quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

A renúncia do papa


Toda vez que começo meu curso de Filosofia da Educação Medieval, o qual principia pelo Cristianismo, eu sempre falo para meus alunos que, independente se eles são ou não crentes em Deus e se participam de alguma igreja, toda religião é, por essência, uma instituição humana, pois ela foi criada pelos homens e é por eles dirigida. Portanto, como instituição humana, ela é, em sua essência, política. E isto não é uma crítica à religião e nem àqueles que a praticam, cada um deve buscar aquilo que o faz feliz, pois uso o termo político tal como na sua origem grega, ou seja, algo que pertence à coletividade humana, à cidade, à organização social. No entanto, ainda, política tem a ver com grupos, com poder (direção), com acordos, com decisões legais e, especialmente, com a definição da ideologia a ser definida e seguida.

Como tudo isto é claro para mim, fico com a sensação de que as pessoas de forma geral são muito ingênuas em se tratando de acreditar que não há qualquer política por detrás da renúncia do papa Bento XVI. Só o fato de que o último pontífice a ter se retirado foi Gregório XII no longínquo 1415, indica que as relações entre os grupos no Vaticano estão seriamente tensas. Apesar de ter sido um gesto digno em termos da pessoa Joseph Ratzinger, demonstrando humildade e desapego, a sua saída representa, de fato, uma insustentabilidade de seu governo frente a Igreja Católica. E, como consequência, a escolha do próximo papa estará (ou já está) imersa em uma disputa muito grande entre grupos, ou, no caso de buscar-se uma união, a eleição será, necessariamente, a de um comandante que tenha como maior habilidade a busca da conciliação.

A Igreja Católica, e isso não se pode negar, tem um poder de se atualizar que impressiona, pois com várias dissensões internas, com inúmeras criticas e oposições, com tanto misturar-se com assuntos nada religiosos ou espirituais em sua longa história de dois mil anos, ela consegue manter um senso de imaculada que chega a ser incrível. Por exemplo, vejamos o assunto papado. Se formos procurar em qualquer site na internet sobre a história dos pontífices, vai aparecer como o primeiro sendo Pedro, depois vem Lino, Anacleto e outros duzentos e sessenta papas até hoje. No entanto, se pensarmos que o  papa representa a cabeça (Pai) de uma organização altamente hierarquizada, com sua sede na cidade de Roma (Vaticano, desde 1929), e que é escolhido em um conclave absolutamente secreto formado por cardeais, a história só registra esta possibilidade depois de Constantino, imperador romano, ter se convertido ao cristianismo no início do século IV. A partir daí, a Igreja se plasmou no Império Romano e praticamente copiou a sua organização. A rigor, somente a partir daí é que a Igreja passou a usar as dignidades bispo, arcebispo, cardeal e, especialmente, papa. E, assim, a rigor, ainda, o primeiro papa teria sido Silvestre, que governou a Igreja de 314 a 335.

Os católicos, em geral, acreditam que a sucessão do papa é obra do Espírito Santo. Creio que os cardeais podem até se sentir inspirados por ele quando dos seus votos, mas, de fato, a escolha do pontífice é resultado de muita análise, discussão, muitos acordos, conchavos, enfim, de muita política. O que não consigo entender são as razões pelas quais a Igreja mantém o conclave em segredo absoluto, alimentando o mito de que naquela reunião não há qualquer discussão política. Tenho prá mim que se trata de uma desconfiança milenar na maturidade da religiosidade dos católicos em geral. A hierarquia parece tratar sempre com tutela os leigos em geral. Acho uma pena, mas, quem sou eu perante a bimilenaridade da Igreja? Pensando bem, talvez seja exatamente este o segredo da sua longevidade...


3 comentários:

  1. Finalmente um pouco de lucidez sobre todo o imbróglio que suscita a corrida ao mais alto posto da igreja católica. Sou católico, mas de quando em vez, substancial um bocado de sensatez e lucidez sobre questões que aparentam não permear a rotina da Instituição. Muito boa e apropriada a presente reflexão, com o conhecimento e argúcia que são peculiares ao autor.

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  2. A Igreja, fruto da crença em algo superior, é algo humano, como bem comentou o autor.
    Só acho que o texto foi "light" demais com uma Instituição que, para sobreviver, fez acordos com "Deus e o diabo".
    Os países nórdicos (Dinamarca, Noruega, Finlândia, Islândia, entre outros) tem outra forma de viver que nós, aqui na Terra de Vera Cruz, nem temos notícias.
    Uma das razões para esse "outro modo de vida" é que o Império Romano e sua irmã siamesa, a Igreja Católica, lá não conseguiram chegar (os vikings não permitiram).
    Logo, um mundo sem a Igreja de Pedro seria melhor (os países nórdicos assim o comprovam).
    Como todo Império teve seu ocaso, torço para o fim da Igreja Católica.

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  3. Gostei do texto porque, ao meu ver, toca num ponto que os fiéis "normais" não conseguem compreender que é a dimensão política da igreja. Para alguns (a maioria?) criticar a bíblia, a igreja, o padre, o bispo, o cardeal ou o papa é criticar a própria fé! O que, penso, torna a discussão inviável. Fazer a diferença que você propõe do que é divino (para quem acredita, como diria meu velho pai) e do que é humano, ou terreno, é o grande problema em todo o debate. A bíblia não é a palavra de deus, não foi escrita por ele ou pelo grande J. C., é uma compilação de textos feita por homens, assim como a própria igreja foi e continuará sendo! A "veia" da discussão é boa, mas, difícil. Deixar de acreditar na bíblia é deixar de acreditar em deus? Tal pergunta, feita em sala de aula, talvez, tenha um peso maior do que pensamos! Somos todos seres políticos, mesmo, sendo apolíticos.

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