domingo, 27 de outubro de 2013

Felicidade (2)

A Organização Mundial da Saúde, órgão ligado a ONU, prevê que as doenças mentais e neurológicas atingirão 350 milhões de pessoas no mundo até 2020. A doença mais frequente é depressão, caracterizada por tristeza, perda de interesse, ausência de prazer, oscilações entre sentimentos de culpa e baixa auto-estima, além de distúrbios do sono e do apetite e, também, sensação de cansaço e falta de concentração. É, no mínimo, curioso constatar  que hoje se vive uma busca incessante por felicidade ao mesmo tempo que a infelicidade atinge cada vez mais pessoas. Continuo aqui a discussão do post anterior.

A felicidade hoje em dia parece ser definida como quantidade de prazer, ou seja, quanto mais prazer se consegue ter, mais feliz se é. Mas, o prazer numa sociedade consumista como a nossa necessita de dinheiro para satisfazê-lo e, assim, quanto mais dinheiro, mais prazer e mais felicidade; resumindo: dinheiro igual a felicidade. Numa sociedade como a nossa a equação é normal, aliás, desconfio de que na maioria das sociedades ao longo da história, riqueza significou, na opinião comum, felicidade. O que acho que é característico da nossa sociedade e que está no centro da dicotomia entre felicidade e infelicidade é o fato de que as pessoas, no geral, estão muito carentes. Carência de carinho, carência de atenção, de amizade, de amor, de sexo, de religião, de coisas materiais, enfim, carência de sentido da vida. Como as carências mais profundas são cada vez mais difíceis de entender e de preencher dado o individualismo e o egocentrismo cada vez mais profundos, tenta-se, desesperadamente (se bem que na grande maioria das vezes, de forma inconsciente), suprir as carências com coisas. Eu sempre penso, neste caso, no exemplo do celular, pois cada dia o mercado lança um aparelho novo com novidades e design mais moderno, o que resulta num mecanismo psicológico de criação da necessidade do novo celular, mesmo que o que tenhamos tenha todos os mecanismo atuais. A novidade no mercado (de variados produtos) cria a carência daquilo e a sua correspondente necessidade e, sem se dar conta de tal mecanismo, colocamos a nossa felicidade na sua aquisição; é um roda sem fim...

Penso que boa parte da relação entre as pessoas também passa pelo mesmo mecanismo de preenchimento dos vazios das carências. Como a lógica social e econômica passa pela propriedade e posse de coisas, a relação entre as pessoas passa, também, pelo sentimento de posse, de propriedade do outro. Mas, da mesma forma que a propriedade das coisas acaba por não preencher as carências, pois a necessidade de mais coisas tem que ser sempre instigada, é ilusão de felicidade ter o domínio do outro. Penso sempre, neste caso, no ciúme, especialmente daquele mais neurótico; o ciumento se sente feliz por ter a pessoa amada, mas é um eterno sofredor, por desconfiar sempre que a outra pessoa o está traindo; o ciumento quer controlar a pessoas, especialmente por meio das chantagens emocionais, e isso desencadeia uma processo que é marcado mais pelo sofrimento do que pela felicidade, pois sofrer por fantasmas criados é mais cruel e mais profundo.

O que está na base de todo prazer/sofrimento tão característico de nossa sociedade é, na minha opinião, o sentimento absolutamente individual e individualista que vivemos hoje. Começa-se só e se termina só, mesmo que acompanhado. As coisas são volúveis, as relações são volúveis e o que sobra é a sensação profunda e dramática da solidão. A busca incessante, busca neurótica pelo outro, é uma busca desesperada por nós mesmos; como não nos encontramos no outro, perdemos a nós mesmos!!!! É claro que isso não se aplica a todas as pessoas, mas tenho convicção de que se trata de uma forte marca na atualidade. (pretendo continuar o assunto num próximo post)




2 comentários:

  1. Bem interessante o texto Célio....vc está certo, as pessoas de hoje são individualistas e volúveis.
    Sabe, não precisamos ir tão longe para compreendermos as mudanças que estão ocorrendo, causando esse sofrimento coletivo na humanidade.
    Se lembrarmos da nossa infância e fizermos uma comparação entre as pessoas daquela época com as pessoas de hoje, perceberemos o quanto a dinâmica da vida era diferente. As mulheres cuidavam da família com zelo, se preocupando com coisas simples como manter as camisas do marido muito bem passadas, ou o que fazer para o jantar...Já os maridos mantinham-se respeitáveis chefes de família, e por mais que a vida fosse difícil em outros aspectos, em casa eram reis, como devia ser....No domingo a família ia à igreja e depois almoçar com pais e avós....sempre lembrando de cobrar das crianças a boa educação e o respeito pelo próximo.
    Não eram raras as vezes que minha mãe preparava um prato de comida para dar a algum pobre coitado pedinte, e depois um café fresquinho.
    Esses pequenos gestos determinavam nas pessoas valores que as acompanhavam por toda vida. Rituais diários, como horário para tomar banho, para fazer as refeições, ou mesmo para assistir tv, por banais que fossem, despertavam nas pessoas uma responsabilidade que de certa forma dava significado às suas vidas.
    As pessoas não eram tão insatisfeitas, tão questionadoras. E acredito que o grande conflito está justamente nessa transição, em que o ser humano já não se satisfaz com aquela "vidinha de detalhes" de antes, mas também, não consegue se ajustar ao novo mundo de uma forma evoluída e perceber que a felicidade não é utopia.
    É preciso aceitar o novo mundo e encontrar nele um lugar seguro, que desperte o entendimento de que podemos sim, viver em mundos paralelos, encontrando equilíbrio entre as paixões mundanas e os valores deixamos como herança pelos nossos pais....
    Abraços!!

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  2. Oi Célio, gostei muito do seu texto, mais ainda porque foi escrito por um homem!! bjs....

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