domingo, 1 de junho de 2014

A fratura brasileira: pequenos ensaios sobre a copa (parte 1)


Me proponho aqui a apresentar algumas reflexões sobre o contexto atual que envolve a realização da Copa do Mundo da Fifa no Brasil. Conversando com amigos, creio que é necessário se posicionar sobre a realização da copa aqui em terras tupiniquins, pois para fazer isto é necessário pensar sobre outros pontos que acabam por ser correlatos. Adianto que sou favorável a que o Brasil promova o principal evento esportivo do planeta. Mas, inegavelmente, a sua realização expõe uma fratura no tecido social brasileiro que pode ter consequências complicadas para nosso país.

O que ocorre hoje não me parece diferente do que ocorreu na década de 1970, especialmente no início, quando o Brasil, em meio ao regime militar, conquistou o tri-campeonato mundial de futebol, apresentando uma seleção tida como uma das melhores da história, com Pelé, Tostão, Gerson, Rivelino etc. As pessoas que ou militavam ou simplesmente eram contrárias a ditadura falavam que torcer para o Brasil em gramados mexicanos era colaborar com os militares, contribuindo ideologicamente com o governo repressor e de direita no Brasil. Eu, que comecei a militar na política em meados da década de 1980, que já era fanático por futebol, que tive o prazer e a dor de ver a seleção brasileira na copa da Espanha em 1982 (a melhor seleção brasileira que eu vi jogar), por vezes me vi impelido a controlar minhas pulsões futebolísticas e condenar o campeonato mundial conseguido no México, porque, para muitos companheiros de luta, vibrar com os lances reprisados na TV  (inesquecíveis) da final contra a Itália, era deixar de ser de esquerda e, por consequência, se tornar alienado. Confesso que tive crises internas, mas, ao final de contas, consegui separar as coisas em meu coração e mente e assumi meu gosto futebolístico, especialmente pela seleção brasileira, a qual sempre me inspirou um nacionalismo que eu gosto de cultivar, sem perder o senso crítico.

Mas, a questão que quero refletir aqui é sobre uma fratura social que, na minha opinião, a discórdia sobre a realização da copa representa para nós brasileiros. O Brasil, como muitos autores já descreveram, não tem um espírito nacionalista, como vemos, por exemplo, no EUA e no México (me lembro que quando passei o ano novo no México uma vez, em que meus cunhados convidaram amigos mexicanos para a festa em sua casa, as rádios tocaram o hino nacional mexicano à meia-noite). Aqui, talvez porque nossa nacionalidade foi resultado de articulações e ações de uma elite e nunca do povo em geral, como a Independência e a República, talvez por que nossas revoluções foram de cima para baixo e não o contrário, não desenvolvemos um espírito nacionalista, ao contrário, no geral o que percebo é uma certa vergonha de ser brasileiro. O futebol talvez tenha sido, desde a segunda metade do século XX, uma das únicas instituições que unia as pessoas em torno de um sentimento nacional (Airton Senna foi, com certeza, uma excessão à regra, pois nos sentíamos orgulhosos com as vitórias e demonstrações de nacionalidade típicos dele). Bem ou mal, o futebol fazia este papel, de união das pessoas, em determinados momentos, para além das divisões políticas, sociais e econômicas.

Paro por aqui hoje pois é apenas um início de uma reflexão. Além do mais, como algumas pessoas me recomendaram, quando criei meu blog, que as postagens não deveriam ser longas, o que procuro sempre seguir.


2 comentários:

  1. Olá Célio,
    Acho que o que acontece hoje no Brasil é muito diferente do que ocorreu em 1970. Célio, é incomparável o que se vive hoje e o que se vivia então! Era uma ditadura. Por mais que você tenha ressalvas sobre o governo atual, nem tem termos de comparação com o que acontecia em 1970. Somos historiadores, sabemos definir muito bem conjunturas históricas. Acho que temos uma obrigação de ofício de não fazer este tipo de generalização superficial na qual a mídia vem apostando!

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  2. Célia, minha comparação é com o clima de anti-copa que se vive no Brasil hoje. Nada tem a ver com comparar governos completamente diferentes. Se dei esta impressão foi mal de minha parte. O que quero enfatizar é que há um clima de crítica à copa do mundo como na década de 70 se criticava a seleção brasileira como atrelada a ditadura. O que me preocupa, na verdade, é a extensão das críticas e o que isto significa em termos de fissura social, o que pretendo tratar nos próximos posts.

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