quantas figuras poderosas hoje em dia que continuam dando uma "banana"* para o Brasil!!

(*) Para quem não lembra, numa das cenas finais de Vale Tudo o personagem de Reginaldo Faria (Marco Aurélio), um dos malvados da história, dá uma "banana" (um gesto com o braço que representa algo como "vá se danar") para o Brasil a bordo do seu jatinho quando fugia para o exterior.


domingo, 7 de abril de 2013

padronização, mesmice e massificação



Recentemente resolvi assumir definitivamente minha parte no conflito de gerações. Fui a uma formatura  e não consegui passar da sexta música que a banda estava tocando. Apesar do ótimo jantar, da companhia agradável, das pessoas bonitas e elegantes, especialmente as formandas, quando o "baile" de fato começou a realidade me chocou como uma pedra na testa, pois, me desculpe quem gosta, mas esta onda do sertanejo universitário é difícil de suportar. A mesmice das letras é de uma pobreza poética chocante. Mas, como tenho a mania de ficar pensando a respeito das coisas da atualidade e me perguntar a razão delas, me ocorreu que uma das mudanças ocorridas nas festas em geral de hoje em dia em relação a um passado recente, é a padronização das músicas.

Como eu acho muito chato falar coisas como "no meu tempo as coisas eram assim" e "antigamente era assim", vou usar aqui uma espécie de eufemismo: há pouco tempo, quando da minha juventude, haviam três tipos de festas com músicas diferentes, as quais marcavam a distinção das festas: o carnaval, os bailes de formatura e as baladas em geral. No carnaval o que era característico eram as marchinhas e os sambas-enredo, em cujos bailes o que predominava era dançar solto e "pular" o carnaval; nos bailes de formatura havia uma mistura de ritmos, mas havia espaço para samba e para bolero, ritmos em que o casal dança junto; nas baladas, mais recentemente, se escutava e se dançava axé, sertanejo, música gaúcha, rock etc. Ultimamente, o que se observa é que independente do tipo do baile, são as mesmas músicas que predominam: o sertanejo universitário, o axé e o funk. 

Fico me perguntando quais as razões de tal padronização musical? Por que há uma mesmice nos momentos de festa da moçada hoje em dia? O que significa tal massificação de tão poucos estilos (?) musicais, especialmente do sertanejo universitário? A única resposta que encontro, pelo menos por ora, é que as festas expressam uma dinâmica social em que os comportamentos, os gostos, a moda tornaram-se padronizados, impulsionados por uma outra dinâmica que é a do consumismo. O consumo desenfreado é determinado pelo mecanismo da carência, a qual, uma vez instalada, cria uma necessidade de supri-la para ter a sensação do prazer. Tal mecanismo é facilitado quando há uma espécie de homogeneização das carências e, portanto, das necessidades. 

A música, numa sociedade de consumo, é uma mercadoria como qualquer outra, e, portanto, o investimento da propaganda musical é criar uma espécie de linha de consumo única, por meio da simplificação das letras, da padronização dos ritmos, numa espécie de  massificação de um produto. Para que a música seja bem consumida, as letras não são muito elaboradas, gerando uma identificação quase que imediata da vida do ouvinte com a história contada na música. Seja cantar a perda de um amor, a conquista de outro, a vingança da traição, a curtição da vida, por meio do prazer e do sexo, as letras dizem respeito, geralmente sem qualquer grande elaboração, à vida do sujeito, também vivida sem grandes elaborações. Num mundo em que somos cada mais impelidos a nos sentir cada vez mais carentes, as festas se tornam quase que essenciais para conhecermos pessoas, nos relacionarmos e, é claro, acharmos parceiros, e, como tempero nada melhor do que a música. 

Claro que existem festas, baladas, bares em que o jazz, blues, rock, MPB ainda tocam. Ainda bem, diga-se de passagem!! Mas, me parece que são eventos menos procurados, frequentados quase que por guetos. A maioria está em outra "vibe"; a maioria é levada, quase que imperceptivelmente, a consumir um produto fácil, barato, emotivo e renovado constatemente (quantas duplas sertanejas existem mesmo??). De minha parte, como escrevi no começo, assumo minha parte no conflito de gerações, pois a última vez que fui a um "baile" de carnaval tive que sair bem antes do final, quando a banda tocou uma moda sertaneja...



domingo, 24 de março de 2013

Livre-arbítrio



- Se eu fosse você não faria isto.
- Mas eu quero experimentar.
- Tudo bem, você é livre para fazer, mas, como seu amigo, tenho a obrigação de alertar.
- Mas, porque você acha que não devo encarar?
- Não é isso. O que eu acho é que você tem que pensar muito antes de tomar tal atitude.
- Mas será que é tão perigoso assim?
- Não sei ao certo, mas você já pesquisou um pouco, conversou com as pessoas? Veja bem, o que quero é evitar que você acabe se machucando.
- Eu entendo. As pessoas com as quais conversei me falaram que é bom, que eu não vou me arrepender. Elas falaram, inclusive, que depois que eu experimentar eu não vou mais viver sem.
- Mas com quais pessoas que você conversou? Somente com aquelas que já fizeram o que você quer fazer? Ou com outras também?
- Na verdade, conversei somente com aquelas que já fizeram. É difícil achar, no mundo de hoje, alguém que ainda não optou por isso, e mais difícil ainda é achar pessoas que já fizeram e se arrependeram; parece até que elas se sentem envergonhadas.
- Então, você não tem medo de se arrepender?
- Mas as pessoas não falam que nós só devemos nos arrepender do que fizemos e não do que não fizemos?
- É verdade, mas acho que isso não serve para tudo, senão aonde iríamos parar?
- Mas, faz tempo que eu quero fazer isso.
- E o medo?
- Mas nós devemos vencer nosso medo, senão não fazemos mais nada de emocionante.
- Então?
- Então, vou fazer. Estou decidido.
- Boa sorte!
- Obrigado!

Então, ele fez a conta no Facebook!!
Depois, com o tempo, ficou com a sensação de que havia sido expulso do paraíso...