terça-feira, 29 de abril de 2014

O papa e os santos papas


O papa Francisco decretou nesta semana a santidade dos papas João XXIII e João Paulo II. Dois papas recentes que entram para o rol dos mais de 10 mil santos da Igreja Católica. O interessante é que depois do ano 1.300 somente quatro papas foram santificados, um no século XVI e os outros três atuaram no século XX. Mas, o mais significativo, em minha opinião, foi o fato da dupla canonização recente ter se dado no mesmo dia. Tenho para mim (e não sou original em minha análise) que o papa Francisco quis dar um recado claro para a Igreja toda.

João Paulo II, sem dúvida, foi um papa muito popular, talvez o mais popular em muitos séculos. Falava dezenas de línguas e fez centenas de viagens para todos os cantos do mundo, além de ter contribuído com a derrocada do comunismo, fato que agradou boa parte do mundo católico que tinha no modelo soviético um ateísmo militante e muito perigoso. João XXIII é tido pela tradição recente como um papa Bom, que dialogava com outras religiões, mas que foi alvo de críticas de setores conservadores da Igreja que o julgavam excessivamente moderno. João Paulo II governou a Igreja por quase 27 anos, sendo conhecido como moderno em questões sociais, mas conservador em questões dogmáticas e doutrinárias. João XXIII esteve a testa do catolicismo por quase 5 anos apenas, tendo sido escolhido para um pontificado de transição.

Mas, fica a questão das razões pelas quais os dois papas foram canonizados no mesmo dia. Creio que não foi à toa a decisão de Francisco. O maior legado de João Paulo II foi o diálogo com o mundo; o maior legado de João XXIII foi ter aberto as portas (aberto é pouco, ele as escancarou) para a maior reforma da Igreja em sua história. Assim como o Concílio de Trento, que ocorreu de 1545 a 1563, o Concílio Vaticano II, acontecido de 1962 a 1965, procedeu uma reforma eclesiológica e pastoral profunda. João XXIII não viu o desfecho do concílio porque faleceu em 1963. Creio que o recado do papa Francisco é muito claro: João Paulo II pode fazer um pontificado significativo para a Igreja porque um seu antecessor, João XXIII, possibilitou que a Igreja se abrisse para o mundo, revendo a rígida hierarquia (que separava com um fosso intransponível o clero do povo), adotando a língua dos países para as celebrações (desobrigando a missa em latim) e colocando o padre de frente (e não de costas) para os fiéis na missa. Além disso, a partir de Vaticano II, a Igreja se abriu para seus compromissos sociais, criando pastorais setoriais, possibilitando, inclusive, a formação da Teologia da Libertação, a qual, por sinal, quase foi enterrada por João Paulo II. O povo católico pedia, quase uníssono, a santificação de João Paulo, e o papa o colocou ao lado de um hoje quase não lembrado João XXIII. João Paulo, o papa da mídia; João, o papa que teve a coragem, de poucos, de antenar a Igreja com o mundo atual.

O recado do papa Francisco é da necessidade premente que a Igreja passe por uma nova reforma interna, que a aproxime ainda mais do povo, em especial dos pobres, e, para isso, é preciso que o clero, especialmente, os bispos, dêem exemplo de caridade e de pobreza. Estou afastado da militância da Igreja, mas confesso que estou gostando cada vez mais do papa Francisco; e não apenas pelo fato de ele ser jesuíta (meu tema de estudo desde o doutorado), mas pela sua coragem e exemplo de que é preciso que a Igreja não esteja somente presente na mídia, mas se aproxime cada vez mais deste mundo moderno, caótico, plural, complexo e tão cheio de carência que vivemos.

Por último: gostaria de ver canonizado também o papa Paulo III, que também teve muita coragem para iniciar a reforma da Igreja no século XVI, ao convocar o Concílio de Trento. Quem sabe Francisco não "mexe seus pauzinhos" e se lembre de que foi aquele papa que também autorizou a existência da Companhia de Jesus... Devaneio, puro devaneio...


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