domingo, 17 de novembro de 2013

Tudo o que interessa à humanidade me interessa?

Meus amigos e meus leitores sabem que gosto de TV, particularmente de novelas. Nesta semana que passou algumas cenas vistas na telinha me chamaram a atenção e me levaram a refletir sobre a vida.

A primeira é da novela Amor à Vida. Os dois advogados do hospital ao prepararem a procuração do médico Cézar para sua esposa Aline, perceberam o quanto ela o estava manipulando, mas, mesmo depois de conversarem sobre a constatação, um deles não conseguiu perceber o quanto ele próprio está sendo manipulado pela sua namorada. A segunda cena é de um episódio de Jornada nas Estrelas - a próxima geração, em que numa volta ao passado, no final do século XIX, a tripulação da Enterprise encontra o famoso escritor Mark Twain, o qual perguntou o que aquela "visita" do futuro interessa a ele e, depois complementava, vendo o espanto no rosto dos outros com a pergunta aparentemente egoísta, que o que interessava à humanidade como um todo a ele interessava também. Pode ser muita criatividade minha, mas é possível fazer uma reflexão sobre as duas cenas.

Parece que sempre é mais difícil nos enxergarmos do que vermos, criticamente, os outros. Eles, os outros, em suas relações, são manipulados, manipuladores, ciumentos, carentes, neuróticos, inseguros, medrosos etc., mas, nós, dificilmente, conseguimos perceber tais características em nossas relações. O ciúme nos outros é descabido, em nós é sinal de amor e, portanto, é normal. A loucura dos outros não passa nem perto de nós. Dificilmente temos capacidade (ou a desenvolvemos) de estabelecer a crítica a nós mesmos, nos vermos como inseguros, ingênuos, medrosos, manipulados etc. A distância que temos para analisar os outros inexiste para nós mesmos. Aliás, é preciso considerar que isso é normal mesmo, tanto que bons professores podem não ser bons pais, bons teóricos podem não ser bons práticos e bons terapeutas precisam, sempre, ser pacientes para entenderem a si próprios...

Mas, o que parece, pelo menos para mim, é que a dificuldade natural de nos vermos criticamente em nossas relações, de ter consciência de quanto uma relação pode estar sendo mais morte do que vida para nós, é potencializada pelo individualismo exacerbado que vivemos hoje. Cada vez mais as pessoas desenvolvem como crivo de suas preocupações tão somente o próprio umbigo, ou seja, aquilo que diz respeito ao interesse e à satisfação absolutamente individuais e até mesquinhas. A dificuldade de se criar um autodistanciamento salutar e necessário é praticamente bloqueada pela não importância que se dá para os aspectos mais gerais, sociais, econômicos e culturais da sociedade.

Penso que não é a toa que o personagem Félix, também da novela Amor à Vida, tão propositadamente complexo construído pelo autor, chegou a ser defendido por muita gente pela repressão do seu pai à sua opção sexual, mesmo sendo um crápula, um corrupto, um mal-caráter assumido. Por quê? Porque parece que hoje o mais importante para se julgar as pessoas e, também, fazer um auto-julgamento é o que diz respeito tão-somente ao sentimento individual e não mais às práticas sociais mais gerais. Continuo vislumbrando um mundo em que, como disse o personagem de Mark Twain, tudo que interessa à humanidade como um todo interesse a todos individualmente!!!!


3 comentários:

  1. Célio, tem um texto do Freud, salvo engano, chamado "O estranho", em que ele discute exatamente essas questões! É mais "fácil" ver os problemas dos outros, do que aceitar que nós mesmo somos tão "ruins", "maus", "perversos" e "mesquinhos", talvez o impacto dessa auto-imagem transforma-se nossas vidas num martírio.

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