quarta-feira, 22 de maio de 2013

Outra lição indiana

Do mesmo livro do post passado:

Certa vez um rei teve um sonho muito perturbador. Todos os que tentaram, do reino e de fora, decifrar o sonho não conseguiam satisfazer o rei, que, assim, ofereceu uma rica recompensa para aquele que conseguisse. Um aldeão simples, súdito daquele rei, encostado em uma árvore numa pequena floresta, sonhando com a riqueza prometida pelo rei, ouviu um pássaro que disse a ele: "se quiser que eu decifre o sonho do rei você deve dividir a riqueza comigo". Decifrado o sonho, o camponês foi correndo para o palácio, pediu para falar com o rei e revelou o significado do sonho. O rei julgou adequado e deu a recompensa ao que ele passou a considerar um sábio-advinho. Voltando para sua casa, o matuto ficou fazendo planos de como usar a riqueza que agora possuía, mas lembrou da promessa que havia feito ao verdadeiro decifrador, o pássaro, e ficou indignado de ter que dividir seu ouro. Decidiu não cumprir o prometido e não foi atrás da ave. Ficou rico, construiu uma grande e pomposa casa, contratou criados e se casou com uma bela e esbanjosa jovem. Depois de um tempo, gastando muito mais do que ganhava, começou a empobrecer novamente, sendo quase abandonado pela sua esposa. Um dia emissários do rei foram buscá-lo pois o soberano havia tido um outro sonho enigmático. Ele, desesperado, sem conseguir decifrar o novo sonho, depois de dias e sem saber o que fazer, foi procurar novamente o pássaro, recolhendo sua vergonha. Novamente a pequena ave disse a mesma coisa, que se interpretasse o sonho o rapaz teria que dividir a fortuna. Novamente o rapaz concordou e foi correndo ao rei para comunicar o significado do sonho. O rei, como da outra vez, concordou com o rapaz e deu a ele uma recompensa ainda maior, aumentando a fama de sábio que ele já tinha. Voltando para casa, fazendo planos de recuperar e aumentar suas posses, novamente ficou indignado de ter que dividir com o pássaro tamanha riqueza; mas desta vez ele resolveu que iria matar o bichinho e, indo para a floresta, quando o avistou jogou várias pedras nele, errando, para sorte do pássaro, todas as tentativas. Voltou para casa, aumentou sua já enorme casa, contratou mais serviçais, deu mais jóias para a mulher, que, com isso, continuou ao seu lado. Certo dia um comitiva real foi procurá-lo para que novamente decifrasse um outro sonho misterioso. Como da vez anterior, ficou aflito, pois ele, definitivamente, não sabia nada da arte de interpretar os sonhos. Mais aflito ainda ficou ao saber que o rei havia dito que se não soubesse o significado do sonho, teria sua cabeça cortada. Desesperado e extremamente envergonhado foi, como último recurso, a procura do pássaro advinhador. Novamente o bichinho de penas e asas disse que ele deveria dividir a recompensa. O pobre camponês milionário foi ao rei e, de novo, o soberano concordou com o significado e, de novo, deu uma recompensa ainda maior para o maior sábio-advinho que ele conhecia. Desta vez, o rapaz foi até a floresta e levou a arca de ouro para o pássaro. A avezinha disse para ele que não queria aquela riqueza, pois dela não precisava para viver. E disse mais, "você é uma pessoa comum, igual a todos, você é levado pela massa sem refletir e sem se destacar, você se deixa influenciar pelo sentimento da onda, você faz, simplesmente, o que os outros fazem". E continuou: "como sei disso? Ora, o primeiro sonho revelava que havia uma atmosfera de falsidade e deslealdade no reino, e você tentou me enganar; o segundo sonho revelava que havia violência e traição, e você foi violento comigo. No terceiro, que mostrou que agora existe um clima de justiça e lealdade no reino, você veio me pagar". E arrematando, falou o pássaro: "Dali em diante, não esperei nada diferente do que aconteceu, pois raras são as criaturas que permanecem imunes ao pensamento comum e dominante. Mas, de qualquer forma, fico feliz com o desfecho de tudo".

Acho que a fábula é praticamente auto-explicativa. Por isso, o que resta é nos perguntar: e nós, como somos? Somos rasos de alma e de consciência e seguimos a moda, só porque todos acham bonito e prazeroso alguma onda, ou conseguimos nos destacar na multidão, procurando uma autonomia de alma e de consciência?? Difícil? Claro!! Impossível?? Nunca!! Como perceber? Olhando para dentro de nós...


domingo, 19 de maio de 2013

Lição indiana


Estou lendo um livrinho sobre a Mitologia Indiana, de uma coleção de outras mitologias, tema pelo qual, como alguns sabem, sou apaixonado. Há uma parte no livro em que são relatadas algumas lendas, geralmente lições com fundo moral em que estão presentes sábios hindus. Dentre as várias histórias interessantes, uma me chamou muito a atenção, a qual passo a relatar de forma resumida.


Dois jovens amigos moravam em duas cidades, separadas por um rio muito largo. Um dia eles se encontraram no meio do rio cada um em uma canoa. Um deles convidou outro para uma festa na casa de um rico senhor, em que haveria dança, teatro, dançarinas, cortesãs e muita comida e bebida, uma festa, digamos, mundana. O outro, coincidentemente, convidou o amigo para outra festa, essa numa igreja, em que haveria a fala de um famoso sábio, corais de fora, orações e celebrações. Nenhum dos dois aceitou o convite do outro porque já estavam comprometidos com suas festas. Ao amanhecer o dia os dois novamente se encontraram no meio do rio voltando de suas respectivas festas quando um tempestade se formou e afundou os dois barcos ocasionando a morte dos dois amigos. Quando estavam esperando o destino final de suas almas, os anjos do céu vieram buscar o que foi para a festa mundana e os anjos do inferno vieram buscar o outro. Depois do espanto inicial e dos dois tentarem argumentar que os anjos estavam errados, um dos anjos explicou que aquele que foi para a festa na igreja ficou com o coração na festa em que o outro amigo estava, desejoso de estar curtindo tudo o que o amigo havia relatado que haveria; por outro lado, o outro amigo, apesar de estar numa festa cheia de prazeres carnais, queria estar na festa do amigo. Ou seja, eles estavam, na sua essência, onde o coração queria estar, e a justiça divina se fez.

Penso que esta história pode ser aplicada em várias situações de nossa vida. A primeira é que nem sempre, ou na maioria das vezes, conhecemos o próprio coração, nem sempre nos conhecemos o suficiente para separar o que aparentamos ser do que realmente somos. Segundo, não adianta representarmos papeis, praticarmos caridade, nos considerarmos religiosos, se o nosso pensamento e nosso desejo estão em outros lugares. Terceiro, estamos, na essência, onde nossos desejos estão e não, necessariamente, onde nos encontramos fisicamente, por mais que tentemos nos enganar juntando vários argumentos para justificar que o lugar físico (ou sentimental) é o lugar do coração. A quarta situação é aquela em que somos flagrados em nossa hipocrisia, ou seja, nos fazemos de amigos, de críticos, de sensíveis às demandas da atualidade, mas somos egoístas, insensíveis e queremos dominar o outro para colocá-lo a nosso serviço. Por fim, podemos pensar, também, nas situações em que aquilo que gostamos ou somos levados a curtir, na verdade são produzidos fora de nós, são incutidos em nossos comportamentos e, sem nenhum senso crítico, passamos a reproduzir.

Para além da moral francamente religiosa que a história indiana tem, penso que ela pode nos ensinar a trilharmos o difícil caminho de entender a nós mesmos e, fazendo um link com o mundo grego (do qual a mitologia é igualmente apaixonante), resgatarmos o ideal socrático do conhecer-se a si próprio!!!


domingo, 5 de maio de 2013

Academia



NO PAIN, NO GAIN! Isto estava escrito num cartaz na academia que estou frequentando. É isso mesmo!! Para quem me conhece um pouco sabe a aversão que eu nutria por este espaço para malhação, mas, com o peso aumentando acima do esperado, tomei tal decisão radical e agora sou um daqueles que passa uma hora por dia em esteiras, bicicletas e aparelhos de musculação. E o pior, estou tomando gosto pela coisa...


Mas, como não poderia ser diferente, uso o espaço da academia não apenas para os exercícios, mas, também, para observar o comportamento das pessoas que a frequentam, sejam os professores sejam os alunos. A primeira impressão quando cheguei na academia pela primeira vez, com meu corpinho, digamos, diferente da grande maioria daquelas pessoas, é que somente eu estava iniciando a academia e que todos sabiam disso, ou seja, parecia que todos estavam observando o gordinho se ralando ali. E mais, a segunda impressão é que iria rolar uma aposta para ver quantos dias eu iria aguentar tal desafio. Ou seja, me senti um verdadeiro out-sider na academia. Depois de alguns dias passei a perceber que as impressões iniciais tinham um "q" de narcisismo, pois, na verdade, cada um está ali para fazer os seus exercícios, pouco se lixando com os outros. É impressionante como as pessoas, no geral,  não se cumprimentam, não falam bom dia etc. para os outros, mesmo para aqueles que frequentam o mesmo espaço há algum tempo. Esta foi minha terceira impressão, e é a que tenho até agora, pelo menos até que eu chegue a uma conclusão diferente.

Existem vários tipos de pessoas na academia: os iniciantes, que fazem de tudo para não parecer que o são (assim como eu...); aqueles que já estão adaptados; e aqueles que já são "bombados", e isso é percebido pela variedade dos aparelhos que são usados e pelo peso que são carregados, puxados, levantados. Os professores, como deveria ser mesmo, são exemplos de corpos bem definidos e, alguns pelo menos, acabam exibindo seus dotes físicos. Há outra possibilidade de diferenciar os frequentadores da academia: aqueles que ficam meio que escondidos, não querendo chamar a atenção, seja por vergonha ou por jeitão mesmo; aqueles que ficam "puxando" muito peso, mas que fazem isso sem chamar muita atenção para si; e aqueles que fazem questão de que os outros percebam a sua dura malhação e o seu corpo bem definido. Na verdade, a academia parece um desfile de egos, e os corpos definidos dos professores e dos alunos mais antigos e "aplicados" acabam por ser o objetivo dos outros.

É muito interessante como a lógica do corpo bem feito, bem torneado, sarado, parece que acaba sendo incorporado pelos frequentadores da academia. Há uma competição, muito velada, para ver quem chega primeiro ao objetivo. Há, nisso tudo, uma espécie de neurose coletiva que transparece nos rostos suados e cheios de caretas quando se está levantando peso. A neurose fica clara, ainda mais, quando o rosto, depois de mostrar tanto sofrimento, exibe um sorriso (quase sempre disfarçado) de satisfação. Afinal, no pain no gain!! (sem dor não há ganho!!). De minha parte, quero, sim, perder peso e adquirir uma vida mais saudável, mas procuro desde já me vacinar contra a neurose do belo corpo, pois nem imagino perder totalmente a barriga que custei mais de vinte anos para conquistar!!!