domingo, 23 de junho de 2013

Manifestações e protestos



É praticamente impossível ficar alheio ao que está acontecendo no Brasil neste momento. As manifestações e protestos que se espalharam por todo o território nacional mexem com muita gente, bastando, para comprovar isso, acompanhar os jornais impressos e televisivos e as postagens no facebook. Faço, aqui, rápidos apontamentos do que penso como sendo o cerne deste momento especial.

Primeiro, se trata, obviamente, de um movimento de massa, que vem crescendo de forma que nem os mais entusiastas desse tipo de organização poderiam prever num primeiro momento. E isto é bom!! Ver as pessoas se reunindo e mostrando a insatisfação com os governos, com os políticos e as com as políticas públicas (ou ausência delas) é, na minha opinião, sempre saudável. Um país em que sua população fica isenta ao que acontece em termos de saúde, educação, corrupção etc., é um país condenado a perpetuar o que há de mais sórdido na política: a perpetuação de pessoas e atitudes paroquiais, patrimonialistas, currarialistas e coronelistas. Quando a população se mexe e se mostra, os políticos devem se movimentar também...

Segundo, todo movimento social é político e, por consequência prática, é partidário, pois votamos em pessoas que fazem parte de partidos políticos. Por isso, é muito bonito, mas profundamente ingênuo acreditar que o atual movimento é sem causa concreta aparente e que está despido de motivações políticas. A própria hostilização aos partidos vista nas manifestações já é, em si, um ato político e, repetindo, partidário, pois quando se impede alguns partidos de participar, inconscientemente (se bem que acho que é, na verdade, deliberadamente) se dá valor a outros.

Terceiro, estas manifestações já têm e terão repercussões práticas, como, aliás, deveria ser esperado, até porque, se assim não fosse, o movimento pereceria em sua origem. O problema, acho, é justamente aqui, pois o movimento, que tem vários alvos, vários inimigos, pode, por um motivo de unidade interna, escolher um para marcar, decisivamente, a sua posição. Por isso que postei, recentemente, no meu face que os partidos mais à direita das práticas políticas, como PSDB e DEMOCRATAS, podem incorporar as insatisfações e canalizar para o governo federal,  ou seja, o PT, a responsabilidade maior dos problemas. Ainda mais que uma das bandeiras está sendo os gastos com a copa do mundo no Brasil. Ou, ainda, o movimento pode dar vazão ao surgimento de um líder carismático, sem vínculos políticos anteriores e que pode se tornar o salvador da pátria.

Quarto, é lamentável a gente verificar, na prática, que tem pessoas que se aproveitam das manifestações para dar vazão a um tipo de violência que não cabe na lógica do movimento. E mais, é vexatório para nós brasileiros vermos que há pessoas que se aproveitam do tumulto natural das manifestações para arrombar lojas e roubar (pois é isto mesmo o que fazem...) produtos e depredar patrimônio público e privado. É de se perguntar se temos, no Brasil, maturidade social para sermos diferentes do que somos...

Finalmente, acho que é necessário apontar que o movimento já virou uma onda. E, tal como o filme "A Onda", em que um professor faz uma experiência com os alunos de uma escola americana criando factóides para justificar uma ideologia eugenista, recriando o clima que justificou o nascimento do nazismo, é possível, sim, verificarmos atitudes irracionais, destemperadas e, obviamente, prematuras, que passam a demonizar o(s) inimigo(s). Um dos fundamentos do fascismo é o sentimento de nacionalismo exacerbado aliado a um movimento de massa que passa a seguir líderes que, a princípio, se autoproclamam apolíticos. O facebook tem uma espécie de ética, ou seja, concepções que definem as pessoas como sendo boas, politicamente corretas e críticas: uma armadilha projetada em que muita gente cai ingenuamente, transformando-se em massa manipulável.

Estamos diante de um movimento e, por isso mesmo, se trata de algo que ainda não está completamente definido. Algumas pistas podem apontar, pragmaticamente, para uma atitude conservadora. No entanto, como já publiquei no face, é momento muito mais de observar as coisas do que julgar...


3 comentários:

  1. Muito bom o texto, esclarecedor, trazendo um alerta importantíssimo quanto ao senso comum. É preciso um olhar crítico e analítico neste momento.

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  2. Caro Célio,
    o seu texto me fez lembrar de um trecho de um texto do Gramsci, que destaco abaixo:
    "Negligenciar e, pior, desprezar os movimentos ditos ‘espontâneo’, ou seja, renunciar a dar-lhes uma direção consciente, a elevá-los a um patamar superior, inserindo-os na política, pode ter frequentemente conseqüências muito sérias e graves. Ocorre quase sempre que um movimento ‘espontâneo’ das classes subalternas seja acompanhado por um movimento reacionário da ala direita da classe dominante, por motivos concomitantes: por exemplo, uma crise econômica determina, por um lado, descontentamento nas classes subalternas e movimentos espontâneos de massa, e, por outro, determina complôs de grupos reacionários que exploram o enfraquecimento objetivo do Governo para tentar golpes de Estado. Entre as causas eficientes destes golpes de Estado deve-se pôr a renúncia dos grupos responsáveis a dar uma direção consciente aos movimentos espontâneos e, portanto, a torná-los um fator político positivo” (GRAMSCI, A. Cadernos do Cárcere, volume 3, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000, p.197).

    O texto é bastante elucidativo, mas cabe uma reflexão.
    Para não dizermos que somos vítimas das circunstâncias, nem mesmo pensar que a luta de classes se trava no plano do bem contra o mal, acredito que os partidos de esquerda têm sua parcela de culpa no que está acontecendo. Penso que esses partidos e seus militantes, se omitiram quanto à formação política de longo prazo. Por anos, a formação de quadros intermediários não integra as suas agendas políticas. E como diz Gramsci, "Negligenciar e, pior, desprezar os movimentos ditos ‘espontâneo’, ou seja, renunciar a dar-lhes uma direção consciente, [...] pode ter frequentemente conseqüências muito sérias e graves”. O alerta do referido pensador sobre as conseqüências da negligência quanto ao desprezo aos movimentos espontâneos, pode ser visto nessas manifestações: a omissão da esquerda brasileira em formar novos quadros cedeu espaço a uma juventude sem referência e sem um projeto societário por qual lutar. Expressão disso, para não falar dos cartazes do tipo “Estou tão puta que fiz esse cartaz” ou “saia do facebook e vem pra rua”, vemos diariamente nas mídias o orgulho manifesto pelo movimento ao dizer que não estão vinculados a nenhum partido e que o movimento é social e não político. Disso tudo, entendo que esse antipartidarismo oferece brechas para os golpistas de plantão, e mais, que esse desprezo prático pelo elemento político que é próprio dos mecanismos de representação (nesse caso as manifestações), nos revela que está se construindo diante de nós um cenário político incerto e aberto para as eleições de 2014, e que isso tudo pode motivar as viúvas de Collor e de FHC.

    Forte abraço.
    Mario

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  3. Meu caro Célio.
    É positivo seu texto apontar alguns lados das manifestações recentes ocorridas no Brasil, bem como alertar para possíveis desdobramentos das mesmas.

    1) Partindo do meu ceticismo, sinalizo que nem toda manifestação de multidão (é mais de multidão, no sentido empregado por. T. Negri, do que 'massa') é saudável. A multidão de nazistas que saia às ruas na Alemanha antes do governo de Hitler, não era nada saudável, porque mais que insultava os judeus, depredava e queimava os prédios. O mesmo acontecia com os fascistas na Itália. A multidão da Revolução Cultural Chinesa não insultava judeus, mas alucinava mínima discordância ou simples fofoca como sendo "inimigos do povo", "burguês", etc.

    2) Acho que as manifestações no Brasil está mais para o estilo argentino, embora pegue carona na onda de manifestações globalizantes. Por que argentino? Porque sinto nestas manifestações algo que foi traduzido no país vizinho como “que se vayan todos” (que se vão todos). Parece que as manifestações dizem “somos contra tudo que cheira a política”. Nelas me parece uma atitude reativa de generalização, que primeiramente foi expressada pelos que votaram “nulo” nas últimas eleições. Hoje parece existir uma pitada de cinismo e um desencanto da nova geração e da velha descrente, generalizados em relação à política partidária dado pela visibilidade das bandeirolas vermelhas nas ruas, e também nas depredações à Assembléia Legislativa e Prefeitura no Rio de Janeiro e ao Congresso Federal em Brasília.

    3) Nas "Diretas já" tínhamos os partidos organizando as manifestações, políticos fazendo comícios, etc. No "Fora Collor" a UNE estava presente, havia lideres, e uma agenda clara e única. Nestas manifestações/2013 não tem lideres, nem comícios, a pauta é difusa ou "liquida". Até as manifestações são levadas pela onda pós-moderna.

    4) Essa “geração facebook” que foi mobilizada para sair as ruas é nitidamente de classe média “antiga” continua ressentida com o governo Lula; ou pertence a nova classe média, que pode estudar na universidade particular, comer fora de casa no domingo ou até fazer sua primeira viagem de avião, e que quer mais e melhor. E tem direito, sim. Mas desconfio desta multidão de jovens estudantes que não gostam de estudar-ler, mimados, despolitizados, chegados ao uso recreativo de drogas e álcool (vide pesquisas).

    5) Por outro lado, ESTETICAMENTE, acho que é mais interessante ver centenas de cartazes com frases (algumas boas outras inadequadas) do que ver velhas bandeirolas vermelhas, cuja ideologia sempre foi avessa a democracia “burguesa”. Sem dúvida que as bandeirolas dos micropartidos querem mais fazer marketing político-ideológico na onda dos protestos de rua, são oportunistas. Infelizmente eles resistem entender a voz das ruas, infelizmente. Se estivessem no poder nunca permitiram manifestações populares como estas.

    6) Concordo que tais manifestações podem ser positivadas tanto com atos do governos federal como do legislativo. Agora também pode causar um efeito de golpismo. A popularidade da Dilma já caiu. Sinal que se a classe trabalhadora (que usuflui do bolsa-família, entre outros benefícios), não reagir nas próximas eleições, provavelmente teremos um novo salvador da Pátria (no modelo Collor) ou o retorno do PSDB.

    Abração.
    Raymundo.

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