quarta-feira, 3 de outubro de 2018

E se as eleições de hoje fossem há 100 anos atrás?


Estes dias estão sendo de muita reflexão sobre a atual conjuntura política brasileira. Procuro entender a quantidade expressiva de votos que o candidato Bolsonaro deverá ter no próximo dia 07 de outubro. Procuro entender as motivações de pessoas esclarecidas, estudadas, em optar por um salvador da pátria como o próximo presidente do Brasil.

Creio que há duas grandes frentes  de votos para ele (que podem ser subdivididas em outras, mas não vou fazer este exercício aqui) a primeira, mais fiel, de uma parcela declaradamente conservada em termos morais, que vêem em Bolsonaro, por ser abertamente contra a ideologia de gênero, ser abertamente homofóbico e machista, um defensor dos valores supostamente perdidos da família brasileira. O conservadorismo existe e sempre existiu na história da humanidade, pois diante de novidades das gerações mais novas, a geração anterior normalmente atribui a isto um desvio perigoso do desejado  comportamento humano, especialmente dos mais jovens; além disso, a religião sempre é usada como justificativa para que não haja mudanças que coloquem em xeque aquilo que, segundo os lideres das igrejas, Deus quer de nós.  Outra parcela reune em sua grande maioria o movimento antipetista, com um discurso contra a corrupção. No entanto, este segundo grupo é composto, também, pelas pessoas que se deludiriam com a política e que, diante de um vazio gerado pela ausência da polarização PSDB x PT, optam por um candidato supostamente novo e, também, supostamente não atrelado à corrupção política brasileira. Diante deste quadro, no entanto,  estou fazendo, por esses dias, um exercício mental-imaginativo-fantasioso que talvez contribua para pensarmos, efetivamente, o que seria um possível governo do Bolsonaro no Brasil: imaginemos  se as eleições deste ano fossem há 100 anos atrás e se o Bolsonaro fosse candidato?

No início do século XX o Brasil vivia um momento de entrada na era republicana e muitos líderes advogavam a necessidade de formar um cidadão que contribuísse para que o Brasil se desenvolvesse e se tornasse social, econômica e politicamente tão grande quanto o seu território. Nesse movimento tivemos importantes avanços sociais que repercutem até hoje. Avanços que foram conseguidos mediante muita luta e, especialmente, em lideranças políticas que assumiram bandeiras sociais importantes e colocaram parte de seus mandatos a serviço do enfrentamento do conservadorismo. Vejamos, hipoteticamente (mas, sem sombra de dúvida, bastante real), naquele quadro social, uma plataforma política do candidato Bolsonaro do passado:

- pelo restabelecimento da escravidão no Brasil, pois os negros, sendo uma raça inferior, não têm como arranjar empregos decentes e só vão fazer aumentar a pobreza e a violência no Brasil;
- pela manutenção do voto para aqueles que possuem propriedades, pois as pessoas comuns, destituídas de boa educação, não podem influenciar no futuro do país;
- pela manutenção dos votos somente para homens, pois o lugar das mulheres, por sua constituição física, é o lar, cuidando dos seus filhos e maridos, e, por isso, elas não tem maturidade racional para exercer o seríssimo direito ao voto;
- pela redução das áreas destinadas aos índios, pois eles não precisam de grandes áreas para viver, pois, além de preguiçosos, eles são indolentes e as áreas destinadas a eles devem ser repassadas para os nossos capitalistas agrários para produzirem os alimentos para os brasileiros;
- pela tipicação  do homossexualismo como crime contra a humanidade e a religião, pois subverte, demoníacamente, a sagrada família brasileira, pois Deus, em sua infinita sabedoria, criou o homem e a mulher somente. Os crimes de homossexualismo devem ser punidos com a prisão e a castração química e, na reincidência, com a morte;
- pena de morte para todos os criminosos, independente se forem simples ladrões ou assassinos. Os policiais estarão liberados para primeiro atirar e depois perguntar;
- pelo retorno imediato do Brasil cristão, devendo ser proibida qualquer religião que contrarie os dogmas da Santa Madre Igreja.

O que nos parece hoje este tipo de plataforma política? Horrível, atrasada, perniciosa, criminosa?? Sim, tudo isto e muito mais... mas, atualizando o discurso do Bolsonaro e sua plataforma política hoje, não seria a mesma coisa?? O Brasil se tornou democrata e republicano enfrentando os discursos acima, pois sempre teve gente (as vezes menos, as vezes mais) que defenderam todos aqueles pontos e outros mais, numa atitude conservadora e reacionária diante do que acreditavam ser pernicioso para a família, para a religião e para o país. Imagine se "ele" tivessem vencido? Mulheres, negros, índios, homossexuais, democracia, espírito republicano, liberdade religiosa... todos os avanços não teriam acontecido...

E agora a pergunta fatal: o que será se o Bolsonaro ganhar agora??

PS: sou a favor de qualquer opinião sobre qualquer coisa; acho que a democracia pressupõe que a ninguém deva ser cercado seu direito a expressar-se. Portanto, não tenho nenhum problema com as opinões conservadoras, pois o conservadorismo sempre fez e sempre fará parte da sociedade; meu problema é quando o conservadorismo se torna projeto político que coloca em risco os avanços sociais que foram conseguidos a duras penas...


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