quarta-feira, 3 de outubro de 2018

E se as eleições de hoje fossem há 100 anos atrás?


Estes dias estão sendo de muita reflexão sobre a atual conjuntura política brasileira. Procuro entender a quantidade expressiva de votos que o candidato Bolsonaro deverá ter no próximo dia 07 de outubro. Procuro entender as motivações de pessoas esclarecidas, estudadas, em optar por um salvador da pátria como o próximo presidente do Brasil.

Creio que há duas grandes frentes  de votos para ele (que podem ser subdivididas em outras, mas não vou fazer este exercício aqui) a primeira, mais fiel, de uma parcela declaradamente conservada em termos morais, que vêem em Bolsonaro, por ser abertamente contra a ideologia de gênero, ser abertamente homofóbico e machista, um defensor dos valores supostamente perdidos da família brasileira. O conservadorismo existe e sempre existiu na história da humanidade, pois diante de novidades das gerações mais novas, a geração anterior normalmente atribui a isto um desvio perigoso do desejado  comportamento humano, especialmente dos mais jovens; além disso, a religião sempre é usada como justificativa para que não haja mudanças que coloquem em xeque aquilo que, segundo os lideres das igrejas, Deus quer de nós.  Outra parcela reune em sua grande maioria o movimento antipetista, com um discurso contra a corrupção. No entanto, este segundo grupo é composto, também, pelas pessoas que se deludiriam com a política e que, diante de um vazio gerado pela ausência da polarização PSDB x PT, optam por um candidato supostamente novo e, também, supostamente não atrelado à corrupção política brasileira. Diante deste quadro, no entanto,  estou fazendo, por esses dias, um exercício mental-imaginativo-fantasioso que talvez contribua para pensarmos, efetivamente, o que seria um possível governo do Bolsonaro no Brasil: imaginemos  se as eleições deste ano fossem há 100 anos atrás e se o Bolsonaro fosse candidato?

No início do século XX o Brasil vivia um momento de entrada na era republicana e muitos líderes advogavam a necessidade de formar um cidadão que contribuísse para que o Brasil se desenvolvesse e se tornasse social, econômica e politicamente tão grande quanto o seu território. Nesse movimento tivemos importantes avanços sociais que repercutem até hoje. Avanços que foram conseguidos mediante muita luta e, especialmente, em lideranças políticas que assumiram bandeiras sociais importantes e colocaram parte de seus mandatos a serviço do enfrentamento do conservadorismo. Vejamos, hipoteticamente (mas, sem sombra de dúvida, bastante real), naquele quadro social, uma plataforma política do candidato Bolsonaro do passado:

- pelo restabelecimento da escravidão no Brasil, pois os negros, sendo uma raça inferior, não têm como arranjar empregos decentes e só vão fazer aumentar a pobreza e a violência no Brasil;
- pela manutenção do voto para aqueles que possuem propriedades, pois as pessoas comuns, destituídas de boa educação, não podem influenciar no futuro do país;
- pela manutenção dos votos somente para homens, pois o lugar das mulheres, por sua constituição física, é o lar, cuidando dos seus filhos e maridos, e, por isso, elas não tem maturidade racional para exercer o seríssimo direito ao voto;
- pela redução das áreas destinadas aos índios, pois eles não precisam de grandes áreas para viver, pois, além de preguiçosos, eles são indolentes e as áreas destinadas a eles devem ser repassadas para os nossos capitalistas agrários para produzirem os alimentos para os brasileiros;
- pela tipicação  do homossexualismo como crime contra a humanidade e a religião, pois subverte, demoníacamente, a sagrada família brasileira, pois Deus, em sua infinita sabedoria, criou o homem e a mulher somente. Os crimes de homossexualismo devem ser punidos com a prisão e a castração química e, na reincidência, com a morte;
- pena de morte para todos os criminosos, independente se forem simples ladrões ou assassinos. Os policiais estarão liberados para primeiro atirar e depois perguntar;
- pelo retorno imediato do Brasil cristão, devendo ser proibida qualquer religião que contrarie os dogmas da Santa Madre Igreja.

O que nos parece hoje este tipo de plataforma política? Horrível, atrasada, perniciosa, criminosa?? Sim, tudo isto e muito mais... mas, atualizando o discurso do Bolsonaro e sua plataforma política hoje, não seria a mesma coisa?? O Brasil se tornou democrata e republicano enfrentando os discursos acima, pois sempre teve gente (as vezes menos, as vezes mais) que defenderam todos aqueles pontos e outros mais, numa atitude conservadora e reacionária diante do que acreditavam ser pernicioso para a família, para a religião e para o país. Imagine se "ele" tivessem vencido? Mulheres, negros, índios, homossexuais, democracia, espírito republicano, liberdade religiosa... todos os avanços não teriam acontecido...

E agora a pergunta fatal: o que será se o Bolsonaro ganhar agora??

PS: sou a favor de qualquer opinião sobre qualquer coisa; acho que a democracia pressupõe que a ninguém deva ser cercado seu direito a expressar-se. Portanto, não tenho nenhum problema com as opinões conservadoras, pois o conservadorismo sempre fez e sempre fará parte da sociedade; meu problema é quando o conservadorismo se torna projeto político que coloca em risco os avanços sociais que foram conseguidos a duras penas...


domingo, 23 de setembro de 2018

O coiso... ele...


Alguns amigos e algumas amigas podem discordar do que segue aqui, mas sei que como tais, amigos e amigas, me conhecem para saber as minhas motivações e minha visão de mundo. Desde o ano passado tenho conversado com algumas pessoas sobre as eleições presidenciais que se aproximam, e disse para todos que eu não tinha um candidato definido, nem à época e nem agora, mas que tinha apenas uma campanha a fazer: contra o Bolsonaro. E é sobre o atual clima das eleições presidenciais que me motivo a escrever aqui: me causa estranhamento ver em postagens de amigos e amigas, especialmente no facebook, referências ao Bolsonaro como "coiso", "ele", negando-se a pronunciar o nome do candidato. Mesmo sabendo que o facebook possa usar os algoritmos que acabam por evidenciar o nome dele, ainda assim me causa estranhamento.

Me perguntava porque isto me incomoda? Depois de pensar um pouco me veio que não querer sequer pronunciar o nome dele parece quase como uma atitude religiosa, parecido com o costume antigo(?) de não pronunciar o nome do demônio para que os maus agouros não o trouxesse, ou mesmo, o medo de pronunciar o nome do diabo (ou belzebu, ou lúcifer, ou tinhoso...), pelo fato de que o simples fato de falar tal nome já despertasse na entidade um desejo de "conhecer" a pessoa que, de certa forma, o invocou. Me lembro quando criança, adolescente e, mesmo na juventude, pessoas não pronunciarem o nome da doença câncer, falavam "aquela doença ruim", porque não queriam, não sei exatamente porque, assustar as pessoas, mas desconfio que era a mesma lógica de não pronunciar a palavra demônio, para que se afugentasse o mal da pessoa que estava falando.

Pelo clima maniqueísta criado há algum tempo na política brasileira, potencializado pelas redes sociais, a luta pela verdade ganhou quase que contornos religiosos. Pessoas de um grupo chamando as pessoas de outro grupo de corruptos, comunistas, petralhas, coxinhas, conservadores, hipócritas etc. Os dois grupos se xingam mutuamente, um defendendo que está quase como "ungido" da verdade e que, por consequência, o outro está afundado na mentira. O caminho para a salvação passa pelos candidatos que  os grupos defendem, também quase que de forma religiosa, como carismáticos salvadores da pátria. Eu acho que se recusar a chamar pelo nome o candidato que se está atacando reverbera em uma ação política que pode estar pautada numa militância quase que religiosa. O Brasil não precisa, para seu amadurecimento político, de salvadores da pátria, e sim de pessoas comprometidas com uma visão de conjunto dos problemas reais brasileiros e que sejam capazes de apontar, com seriedade, com sobriedade e com realismo, as possíveis saídas para a crise. A solução dos problemas não depende de simplismos e promessas mágicas, pois a crise em que o Brasil se encontra é muito mais profunda do que podemos imaginar.

Estamos em um momento muito sério no Brasil, em que temos que pensar e participar da política de forma sóbria, ponderada e (infelizmente) pragmática. Assim, o meu candidato nunca vai ser o Bolsonaro porque ele representa, na minha visão, exatamente o que eu não quero para o futuro do Brasil: violência, misoginia, racismo, homofobia, arrogância do colonizador, a economia nas mãos de técnicos sem a ponderação das políticas públicas e, especialmente, bravatas de quem está há quase três décadas na política e não fez absolutamente nada para mudar, ou seja, eu não quero o oportunismo político como critério de escolha para nossos governantes.  Alguém que prega a superioridade racial, a de gênero, a de pessoas armadas, não pode ser a minha escolha. Alguém que pode colocar em risco a democracia com seu discurso de violência e de exaltação à ditadura militar no Brasil, não pode ser meu candidato. Alguém que pode, em um eventual governo, criar milícias a paisana no Brasil para controlar e cercear a liberdades garantidas constitucionalmente para todos, não pode ser meu candidato. Alguém que pode colocar em risco a estabilidade social, política e econômica que tanto o Brasil precisa nos próximos anos não pode ser minha escolha.

Faço campanha, sim, contra o Jair Messias Bolsonaro!! Porque tenho convicção de que com ele, como presidente, o Brasil piorará sensivelmente em seus padrões republicanos, democráticos e civilizatórios. Todas as suas bravatas serão desmascaradas, porque a conquista da liberdade humana é irreversível, com todas as suas dores e delícias. A duras penas o Brasil se tornou um país oficialmente laico, em que a liberdade religiosa é garantida; corrermos o risco de, em nome de uma religião, retrocedermos na história é, com toda a certeza, abrir a possibilidade concreta de reativarmos os tribunais da inquisição... por isso que a apologia à violência é uma marca do Bolsonaro...

sábado, 9 de junho de 2018

Bons Casmurros - um convite à leitura


Há pouco mais de sete meses faço parte de um grupo de leitura intitulado Bons Casmurros. Sob a liderança do Victor Simião, este grupo se reune a cada três semanas no Café Literário, perto da UEM, para debater vários tipos de livros, desde clássicos até os mais modernos romances, ficções, poesias, teatros, biografias, e até histórias em quadrinhos. Cerca de trinta pessoas gravitam em torno do grupo, variando a idade de 15 a 60 anos, mas umas quinze pessoas efetivamente participam. Eu estava com vontade de fazer parte dos Bons Casmurros há uns dois anos, mas só tive a oportunidade concreta de fazê-lo no final do ano passado (obrigado à Maria!!). Agora, além de ser mais um participante, estou tendo o prazer de fazer novas amizades e reaver outras antigas.

Quero refletir aqui sobre o que significa fazer parte de um projeto com tais características, mais do que ficar fazendo uma descrição das suas atividades. Todas as discussões que fiz parte até agora foram ricas, foram profundas e se  tornaram, especialmente, momentos de aprendizagem de minha parte. É muito interessante ver como cada pessoa lê o mesmo livro; como cada indivíduo faz a sua apreciação e as suas críticas; como cada ser ali presente submerge na história e, depois, emerge diferente, tocado pelo enredo e pelos personagens. A literatura tem dessas coisas: é uma subjetividade que escreve e que dialoga com cada subjetividade que lê. Alguém já disse que o que escrevemos deixa de nos pertencer e passa a fazer parte da vida daqueles que nos leem e nos interpretam. Concordo!! Se nos escritos acadêmicos isto acontece, na literatura é uma realidade plena e contundente. Afinal, o que seria de Shakespeare, Cervantes, Dante, Machado de Assis, Dostoiévski, Balzac, se não fossem seus leitores?? O que seria de Shirley Jackson, John Green, Misha Glenny, Helena Ferrante, Hilda Hilst, Luiz Rufatto, se não fossem as pessoas que os leram e comentaram com outras pessoas que seus livros eram muito bons? Eu jamais leria autores modernos se não fosse por este grupo, pois minha formação e gosto pessoal sempre me levaram em direção aos clássicos. Mas, a experiência de ler autores atuais tem sido gratificante. Já li livros que não gostei muito, outros que simplesmente gostei e outros que gostei mais...

Mas, talvez a característica mais gratificante do grupo e que eu quero destacar aqui é que todas as discussões até agora têm um alto nível de crítica. Crítica no sentido de que as pessoas dialogam de verdade com os autores, porque dialogam com a vida. Crítica no sentido de avaliar com recursos pessoais de profundidade e não apenas repercutir o que os outros pensam. A visão crítica para com os livros se estende, naturalmente, para uma visão crítica com relação à sociedade de forma geral, com suas instituições, suas ideologias e suas idiossincrasias. Eu que sou do mundo acadêmico partilhei  por um tempo de um preconceito que faz parte deste mundo: a criticidade se faz dentro dos muros da universidade. Ledo engano!! O espírito crítico se forja, especialmente mas não de forma exclusiva,  na leitura de bons livros, que trazem histórias que dialogam com a vida do leitor, que o faz sair de seu mundinho umbilical e o faz levantar a cabeça e buscar ser uma individualidade neste mundo tão ausente delas. Individualidade é diferente de individualismo e de coletivismo; é um meio-termo em que o indivíduo se fortalece, toma consciência de que ele é social, mas que também deve forjar a sua forma de pensar o mundo, sem se deixar levar por interesses mesquinhos e nem ser como gado em curral sendo levado de um lado ao outro por "tocadores de mentes".

Em um mundo como o nosso, em um tempo como o nosso, em que muitas coisas estão acontecendo rapidamente e ao mesmo tempo; em que vivemos as "dores do parto" de algo novo; estarmos atentos criticamente para não sermos meros reprodutores de ideias e ideais é uma necessidade de sobrevivência. Ler é uma ótima e poderosa vacina que nos imuniza ou, o que também é salutar, nos deixa mais "malucos beleza" num mundo que não pode ser levado tão a sério!! Ler é preciso; ler bons livros é fundamental!! E o Bons Casmurros está aí para contribuir!!

Obrigado a todas as pessoas que integram o grupo e que me permitem crescer cada vez que nos encontramos! É muito bom estar com vocês, seja no Café Literário ou nos bares da vida! Termino aqui pois tenho que adiantar a leitura de O Conto da Aia, de Margaret Atwood, nosso próximo livro...



quarta-feira, 11 de abril de 2018

Merlí - e os peripatéticos



Ficar muito tempo sem publicar algo aqui me gerou dúvidas quanto a sobre o que escrever. Pensei em rascunhar alguma coisa sobre a atual situação que rola no Brasil, em termos políticos, mas ficará para outra oportunidade. Hoje vou aproveitar que terminei mais uma série da Netflix para sobre ela escrever: Merlí. Uma série catalã basicamente centrada em um professor de Filosofia do Ensino Médio de uma escola pública que dá o nome à série.

Merlí é uma série que tem três temporadas, as duas primeiras com treze episódios cada uma e a terceira, e última, com quatorze episódios. É uma série que foge do padrão "hollywoodiano", como House of Cards, Homeland, Breaking Bad, ou mesmo Game of Thronos. Ela é produzida pela TV3 da Catalunha, e tem atores pouco conhecidos, como o protagonista  Francesc Orella, que fez inúmeros filmes, programas de TV e peças de teatro, mas que pouco chegam até nós. Aliás, é uma inciativa muito bacana da Netflix que compra e disponibiliza séries fora do circuito comercial, como,  em outro exemplo, Rita , uma série dinamarquesa também sobre uma professora de escola pública.

Talvez diferentemente de outras pessoas que assistiram a série penso que a sua grande virtude é construir uma trama complexa com personagens igualmente complexos. É verdade que o mote é um professor de Filosofia que, numa didática diferente do convencional, consegue fazer com que seus alunos (os seus peripatéticos, como ele chama a turma, em clara referência a Aristóteles) passem a ser questionadores do atual estado social, cultural, religioso, econômico e político. A Filosofia se torna, como sempre deverá ser, instrumento para tornar as pessoas críticas, com o passeio que o professor Merlí Bergeron faz de seus alunos com Platão, Aristóteles, Agostinho, Plotinho, Marx, Hegel, Nietzsche, Smith, Sartre, Zizek, Baumann, dentre outros. Eu, como sou formado em Filosofia e trabalho as disciplinas Fundamentos Filosóficos da Educação na Antiguidade e Medievalidade no curso de graduação em Pedagogia, posso atestar que a forma como os filósofos são apresentados faz jus aos seus pensamentos. E, mais, o planejamento de Merlí, um tanto anárquico, não apresenta os filósofos em uma ordem cronológica, ele os introduz de acordo com o tema que quer trabalhar; assim, de Platão ele vai a Maquiavel, depois a Baumann, volta para Epicuro, avança para Heidegger, volta a Socrátes... de uma forma muito bem elaborada e com um sentido lógico. Mas, o mais interessante é que, independente do filósofo,  o professor sempre faz a relação do seu pensamento com as questões da atualidade, pois, dessa forma, os alunos conseguem dialogar com diferentes filosofias e, essencialmente, dialogar com eles mesmos.

Merlí é um personagem humano, pois ele não é idealizado como senhor das virtudes, pois apresenta vários defeitos, pelos quais, inclusive, as vezes paga preço alto. Seus alunos vivem, cada um, vidas complicadas, com várias experiências e famílias que dão um toque por vezes dramático ao enredo. Foi muito bonito e emocionante acompanhar a vida deles e de como cada um, a sua maneira, foi tentando resolver seus problemas. Questões próprias da nossa sociedade no que diz respeito à juventude são tratadas de forma aberta, como drogas, sexo, homossexualismo, racismo, mãe solteira, suicídio, morte etc.. A escola pública, bem como os problemas das pessoas que dela dependem, também são mostrados de forma bem realista, apresentando que, num mundo dominado pelo capital, dominado pelos interesses políticos de grupos que têm projetos de poder e não de governo, quem sofre são os despossuídos e as instituições que do governo dependem, e isto em um país de primeiro mundo.

Enfim, recomendo esta série a todos aqueles que querem passar várias e várias horas assistindo um enredo cheio de nuances, que foge ao maniqueísmo, com personagens fortes, com histórias pessoais que se entrelaçam em outras histórias e que nos faz rir, ficar com raiva, torcer e chorar. O último episódio é particularmente emocionante, mas não vou aqui dar spoiler.

"Me llamo Merlí... y quiero que la filosofía os haga 'trempar' (se excitar)"



sábado, 11 de novembro de 2017

Celso



Conheci o Celso em 1992, durante o Josuem (jogos dos servidores da UEM), em que eu jogava futebol pelo CCH (Centro de Ciências Humanas) e ele jogava pelo time da PRH (Pró-Reitoria de Recursos Humanos). De lá para cá trabalhamos juntos na gestão dos professores Souza e Neuza, de 1994 a 1998, eu na chefia de gabinete e ele na chefia do cerimonial; ele morou em casa um tempinho (me falha a memória quando foi), pois tinha quebrado a perna e estava estudando para um concurso; fui padrinho de casamento dele com a Sandra, em 2000 ou 2001; mas, o mais importante é que fomos amigos, no sentido mais profundo e bonito deste substantivo, especialmente desde 1994. Ao mesmo tempo que é difícil escrever algo para o Celso como minha última homenagem a ele, por causa da dor de sua partida, é muito fácil dele lembrar e sobre ele escrever.

O Celso fez Direito na UEM e começou a trabalhar na mesma universidade antes de mim, ou seja, antes de 1989. Pela sua formação, pela sua articulação política, pela sua liderança e pela sua capacidade de diálogo, ele ocupou cargos de relevância na nossa universidade. Além da já citada chefia do cerimonial, em que pode desenvolver uma de suas habilidades, que era falar em público, ele foi, sucessivamente, Diretor de Pessoal, de 1998 a 2002, Procurador Jurídico, de 2002 a 2006, Presidente do Sinteemar (Sindicato dos servidores da UEM) de 2013 a 2016. Além disso ele foi o representante dos servidores técnicos no Conselho de Administração da UEM, função que lhe rendeu a liderança e o respeito dos seus pares, pois ele os representou muito bem, especialmente em momentos decisivos da carreira dos servidores. É impossível separar a história pessoal dele de sua atuação, intensa e significativa, na UEM.

O Celso foi uma das melhores almas que conheci. Como disse o Erivelto, nosso amigo em comum, hoje de manhã, sempre foi fácil estar perto dele. Pessoa tranquila, raramente perdia a serenidade, bom de conversa, especialmente sobre música e futebol. Claro que o Celso tinha defeitos, mas, sinceramente, não estou nem aí para deles falar, pois os seus defeitos o tornavam humano, só isto!! É interessante que apesar de sermos amigos-irmãos, nem sempre estivemos no mesmo lado político na UEM. Na campanhas para reitor de 2002 e 2006 (campanhas, no geral, que nós dois tivemos participação intensa) estivemos em lados diferentes; ele levou uma e eu outra; empatamos! Mas, em nenhum momento nossa amizade sequer balançou, ao contrário, o respeito mútuo somente cresceu. Para não ficar excessivamente longo este depoimento/homenagem, uma história e uma sua característica.

A história: no início de 1997 ele, como chefe do cerimonial, organizou a colação de grau dos alunos da UEM no ginásio Chico Neto, e eu, como chefe de gabinete, ou seja, como seu chefe imediato, tinha que aprovar tudo. Ele veio com uma ideia de fazer algo diferente ao final da cerimônia, que era realizada em dois dias: fazer um letreiro escrito "Parabéns aos graduados da UEM", escrito com pólvora que, ao final, com as luzes desligadas, seria aceso e proporcionaria um visual deslumbrante. Fizemos sem comunicar o reitor Souza, para não estragar a surpresa. Foi lindo! Todos aplaudiram! No entanto, como diz a lei da física que a fumaça quente sobe a fria desce, depois de cinco minutos a fumaça toda desceu e cobriu todos (umas três mil pessoas ao todo), quase causando um alvoroço. Bombeiros foram chamados, mas, descobriram que nem sempre onde há fumaça há fogo. Ainda bem! Resultado: levamos um senhora de uma bronca do reitor e, claro, não repetimos no outro dia. (estou rindo sozinho aqui lembrando de tudo...).

A característica: Celso foi o palmeirense mais entusiasmado que conheci; muito mais do que eu, que sou palmeirense.  Se pedirem para as pessoas que o conheceram lembrar dele certamente o farão vestido com a camisa ou agasalho do Palmeiras. Ele sempre comprou todas as camisas do time, as de jogo (primeira, segunda e terceira camisas) e as de treino; os calções; as meias; as camisas de goleiro, de manga curta e longa; os agasalhos. Quando não estava vestido com uniforme do Palmeiras ele estava, geralmente, de terno (outro tipo de roupa de que gostava muito), ou seja, sempre estava muito elegante! Mas, apesar de todo o entusiasmo ele não era fanático, como tantas vezes as pessoas assim o qualificaram, pois fanatismo significa intolerância com o diferente. Ele sempre respeitou os torcedores dos outros times, mesmo os corinthianos!! Eu posso afirmar com segurança que nunca vi o Celso discutir seriamente com alguém por causa de futebol; nem nos campos em que ele jogava (aliás, um ótimo centroavante), nem nas resenhas, bares, churrascos, com ou sem bebida alcoólica. Ele sempre foi assim, um torcedor ardoroso, mas nunca colocou o glorioso Palmeiras acima das amizades. Por isso sempre foi muito fácil estar com ele.

É isso meu amigo!! Um pouco de quem você foi e é, pois seu corpo se esvaiu, mas sua memória sempre vai estar comigo. Você me fez muito bem sempre!! Foi um baita privilégio conviver contigo por tantos anos!! Você fará muita falta na vida de muita gente, especialmente seus familiares e amigos mais próximos, mas saiba que sua presença, palavras e seu jeito de ser contribuíram para muitos de nós sermos melhores. Especialmente eu!!!!!!

domingo, 1 de outubro de 2017

Vaidade e (im)produtivismo...

(Microconto livremente inspirado em Machado de Assis)


Recentemente foi encontrado um manuscrito antigo, de autoria desconhecida, que relata a vida em uma sociedade bem diferente desta nossa em que vivemos. Pelo manuscrito não se sabe que época é retratada nem exatamente o local, mas sabe-se que eram seres humanos vivendo de forma organizada e, em princípio, racionalmente. Provavelmente em algum ilha razoavelmente grande de algum imenso oceano. Perto da ilha de Utopia? Quem sabe... restam apenas especulações, até porque esta sociedade deixou de existir há muito tempo... Bem, vamos a uma síntese do que está no pergaminho.

Aquela sociedade se organizava em torno da luta, ou melhor dizendo, da pugna, com regras bem claras, e, com o passar do tempo, cada vez mais regrada. No começo as pessoas lutavam porque gostavam, porque diziam que era saudável para o corpo e para o espírito e, especialmente, porque poderiam passar as técnicas de luta para pessoas mais jovens. Assim, criaram uma espécie de programas de treinamento para passar as técnicas, tanto práticas como teóricas, para aqueles que passaram a ser os alunos. E, como aferição dos resultados, os alunos teriam que desenvolver novas técnicas e formas de lutas e apresentarem perante uma banca. Como, pelo que se pode apreender do pergaminho, aquela sociedade era razoavelmente grande, dividida em distritos, uns mais centrais e ricos e outros mais periféricos e pobres, logo começou a existir uma forma de ranking entre os programas. E, por uma decorrência que só afeta os seres humanos em toda a sua longa história, a vaidade começou a tomar conta de algumas pessoas. Aqueles que estavam no topo do ranking se sentiam como que aristocratas da sabedoria e aqueles que não estavam no cume faziam de tudo para lá fincar seus "pés".

A partir de então, como vaidade que se presta não pode ser para todos, aquela sociedade passou a expandir suas regras, tanto horizontalmente como verticalmente, ou seja, mais regras para os alunos e seus tutores e mais regras para os programas. O curioso, pelo menos para nós que não cultivamos essas coisas, é que as regras passaram a restringir o acesso de programas e, consequentemente, de professores e seus alunos, aos estágios mais destacados. Quanto mais programas coletivos conseguiam atender as regras, no ano seguinte se elevavam os patamares a serem atingidos. No começo da organização das pugnas bastava aprender as técnicas e apresentá-las em festivais de lutas; os professores também faziam suas apresentações; existia festivais o ano todo em todos os recantos daquela sociedade. No entanto, as novas regras que foram surgindo disciplinava os eventos; estabeleceu-se, também, um ranking dos festivais de 1 a 10, sendo 1 o mais qualificado e 10 o menos. Eventos categorias 1, 2 e 3 eram bem poucos e, portanto, concorridos, e para conseguir ser aceito para lutar neles era algo para poucos, somente os aristocratas na verdade; os outros, especialmente os de categorias 8 a 10 eram mais e mais acessíveis, porém, contavam bem pouco.

O manuscrito relata que poucas pessoas questionavam as regras estabelecidas, pois criou-se toda uma racionalidade lógica para provar que as categorias e, por consequência, os rankings eram impassíveis de crítica; "só se estabelecia quem tinha qualidade", era o que afirmavam; e isto tornou-se uma espécie de dogma. E assim, desta forma, passou-se vários anos... No entanto, continua o manuscrito, algumas pessoas faziam críticas àquela racionalidade. Diziam elas que as lutas tinham perdido o sentido de pugnas; um número cada vez menor de pessoas iam assistir as lutas; os alunos não estavam mais sendo preparados com tempo suficiente para treinar bem suas técnicas, pois tinham que lutar o mais cedo possível e na maior quantidade possível;  os programas estavam demitindo gente que não lutava o suficiente em prol do seu programa... enfim, aquele modelo adotado não era unânime, mas era hegemônico. O manuscrito termina relatando tentativas dos descontentes de criarem uma espécie de liga separada e autônoma, mas que não tiveram muito sucesso. A organização original seguiu produzindo cada vez mais festivais, cada vez mais lutas e... cada vez mais vaidades...

É preciso ser justo com meus leitores e informar que existe uma pequena possibilidade do manuscrito ser forjado. Se esta hipótese for verdadeira, resta perguntar quem inventou isso tudo e por que motivos. Eu, de minha parte, acredito que o manuscrito é verdadeiro... ah, e como é!!



domingo, 17 de setembro de 2017

"It", a Coisa, ou, os medos e as culpas do dia-a-dia....



Assisti o filme It, a Coisa, uma refilmagem do clássico livro de Stephen King. O livro foi publicado em 1986 e a primeira versão para as telonas foi de 1990. Confesso que fui ao cinema convidado pela Sofia, minha filha, pois, por um histórico de problemas com filmes de terror (ver meu post Demônios), nunca me liguei muito a enredos em que aparecesse qualquer ser sobrenatural que atormenta as pessoas. Fui, portanto, ver o filme sem ter visto nada antes; sabia apenas que se tratava de um palhaço que encarnava o mal e que assustava pessoas. Resultado: passei medo, tive sustos, mas, depois de uma noite de sono, parece que consegui fazer uma relação do filme com algo mais concreto e cotidiano na nossa vida, o medo. O filme, como eu já imaginava, em se tratando de Stephen King, é uma metáfora.

O palhaço do filme, o It ou a Coisa, Pennywise, é um ser que se alimenta do medo das crianças e adolescentes. Eu ainda não entendi, no contexto do filme, como a Coisa surgiu e porque ela tem tantos poderes. Mas, o que fica claro é que o combustível dela, que vem buscar de tempos em tempos, é composto do maior medo que as pessoas mais frágeis na pequena cidade americana têm, ou seja, as crianças e os adolescentes. Medo de levar bronca do irmão mais velho e ídolo; medo do pai abusador; medo da mulher deformada no quadro; medo de ficar doente; medo do fogo que matou os pais; medo da solidão; medos, medos... O medo é a porta de entrada da Coisa no mundo dos personagens, os Losers (fracassados) da escola; o medo é que permite que eles sejam perseguidos e quase mortos pela Coisa. Melhor não adentrar em maiores detalhes para não fazer spoiler importante aqui...

O medo mostrado no filme não é aquele que nos protege, como o medo de saltar de paraquedas ou de asa delta, não é, portanto, o que podemos chamar de medo positivo. O medo, no filme, é o que paralisa a pessoa, é o que a torna fraca e, com isso, presa fácil de situações e de pessoas dispostas a explorar nosso medo em benefício próprio. O medo faz a pessoa "flutuar", sair da realidade e se entregar ao seu "sequestrador". E esse tipo de medo é resultado, em sua grande maioria, da culpa. No filme: a culpa por desobedecer o irmão; a culpa por ter sido abusada pelo pai; a culpa por não se esmerar o suficiente para se tornar um judeu adulto, ainda mais sendo filho de um rabino; a culpa por ser o causador do seu estado de saúde débil; a culpa por não ter ajudado os pais quando a casa pegou fogo; a culpa por não ser merecedor da atenção e amizade dos outros; culpas, culpas... Quando os adolescentes protagonistas do filme conseguem superar seu medo da Coisa eles a enfrentam; enfrentam, metaforicamente, seus próprios medos; conseguem enfrentar suas próprias culpas e passam a se libertar dos dois sentimentos que os paralisavam.

Todos temos nossos medos, uns mais visíveis e outros mais recônditos. Portanto, temos nossas culpas motivadoras dos medos, umas mais visíveis e outras bem mais escondidas. Enfrentar o medo é enfrentar as culpas, reconhecê-las e perceber que talvez elas não são nossas, mas, que por processos os mais variados e complexos, elas foram introjetadas por nós, mas que não somos suas causas. E, mesmo que as culpas sejam nossas, é preciso saber relativizar sua importância e assumir, quem sabe, a nossa parte do pagamento. Só assim, creio, é possível ver nossos medos cara a cara e enfrentar nosso monstro particular, nosso palhaço que nos atormenta e, especialmente, vencê-lo. A fortaleza do monstro é nossa fraqueza; a nossa coragem é a fragilidade da Coisa.

Ah, o filme é muito bom e muito bem dirigido, bem atuado, mantendo um enredo eletrizante. Recomendo!! O problema é que, mesmo tratando de medos, quem sabe, alheios, ficamos preocupados de nos depararmos com o Penywise por aí....


sábado, 26 de agosto de 2017

O estalo de Vieira


Contam os biógrafos de Antonio Vieira que o Imperador da Língua Portuguesa, na definição de Fernando Pessoa, quando era estudante do Real Colégio da Bahia, na época dirigido pelos jesuítas, era um aluno medíocre, que tinha muitas dificuldades em se adaptar àquela instituição. Certo dia, no entanto, enquanto ia para mais um dia árduo de escola ele, como costumava fazer todo dia, estava rezando na Sé em construção e teve uma fortíssima dor de cabeça, como se tivesse recebido um golpe em sua cabeça, chegando a acreditar que iria morrer. Não somente não morreu como, mais tarde já no colégio, passou a entender tudo o que os professores ensinavam. Se tornou o melhor aluno e quando foi convidado para ser professor de Filosofia, e depois Teologia, produziu um curso de Filosofia próprio, e depois um de Teologia, destacando-se nas Letras da época. O episódio da intensa e repentina dor de cabeça passou para a história como "O Estalo de Vieira".

Desde a primeira vez que li sobre esse momento da vida de Vieira, e pensando no grande intelectual e orador em que ele se transformou, confesso o meu pecado da inveja. Gostaria muito de ter tido, na minha adolescência, alguns estalos. Gostaria muito de ter tido facilidade para aprender química, biologia e física, inglês e francês e, depois, na faculdade, queria muito ter tido estalo para entender melhor Kant e Hegel. Mas, infelizmente não tive tais estalos... a duras penas consegui entender um pouco de inglês e francês... Parece que estalos são reservados para poucos mesmo, acho que somente para aqueles que estão mais próximos de Deus.

Mas, como sempre tento fazer relações para além dos termos em si, fico pensando, por exemplo, que tem muita gente por aí que talvez fique esperando um estalo em sua vida, evitando dedicar-se a aprender as coisas que, na maioria das vezes acontece de forma difícil, com dificuldade, que é resultado de muita dedicação e suor... No entanto, eu acho que quanto mais a gente se esforça para aprender as coisas, mais estamos perto de estalos, ou seja, de entendermos, finalmente, o que buscamos... Além disso, acho que o "estalo" pode ser as conexões, os links que conseguimos fazer, relacionando o que estamos aprendendo com outras coisas de nossa vida. Penso que quanto mais a gente perceber que qualquer coisa que aprendemos na escola ou na universidade tem sempre a ver com a nossa vida, quanto mais a gente perceber que teorias não estão distantes da vida, mais temos chance de fazer conexões e ampliarmos o nosso conhecimento, e mais, temos condição de criar nosso próprio pensamento, sermos autônomos e, assim, dialogar com maturidade com a vida e com os saberes acadêmicos. Talvez seja esta uma boa forma de entender o significado do "estalo", ou seja, algo que impulsiona, uma espécie de salto, em que passamos a fazer links que antes nos sentíamos incapazes...

Talvez o tal do Estalo de Vieira tenha sido nada mais do que um lampejo em que ele passou a fazer as conexões que não conseguia e, por isso, ia mal na escola. Quem sabe ele, pensando muito em tudo o que era passado no colégio, conseguiu fazer algum link que deixou claro a lógica e as ligações de todas as informações escolares e, por isso mesmo, tenha tido uma forte dor de cabeça; dores da descoberta!!! De qualquer forma, não resolve ficar parado esperando um "estalo"; quem sabe o "estalo" não é uma recompensa do esforço de querer aprender sempre mais!!!!



quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Sobre a série "13 Reasons Why"...


A série da Netflix "13 Reasons Why" (numa tradução livre: "13 motivos do porquê") causou, recentemente, muitos comentários, especialmente pelo tema tratado. Vi críticas e vi elogios. Críticas ao enredo tido como fraco, à caracterização da personagem como egoísta demais, à espetacularização do tema; elogios à forma como a série tratou o tema, à coragem de tocar em algo tão sensível na sociedade, ao realismo e intimismo do enredo.

A história trata do suicídio de uma menina de 17 anos, cujos motivos foram relatados por ela mesma em fitas cassetes, envolvendo 13 pessoas, que representaram os 13 motivos de sua trágica decisão.  Confesso que assisti com muito receio, pois o tema do suicídio é muito polêmico; é tão sensível que existe um acordo, no Brasil, entre a imprensa e a polícia de não divulgar suicídios pelo fato de que alguém que está pensando seriamente em tirar a própria vida acaba se encorajando ao saber que outra pessoa o fez. Mas, a série me mostrou que é necessário pensar no assunto e tentar conhecer os sinais de que alguém próximo a nós pode estar pensando seriamente cometer tal ato. A série me mostrou que não devemos julgar as pessoas que estão passando por isto e muito menos quem acaba concretizando. Os motivos são vários e geralmente profundos. O que devemos fazer é, na verdade, tentar antecipar, naquilo que depender de nós, os sinais.

É preciso, no entanto, contextualizar a série. Ela retrata a sociedade americana,  a vida dos jovens de classe média e a escola de ensino médio (a High School). A sociedade estadounidense é, como sabemos, extremamente competitiva, e isto se revela no seu sistema de ensino, pois todas as escolas, de ensino fundamental, médio e as universidades têm seus times de esportes os mais variados, predominando o basquete, o futebol americano e o beisebol (esportes nacionais de maior audiência). É uma sociedade que respira competição desde a mais tenra idade. E, por isso, a escola americana é sempre retratada em filmes dividida entre os que praticam esportes, cultura, as cheerleaders e os nerds; os que não se encaixam em nenhum desses grupos são excluídos pelos demais. A série mostra a High School, do ponto de vista dos alunos, como uma instituição dura, em que as relações são muito precárias e sem afetos duradouros e machismos, além do bullying, é claro. Esta é a síntese do ambiente que levou a personagem a cometer o suicídio.

No Brasil a sociedade é diferente e, por consequência, a escola também. Alerto que não estou aqui comparando a competência das escolas, porque acho que o esporte poderia, se bem direcionado, contribuir com a escola pública brasileira. No entanto, o fato de que aqui não haver tanta competição não significa que não haja relações precárias, machismos, violências e, especialmente, o bullying. Apesar das diferenças de sociedade e de escola, aqui também podemos ter criado espaços que facilitem ou induzam jovens a tirar suas próprias vidas. Não sei das estatísticas da violência aqui, mas nos Estados Unidos o suicídio é a segunda causa de morte entre as adolescentes.

Enfim, recomendo a série, especialmente para pais, parentes e professores. O assunto é sério e é necessário não varre-lo para debaixo do tapete da sociedade. Só um aviso final para em for assistir: não deixem de ver o vídeo da pós-produção, pois ele explica muita coisa sobre os personagens e sobre a temática tratada com realismo, por vezes, assustador.

terça-feira, 4 de julho de 2017

NOTA DE ESCLARECIMENTO PARA A COMUNIDADE DA UEM

Sou conselheiro do Conselho Universitário da UEM, representando o Departamento de Fundamentos da Educação e, devido à interpretação equivocada (quem sabe, maldosa...) da minha proposta feita ontem (03/07) na reunião do COU, senti necessidade de fazer o esclarecimento que segue.
A matéria em discussão ontem era o Regulamento para Eleição para Reitor e Vice-Reitor da UEM. Minha proposta foi de alteração da fórmula que foi utilizada nas eleições da UEM em que houve paridade (1990, 1994, 1998, 2002 e 2006). Em nenhum momento eu propus a volta à proporcionalidade (o sistema 70/15/15 - 70% dos votos para os professores, 15% para os servidores técnicos e 15% para os estudantes), que vigorou nas eleições de 2010 e 2014, ao contrário, minha proposta foi de reforçar, de fato, o sistema paritário, em que cada categoria tem 33,33% dos votos. A proporcionalidade foi substituída pela paridade em dezembro de 2014, e terá validade para as próximas eleições para reitoria em 2018.
Minha proposta foi usar a fórmula da proporcionalidade para aplicar na paridade. Explico: na fórmula da proporcionalidade, o total dos VOTANTES de cada categoria tinha os pesos proporcionais, e na fórmula da paridade o total dos ELEITORES tem 1/3 dos votos de cada categoria. Na prática acontece o seguinte:
- nas últimas eleições para reitoria da UEM, em 2014, no segundo turno, votaram 1300 professores, 1790 servidores técnicos e 4400 estudantes. Então, na prática, 1300 professores tiveram 70% dos votos, 1790 técnicos tiveram 15% e 4400 alunos tiveram também 15%;
- nas eleições de 2006, quando o sistema de escolha era paritário, votaram, no primeiro turno, 1130 professores, 1970 servidores técnicos e 4850 estudantes. Mas, como a paridade era atingida pelo números de ELEITORES, na prática o corpo docente teve algo em torno de 30% do peso, os técnicos 28% e os alunos 8%, pois a abstenção de votos foi maior entre os estudantes e os técnicos do que entre os docentes.
Se eu consegui ser claro, a fórmula da paridade requer, para se ter igualdade entre as categorias, que todos votem, mas, como o voto não é obrigatório na UEM (com o que eu concordo), a categoria que tem menos abstenção tem peso maior. É o que vai continuar acontecendo, se a tendência histórica se mantiver. A minha proposta foi, portanto, que os 33,33% de cada categoria fossem medidos pelos VOTANTES e não pelos ELEITORES, pois defendi que se deve valorizar aqueles que, de fato, votam.
É isto. Reitero que minha proposta não foi acabar com a paridade, muito pelo contrário, eu defendi o aprimoramento do sistema paritário para escolha de reitor e vice-reitor da UEM. No entanto, eu dou o assunto por encerrado pois somente eu votei na minha proposta (ironicamente, nem os estudantes votaram comigo) e, portanto, democraticamente o Conselho Universitário definiu a forma como a paridade vai ser retomada na UEM, e eu, como sempre, acolho a decisão da maioria.
Fiquei um tanto chateado pelo fato de pessoas distorcerem minhas falas e proposta feitas no COU, mas, pensando bem, agradeço a elas, pois me foi oportunizado esclarecer que defendi e defenderei o voto paritário para escolha do reitor da UEM.


segunda-feira, 27 de março de 2017

Governo Temer e a classe média


Ando recebendo algumas mensagens, via face, e-mail e WhatsApp, denunciando medidas que o governo do presidente Temer está tomando que implicam na perda de ganho da classe média brasileira. Por exemplo, um decisão presidencial que aumentaria a porcentagem do imposto de renda, que passaria dos atuais 27,5% para 31 ou 33%, o que acarretaria, sem dúvida, perda de ganho real do salário da classe média.


No entanto, eu fico pensando cá com meus botões, não foi justamente a classe média brasileira que foi o grosso do movimento que pedia a saída da Dilma da presidência? Não sabiam eles que com o impeachment quem assumiria o governo era o Temer? Não sabiam eles que o PMDB do atual presidente costurou acordos com vários partidos, dentre eles o PP e o PSDB do Aécio, para tomar o poder? Ou, em sã consciência, será que alguém acreditou que existiu mesmo o tal crime das pedaladas fiscais para justificar a saída da presidente Dilma?

Portanto, sinceramente, não consigo entender as reclamações sobre a atual política econômica que afetam a classe média. Me parece muita ingenuidade acreditar que os graves problemas econômicos do Brasil cessariam imediatamente com a troca de mandatários maiores do país. Assim, acho que boa parte da classe média está provando de um remédio muito amargo que foi prescrito por um médico escolhido por ela mesmo.

Com toda sinceridade, não consigo me comover e nem me mobilizar com a atual situação da classe média, da qual eu faço parte. O moralismo e o conservadorismo desta classe, ou de boa parte dela, sempre viu um trabalhador e uma mulher na presidência como algo não digno para o Brasil. Então, meus caros amigos, peço que não me enviem mais abaixo-assinados contra mudanças que afetam os ganhos da classe média, pois elas não me comovem.

Continuo achando que a maioria das medidas adotadas caem na cabeça da classe média e dos pobres, quando deveriam, por exemplo, ter a coragem de taxar as grandes fortunas, por exemplo. No entanto, fico pensando se não seria justo a classe média provar um pouco do próprio veneno, e no bolso!!!


segunda-feira, 6 de março de 2017

Carnaval 2017


Depois de completar meus 50 anos, ou seja, mais da metade da minha vida, passei por uma experiência única: desfilei em uma escola de samba na Sapucaí, no Rio de Janeiro. E mais, além do desfile, assisti, ao vivo, as escolas de samba do grupo especial. E mais, brinquei o carnaval em blocos, nas ruas e em bares. Ou seja, vivi intensamente meu primeiro carnaval no Rio de Janeiro. Gostei muito e queria comentar aqui algumas impressões. Vou começar pelo carnaval nas ruas.

Na primeira noite fui apresentando ao bloco Embaixadores da Folia. A emoção já começou por ali. Depois de muito tempo, ouvi uma bandinha tocar marchinhas antigas de carnaval. Vi que as pessoas cantavam e se divertiam com as marchinhas. Me pareceu, por um momento, que tinha entrado numa espécie de túnel do tempo, voltando para minha época de infância, adolescência e juventude, em que brincávamos o carnaval ao som daquelas mesmas músicas, quase todas deliciosamente maliciosas, mas de uma malícia ingênua comparada com as músicas de "carnaval" de hoje. Confesso que me emocionei em meio a tanta alegria demonstrada sem a necessidade de cantar ou dançar músicas que estão na moda hoje. Quando a banca tocou "Vou beijar-te agora, não me leve a mal, hoje é carnaval...", quase fui às lágrimas... Além das marchinhas a banda tocou os sambas-enredo que fizeram história nos desfiles das escolas de samba. Enfim, só por aquele dia, ou aquela noite, já teria valido a pena a viagem. Hoje, não há mais diferenças entre as festas, pois em todas (carnaval, formatura, casamento, balada...) são as mesmas músicas que tocam mais, ou seja, sertanejo universitário, funk e axé.

Mas, o melhor estava por vir, e, ainda bem que veio em parcelas para acalmar e preparar meu coração. No domingo assisti ao primeiro dia do desfile das escolas de samba. Ver, ao vivo e a cores (e bota cores nisso...), àquilo que eu assisti muito tempo pela TV foi fantástico. Comissões de frente, alas, carros alegóricos, fantasias, baterias, sambas-enredo, tudo, ali, pertinho, a dois metros de onde eu estava era inimaginável até então. O que mais marcou foi ver a alegria e o entusiasmo de todos os participantes, cantando a plenos pulmões, vibrando com a escola, defendendo as cores das agremiações como se estivessem numa verdadeira olimpíada.

Agora, no segundo dia das escolas, na madrugada em que desfilei no carro alegórico da São Clemente, ah!, isto sim foi indescritível. Estar na concentração, colocando a fantasia, subindo no carro e aqueles 30 minutos até entrar na avenida, foi um misto de medo, tensão e  ansiedade, como esperar o início de uma partida decisiva do Palmeiras ou os momentos anteriores aos jogos do Brasil em copas de mundo. Mas, quando entrei na avenida do samba, quando senti aquela energia inexplicável, quando vi todas aquelas pessoas, quando o samba-enredo da minha escola estava em toda a avenida, foi mágico!! Nem em meus sonhos eu consegui ter a noção do que vivi naqueles 30 e pouco minutos que durou minha passagem pela Sapucaí. A interação com o público foi a melhor parte. Pessoas te olhando e dando força, pessoas sorrindo contigo, pessoas torcendo por você. Aliás, vi, nos dois dias, pessoas com camisas de uma escola cantando o samba e se alegrando com todas as escolas. Pessoas se divertindo com todas as escolas, se alegrando com a escola, sofrendo com os problemas que as escolas tiveram, vibrando quando as escolas conseguiam chegar ao fim no tempo regulamentar. Enfim, caramba, tudo o que possa escrever aqui não dará conta de explicar o misto de sentimentos que vivi.

Claro que teve problemas no carnaval no Rio, tanto nas ruas como na Sapucaí. Algumas escolas que, na minha opinião, fizeram coisas erradas (e, ao invés de serem punidas, acabaram sendo premiadas). Nas ruas, muita pobreza e mal cheiro. Mas, sinceramente, não vou aqui me alongar nos problemas, pois as coisas boas que me aconteceram e que me encantaram é o mais me marcou.

Quero agradecer ao meu amigo Fernando Vieira, por ter me proporcionado os momentos lindos, emocionantes e exuberantes que eu tive no carnaval do Rio este ano. Valeu meu irmão!!!!






terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Um mundo sem espelhos

(microconto levemente inspirado em Dr. Estranho e Stranger Thinks)


Numa dessas dimensões paralelas à nossa, cuja existência recentemente nossos cientistas descobriram e divulgaram, as pessoas não fazem uso e nem conhecem algo que nos é muito comum: o espelho. Como já sabemos, toda realidade paralela é como se fosse a nossa mesma realidade, somente com algumas pequenas mudanças. Um viajante, ainda experimental, descobriu, em uma dessas dimensões, esta sociedade que não usa espelhos. Acompanhemos o seu relato feito para um grupo restrito de cientistas e políticos de importância mundial.

- Quando cheguei a outra dimensão no início não notei diferenças, achei mesmo que a passagem pelo portal não tinha dado certo. Me integrei na sociedade, em uma cidade média. Passeei bastante, entrei nos lugares, conversei com pessoas, comi em lanchonetes e restaurantes e até fiz amizades.
- Você não ficou com medo de passar mal com a comida?
- No começo sim Coronel K. Mas, depois resolvi arriscar, pois a comida é muito parecida com a nossa.
- E fazer amizades, você acha que foi boa ideia? Poderiam te perguntar de onde você era e coisas assim?
- Achei por bem arriscar senhora Presidente G. Eu falei que era de uma cidadezinha pequena e longe de onde eu estava e que estava lá procurando emprego. Aliás, consegui até trabalho também.
- Quanto tempo você ficou lá mesmo?
- Fiquei quase 6 meses senhor Senador J. Como as coisas estavam tranquilas resolvi ficar o máximo de tempo possível para entender bem a vida naquela dimensão.
- E o que mais te chamou a atenção por lá?
- A falta de espelhos senhor Presidente T.. Isto mesmo o que os senhores ouviram, eles não têm espelhos, de nenhum tipo, nem em casa, nem em lojas, nem nos carros, em nada. E é muito interessante relatar este aspecto, pois acho que é algo que pode fazer a gente pensar sobre nós mesmos. Sem espelhos as pessoas são bem menos vaidosas e não existem tantos produtos de maquiagem como aqui.
- Mas, eles não têm a tecnologia para fazer espelhos ou foi opção mesmo?
- Então, senhora R., eu perguntei e ouvi as duas versões. O fato é que eles conseguiram se organizar sem a necessidade de espelhos. E para mim, que tenho este cabelo desgrenhado, foi difícil me adaptar. Nos primeiros dias tinha até vergonha de encontrar pessoas, pois eu não sabia como estava meu cabelo, mas, depois, percebi que as pessoas não ficavam reparando nisso, e mais, tinha várias pessoas que saiam despenteadas também... aliás, eu fiquei pensando que, para eles, o natural do cabelo, seja liso, crespo, desgrenhado, é o natural para eles... Há mais liberdade para se usar roupas também, pois, sem espelhos, não há porque ficar experimentando muitas roupas para sair de casa... As pessoas também não ligam muito para a estética das pessoas, não há, até onde vi, um culto ao corpo perfeito. As academias de fitness existem também, mas, como não há espelhos, os praticantes parecem se preocupar mais com sua condição física mesmo e não em malhar apenas para exibir seus músculos e corpos definidos.
- Eu fico pensando aqui nos carros. Como eles fazem para dirigir sem espelhos? Há muitos acidentes?
- Parece irreal para nós Doutora A., mas quase não vi acidentes. Andei de carro para fazer a experiência e, confesso, nas primeiras vezes fiquei muito apreensivo. Depois, eu até dirigi um carro. Os motoristas prestam muito mais atenção no trânsito e respeitam muito as setas dos outros carros. Se um carro liga a seta os outros imediatamente dão passagem, sem haver, como isso, xingamentos, palavrões etc.
- E a falta de espelhos acarreta outras diferenças com a nossa sociedade?
- Na minha opinião, Doutor X., acarreta sim várias diferenças. A sociedade daquela dimensão parece não ser tão consumista como a nossa; as pessoas se respeitam mais; as diferenças, de cor, sexo, gênero, são tidas como naturais. Eu acho que o fato de não existir espelhos faz com que as pessoas se vejam mais e se ajudem, pois, a única maneira de melhorar um pouco a imagem é pedindo ajuda para outra pessoa.
- Mas, do jeito que você fala, esta dimensão não tem problemas?
- Tem muitos problemas sim, Senadora H.. Problemas, aliás, parecidos com os nossos. Mas, no geral, eu percebi que alguns dos nossos problemas, ou melhor, as bases de alguns dos nossos problemas eles realmente não os têm. Insisto, me desculpem, na ausência dos espelhos. De certa forma, as pessoas parecem que são mais livres, ou menos presas a aparências e modelos de beleza. Acho que, neste aspecto pelo menos, aquela sociedade é mais livre do que a nossa. Mas, é claro, para ter certeza dessas coisas eu precisaria voltar para lá e ficar mais um tempo.

O nosso viajante de dimensões não voltou para aquela dimensão, pois foi destacado para conhecer outra dimensão diferente. Por enquanto, ainda não temos mais notícias daquela sociedade que, por incrível que pareça, conseguia viver sem espelhos!!