domingo, 12 de janeiro de 2014

Félix

Resolvi escrever sobre o personagem Félix, da novela Amor à Vida, antes do fim da novela para não ser influenciado pela decisão do autor. Mas, antes de mais nada, meus parabéns ao ator Mateus Solano, que já vivera os gêmeos em Viver a Vida, e agora dá um verdadeiro show na pele de adorado/odiado Félix. Acho que refletir sobre tal personagem é refletir sobre a vida, sobre nossas concepções, sobre a nossa realidade.

Como os que assistem a novela, como eu, sabem que Félix começou a história como mau-caráter. Jogou a sobrinha em uma caçamba de lixo, roubou o hospital do seu pai, no qual era administrador, tentou matar a sobrinha no hospital novamente, provocou um acidente que quase matou um desafeto seu que descobriu suas falcatruas, foi responsável pelo sequestro, novamente de sua sobrinha... enfim, um perfeito safado e criminoso. No entanto, da metade para frente do folhetim, descobriu-se que ele é gay, seu pai o desprezou por isso, ficamos sabendo que ele foi rejeitado pelos pais acusado indiretamente da morte de seu irmão quando ambos eram crianças. A partir daí, com a experiência da pobreza de Félix, tendo que vender cachorro-quente na rua, acabou revendo as suas atitudes e, chantageado pela mãe, acabou se arrependendo de todos os seus erros, confessando-os aos interessados e sendo perdoado. Enfim, de mal-caráter, foi se transformando em uma boa pessoa, pessoa que gosta de crianças, é amigo querido e sincero e bacana com todos. Parece que o autor na novela, pelo menos por enquanto, talvez convencido pela popularidade de uma atuação hilária de Félix, resolveu salvar a sua pele.

No entanto, a mim me parece que a solução é mais um deus ex machina (*), um artifício ilógico e inverossímil que muda a personalidade da pessoa a partir do reconhecimento interior de sua safadeza. A mudança de Félix atende muito mais a um desejo, quase que utópico, que as pessoas em geral acalentam de que as pessoas más, se forem bem orientadas, se forem convertidas, enfim, se mudarem de vida mudam as suas personalidades para boas pessoas. Fico me perguntando se realmente é assim... Fico lembrando sempre de outro personagem televisivo, House, do seriado americano de mesmo nome, que sempre dizia "People don't change" (as pessoas não mudam). Acho mesmo que nutrimos, as pessoas em geral, um idealismo de base religiosa que crê na possibilidade de mudanças de personalidade. Porém, se pensarmos que a personalidade de um indivíduo se define na sua infância, a pessoa pode, sim, agregar e aprender com as experiências da vida, se tornar mais maduro etc., no entanto, o que ele é, interiormente, isso não muda.

Eu preferia que o autor fosse radical na construção do personagem Félix. Gostaria muito de acompanhar a reação das pessoas (e a minha própria) continuando a se deparar com um mal-caráter que alegra a vida das pessoas, que é hilário, mas que, sempre vai pensar em seu umbigo egoísta. A atual solução me parece idealista demais, tapa o sol com peneira, dá uma sensação de poder que na realidade inexiste, pois ela, a realidade, como já fiz algumas referências aqui no blog, é mais imperfeita. Ver o Félix bonzinho me dá a sensação de ter jogado água no vinho da santa ceia...
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(*) A origem da expressão deus ex-machina encontra-se no teatro grego e refere-se a uma inesperada, artificial ou improvável personagem, artefato ou evento introduzido repentinamente em um trabalho de ficção ou drama para resolver uma situação ou desemaranhar uma trama. Este dispositivo é na verdade uma invenção grega. No teatro grego havia muitas peças que terminavam com um deus sendo, metaforicamente, baixado por um guindaste até o local da encenação. Esse deus então amarrava todas as pontas soltas da históriaA expressão é usada hoje para indicar um desenvolvimento de uma história que não leva em consideração sua lógica interna e é tão inverossímil que permite ao autor terminá-la com uma situação improvável porém mais palatável. Em termos modernos, Deus ex machina também pode descrever uma pessoa ou uma coisa que de repente aparece e resolve uma dificuldade aparentemente insolucionável. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Deus_ex_machina)



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