sexta-feira, 6 de junho de 2014

A fratura brasileira: pequenos ensaios sobre a copa (parte 2)


Dando continuidade à reflexão anterior quero, inicialmente, esclarecer que a intenção do post anterior foi comparar dois momentos em que a seleção brasileira de futebol e a copa do mundo são criticadas por motivos políticos e não comparar dois governos políticos do Brasil, pois é inegável, é incomparável mesmo relacionar um governo ditatorial como o militar, em que a democracia foi atacada em seus fundamentos, e um governo eleito democraticamente.

Voltando à discussão sobre a fratura social que eu identifico, quero refletir sobre os motivos apresentados pelos brasileiros para que o Brasil não sediasse a copa. Basicamente, o que se critica é o fato de que o dinheiro usado para construir os estádios deveria ser canalizado para outras necessidades básicas da população, como saúde, habitação e educação. Claro que é impossível discordar, se se tiver um mínimo de sensibilidade social, que o Brasil necessita, e muito, de mais investimentos sociais; também é inegável constatar que os estádios reformados ou construídos para os jogos do mundial custaram além do que poderiam custar se tivéssemos um planejamento e uma execução realmente sérias no Brasil; e, mesmo com gastos exorbitantes, alguns estádios somente ficaram prontos às vésperas do torneio, como o de São Paulo e o de Curitiba. No entanto, fico me perguntando qual o país hoje, no mundo, que não precisa de investimentos sociais; quais países no mundo que não têm suas crises sociais e que, caso se candidatassem para realizar o mundial, não receberiam críticas de sua população? O que se passa, em minha opinião, é que as críticas, independente da realização ou não da copa no Brasil, continuariam a ser feitas, pois não me parece, com toda a sinceridade, que o futebol é a causa de todos os males, mas, sim, um pretexto para se achar e se crucificar aqueles que são considerados os responsáveis pelas mazelas sociais. Desta forma sou levado a pensar que a copa do mundo em terras brasileiras expõe ou é expressão de uma fratura social muito séria.

O brasileiro, que se acostumou a se orgulhar de ter algumas coisas maiores do mundo, como a hidrelétrica de Itaupu e o estádio do Maracanã (que deixou de ser o maior do mundo após a primeira grande reforma anos atrás, quando retirou-se a arquibancada das gerais) parece que sofre, na verdade, de um complexo de pobre, que talvez derive de seu processo colonizador, cujo rompimento foi feito de cima para baixo, sem efetiva participação popular. Há uma espécie de psicologia da pobreza que introjeta na pessoa despossuída de bens evitar, por exemplo, certos lugares tidos como próprios para os ricos, como os grandes e caros shopping-centers. Me parece que tal sentimento se estende por grande parte da população que acha que o Brasil, por ser um país ainda com mazelas sociais, não pode sediar a copa do mundo, fato este que deveria ser reservado apenas para os países ricos.  O México, por exemplo, sediou a copa duas vezes, se bem que antes, ainda, do famoso padrão-fifa de qualidade, e a África do Sul sediou a última copa, já obedecendo tal padrão. Ficaram piores do eram? Poderiam ter melhorado sem a copa? Sinceramente, eu responderia negativamente às duas questões.

Penso que a copa do mundo não deve ser utilizada politicamente para encobrir nossos reais e complexos problemas sociais, econômicos e políticos. Penso, também, que a copa no Brasil não deveria servir de pretexto para fazer dela, ou mais propriamente, das críticas à sua realização, um instrumento político de fundo eleitoral. De minha parte, tenho muito orgulho da realização da copa do mundo novamente em terras brasileiras. Acho que o padrão-fifa de qualidade nos estádios é excelente para o conforto dos torcedores que não podem ser tratados com desrespeito (como, por exemplo, aconteceu na final do campeonato paranaense de futebol recentemente aqui em Maringá, quando mais de dois mil torcedores que já haviam comprado ingresso ficaram de fora do estádio porque não cabia mais pessoas, as quais, em sua maioria, estavam apinhadas e sentados em um cimento duro e sujo nas arquibancadas); será que não merecemos mais?? Será que não está na hora de exigirmos ser tratados como os torcedores são tratados nos estádios, pequenos ou grandes, da Europa?

Paro por aqui enquanto vou amadurecendo a terceira parte desta reflexão...


2 comentários:

  1. Gostei da reflexão e compartilho dela! Acrescento duas ponderações, uma é a questão: a "psicologia da pobreza" é a síndrome do vira - lata? E, segundo, acho que esse "complexo" não é só dos despossuídos, mas, também (e talvez em um nível mais acentuado) das chamadas "elites" que não conseguem (e, provavelmente não queiram) aceitar o fato do país superar os limites impostos pela nossa trajetória histórica conturbada. Nesse ponto, acho que são mais colonizados que os "humildes". No aguardo para a terceira parte!

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  2. Obrigado pelo comentário David! O complexo de vira-lata é geral mesmo, mas para as elites ele interessa mais, pois um povo sem auto-estima é um povo que não exige as coisas no nível que merece. Não é estranho que o tal padrão-fifa dos estádios ser tão contrastante com a realidade dos estádios no Brasil??

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