
Ao contrário do que eu pensava, a terapia parece que não segue um percurso em que as sessões se sucedem numa lógica como capítulos de uma novela, em que o assunto anterior é necessariamente retomado na sessão seguinte para, com o tempo, ir "zerando" os aspectos investigados. A terapia é não-linear, e isso, depois de uma impressão desconfortável no começo, me atraiu muito, pois defendo a idéia de que a vida não é linear. Cada novo encontro com o terapeuta é realmente novo, pois o ponto de partida para o diálogo é o que o paciente leva naquele dia: impressões, chateações, pequenas vitórias, desilusões, sonhos (literalmente) etc., que vão sendo trabalhados na perspectiva do que podem revelar acerca daquilo que está recôndito, daquilo que está nebuloso na inconsciência do paciente.
O processo terapêutico ocorre em meio ao diálogo, sem que haja a necessidade de enquadrar neste ou naquele conceito. É claro que o terapeuta tem a teoria para analisar e, se for o caso, "enquadrar" aspectos da vida do paciente, até para que se vá fundo nas causas de certos comportamentos, mas, os conceitos não são antepostos ao diálogo. Lembro que, como professor, defendo, também, que os conceitos não devem vir antes dos autores estudados, para se evitar enquadrar antecipadamente o pensamento em rótulos desprovidos de vida. Falando nela, a vida é o objeto de estudo em questão na terapia; a vida do paciente, sua história, especialmente na infância, que revelará as causas de certas opções feitas e de certos comportamentos adquiridos. O processo terapêutico, se bem conduzido e aceito pelo paciente, conduzirá a uma re-elaboração da sua história e, para fazê-lo, o que importa é a disposição para algo muito difícil, conhecer a si próprio, ou para usar uma metáfora bem apropriada aqui, mirar-se no espelho da alma. Talvez por isso os gregos consagraram em seus templos a frase que acabou sendo atribuída a Sócrates: "conhece-te a ti mesmo", como o primeiro passo para se atingir a verdadeira sabedoria.
Apesar do poeta Caetano Veloso ter dito que "de perto, ninguém é normal" (Vaca Profana), o que faz muito sentido, discordo do que muitos falam de que todos nós deveríamos fazer terapia, pois acho que isso é banalizar os seus efeitos, no entanto, pelo que verificamos nestes tempos (anos 10!!) em que as pessoas não conseguem trabalhar e aceitar os lutos, as frustrações, as cobranças, os "nãos" na vida pessoal e profissional, temo que a terapia acabe sendo, em poucos anos, uma política pública para a saúde da população. Quando, por exemplo, se mata por R$7,00 ou por R2,50, como vimos nos noticiários nas últimas semanas, alguma coisa de muito profundo está vindo à tona no convívio social. Há que se ter remédio para isso!!!!