Ao encerrarmos a disciplina Filosofia da Educação
I, aliás, pela última vez, pois o currículo novo começa em 2006, gostaria de
fazer algumas reflexões.
Em termos de conteúdo, nosso caminhar no decorrer
deste ano foi bastante intenso, pois “cobrimos” um período de tempo que vai
desde o século VII a.C. até o século XIII da nossa era. Vimos: a mitologia
grega, por meio da discussão sobre a peça trágica Prometeu Acorrentado,
de Ésquilo; pudemos acompanhar, de posse de uma síntese, o pensamento dos
chamados filósofos naturalistas ou pré-socráticos, acompanhando o seu
desenvolvimento em busca do que seria o verdadeiro arkhé; passamos
rapidamente por Sócrates, a quem é creditado o início do verdadeiro filosofar,
na medida em que ele focou no homem e nas coisas relativas a ele o objeto da
filosofia; nos detivemos um pouco mais no pensamento político de Platão e de
Aristóteles, aliás os dois filósofos que, sem os quais, não é possível pensar
em entender a filosofia e muito menos filosofar; vimos a filosofia pós-pólis,
a filosofia do homem individual, por meio da interessante Carta sobre a
felicidade, de Epicuro; finalmente, acompanhamos o nascimento de uma nova
filosofia, essencialmente diferente da grega, mesmo que em parte sua devedora,
que tinha por base a religião cristã, estudando o pensamento dos santos
Agostinho de Hipona, Anselmo de Aosta e Tomás de Aquino.
Paralelo aos autores e textos, sempre procuramos,
ao introduzi-los, fazer a devida contextualização histórica e cultural no
sentido de evitar um entendimento de que a filosofia poderia estar acima da sua
história. Se olharmos para trás, podemos observar que o caminho, apesar de
árduo, foi intensamente rico e especialmente proveitoso. É claro que quem lhes
fala aqui é o professor!
Peço licença para repetir aqui algumas coisas que
por algumas vezes falei durante o curso, mas creio ser necessário. Em primeiro
lugar, os autores trabalhados e os textos estudados apesar de importantíssimos
não podem nos passar a impressão que vimos tudo o que tinha de ser visto no que
diz respeito à filosofia ou, mais precisamente, às filosofias de cada período.
Na verdade, devido ao programa da disciplina e ao
tempo para realizá-lo, o que se fez foi escolher, com um certo critério, mas
não o único, o caminho mais proveitoso a seguir. O mesmo programa poderia ser
trabalhado escolhendo-se outros textos dos mesmos autores e até textos de
outros autores. Ah, como seria bom se fosse possível trabalhar com uma epopéia,
a Ilíada, por exemplo; estudar um poema de Hesíodo; ler e se apaixonar
por uma tragédia de Sófocles e uma de Eurípedes; se divertir com uma ou duas
comédias de Aristófanes; acompanhar o julgamento de Sócrates, por meio do
diálogo platônico Defesa de Sócrates; ler obras de autores gregos como
Xenofonte ou Demóstenes; ter a possibilidade de ler outros textos de Platão,
como Leis ou Górgias, apenas para citar dois exemplos; poder
adentrar um pouco mais no complexo mundo lógico de Aristóteles, lendo, quem
sabe, a Ética a Nicômaco; poder ler outras preciosas obras de Agostinho,
como As Confissões e Sobre o livre arbítrio; poder, enfim,
arriscar-se a compreender um pouco mais do profundo pensamento de Tomás de
Aquino, com a Suma Teológica ou De Magistro ou ainda os Sete
pecados capitais. Enfim, como as possibilidades são praticamente
ilimitadas, necessário se faz um recorte, uma escolha, e é o que foi feito,
acreditando piamente que foi, senão a melhor, uma das mais viáveis.
Independente da escolha feita, um critério que a
acompanhou e que de esteve presente na confecção do programa, é o de se dar
preferência, na medida do possível, às chamadas fontes primárias, ou seja, aos
textos diretamente escritos pelos autores estudados, relegando para um segundo
plano, o das leituras complementares por meio da disponibilização de textos
introdutórios ou interpretativos do pensamento dos autores estudados.
Dessa forma, por mais difícil que pareceram, e por
vezes o são mesmo, o contato com os textos originais é muito mais enriquecedor
e possibilita um maior amadurecimento de quem se encontra em um curso
universitário, preparando-se para fazer parte de uma elite intelectual no
Brasil. A leitura das fontes primárias dos autores considerados clássicos serve
como estímulo a que não nos contentemos com a leitura de intérpretes, os quais,
por mais interessantes e proveitosas que possam ser, jamais substituem os
originais. Assim, na nossa disciplina fizemos questão de que vocês tivessem contato
com escritos originais e penso que lê-los, que estudá-los, ajudou inclusive a
desmistificar que tais leituras seriam muito difíceis. Lendo estes autores
podemos perceber, inclusive, que as questões que os preocupavam eram questões
tão humanas, travestidas de sociais, políticas e epistemológicas, como as
nossas humanas questões.
Penso que um clássico é aquele que, entre outras
características, ajuda a entender o homem em seus múltiplos determinantes, pois
foram pessoas que conseguiram, mais do que outros, perscrutar a alma humana.
Lembrem-se, por exemplo, de Platão nos ensinando que o homem dito justo
provavelmente sucumbe às tentações de fazer o que quiser tendo posse de um anel
que lhe desse o poder da invisibilidade. Dessa forma, creio que a leitura e o
estudo de obras inteiras ou parte delas (Prometeu acorrentado, A
República, Política, Carta sobre a felicidade, Cidade de
Deus, Monológio e Súmula contra os gentios) possibilitou em
todos nós um acréscimo de nosso cabedal intelectual, o qual, aliás, é o único
que ninguém pode nos tirar.
O assunto de nossa disciplina foi filosofia e,
dessa forma, foi necessário definir com um pouco mais de precisão o que ela
seria e o que a diferenciaria de outras ciências. Partimos do conceito de que à
filosofia cabe estabelecer concepções de ser humano, de sociedade e de
natureza. Tais concepções dizem respeito, sempre, à perspectiva humana e,
portanto, a preocupação não é com o homem isolado, nem com qualquer tipo de
sociedade animal, por mais bem organizada que seja, e nem com a natureza no
sentido biológico ou físico-químico, e sim, a natureza como o espaço que é
ocupado ou pensado pela humanidade que define, inclusive, aquilo que é estável
em qualquer outra concepção.
Nesse sentido, quando procuramos mostrar que tipo de
homem os filósofos concebiam, também procuramos mostrar de que tipo de
sociedade e de que tipo de natureza eles estavam falando. Assim, se pudéssemos
resumir em frases curtas, buscando uma síntese acerca das concepções de homem
que nos deparamos, poderíamos arriscar a ter o seguinte: na tragédia de
Ésquilo, o homem é um ser livre que deve, principalmente, não esquecer de
valorizar sempre a liberdade a qual não foi dada e sim conquistada como
condição, inclusive, da manutenção da civilização; nos pré-socráticos, o homem
(ou os homens) naturalista é o que busca, pela razão, entender os princípios
fundamentais deste mundo; o homem platônico é o que deve reconhecer sua
ignorância e buscar a justiça individual e social; o homem aristotélico seria
aquele que deve conhecer a sociedade em que vive para exercer adequadamente sua
função política nela; o homem epicurista é aquele que busca a felicidade; e o
homem cristão é aquele que busca compreender sua missão na terra para merecer
sua vida eterna junto a Deus.
Mas nossa disciplina não é restrita à discussão
filosófica, pois ela é educacional também. Dessa forma, conjuntamente às
concepções de homem, sociedade e natureza, procuramos evidenciar as concepções
de educação correspondentes. A educação, que não é a escolar, mas aquela que
diz respeito a que tipo de homem que uma determinada sociedade quer formar
visando sua manutenção, agiu como um conteúdo transversal em toda a disciplina.
Acompanhar como os filósofos entendiam direta ou indiretamente a educação dos
homens de sua época é compreender que a educação nem sempre pode ser vista
institucionalmente, pois, por vezes, ela é pensada em seus aspectos mais
culturais e filosóficos do que escolares.
Assim, seguindo o método acima de expor
resumidamente as concepções da educação (e correndo os mesmos riscos das
sínteses apressadas), poderíamos concluir que tivemos a oportunidade de ver: a
proposta de uma educação para a liberdade, de uma educação para a investigação
científica, uma educação para a justiça, uma educação para a política, uma
educação para a felicidade individual e uma educação para a salvação da alma.
Ao mesmo tempo, não podemos deixar de apontar que todos esses “tipos” de
educação estão presentes, em graus diversos, em cada uma das concepções. Cada
período apresenta uma determinada característica, a qual podemos encontrar, por
vezes em contornos mais claros, nas concepções filosóficas desses mesmos
períodos.
A educação foi tratada ao longo do ano da mesma
forma que a apresentamos no primeiro dia de aula. Lembram-se do exemplo da
educação de Ciro, o grande rei persa que edificou o imenso império no Oriente?
Aquela educação, por mais obtusa e brutal que pareça aos nossos olhos hoje, foi
a base para a formação do homem guerreiro, conquistador, que construiu o império.
Bem, como recados finais da disciplina, gostaria
de deixar dois exemplos que podem ajudar tanto na continuidade do curso como na
vida profissional de vocês. Os dois recados são tirados dos dois principais
filósofos cristãos, os quais, por sua vez, buscaram nos dois principais
filósofos gregos os fundamentos racionais de suas propostas. Falo de Santo
Agostinho (Platão) e de São Tomás de Aquino (Aristóteles).
Na Cidade de Deus (vocês hão de
lembrar!), Agostinho empresta a divisão da filosofia feita por Platão,
acrescentando a Santa Trindade às finalidades da filosofia. O que acho que pode
ficar de lição prática para a profissão de professor, nossa profissão, está, de
certa forma relacionada às funções das partes da filosofia. Explico melhor: o
professor deve antes de tudo dominar o conteúdo do qual é responsável, ou seja,
deve procurar entender a fundo a matéria essencial daquela disciplina que vai
ministrar (física/natural); em segundo lugar, ele deve saber comunicar aquele
conteúdo de forma clara, de forma didática, para que os alunos possam apreender
a matéria e aprender sobre a matéria (lógica/razão); em terceiro lugar, o
professor deve ser responsável, na medida de suas possibilidades, em criar um
clima fraterno em sala de aula, para que aquele local seja um ambiente de
responsabilidade, de respeito e, principalmente, de exercício da cidadania
(ética/moral). Claro que não estou ligando a tarefa do professor à da Trindade
Cristã, apenas acho que como Agostinho aproveitou da divisão da filosofia feita
por Platão, nós podemos também fazer nossas apropriações. Então professores e
professoras, dominar o conteúdo, ter didática em comunicá-lo e criar um clima
amistoso e cordial na sala de aula é o mínimo (e quem sabe o máximo!) que se
exige de um bom profissional.
Finalmente, para o restante do curso de Pedagogia
e, quem sabe, para a vida toda, fica o ensinamento de São Tomás de Aquino,
visto na introdução à Súmula contra os gentios, de que por mais que algo
nos pareça difícil de ser apreendido e aprendido, não devemos desistir de
fazê-lo alegando a dificuldade. Não estou querendo que nos tornemos teólogos,
apenas penso que nos próximos anos do curso, conteúdos difíceis vão ser
apresentados a vocês, pois faz parte da formação acadêmica, e, portanto, não
desanimem, estudem, se esforcem para compreendê-los, pois assim vocês estarão
aproveitando ao máximo algo que pelo menos por enquanto é para apenas uma elite
nacional, ou seja, um curso universitário.
Deixem o curso de Pedagogia passar por vocês, não
passem, simplesmente, pelo curso. Espero, sinceramente, que o conteúdo da
disciplina Filosofia da Educação I tenha contribuído com a formação crítica e
profissional de vocês.
Valeu!!
Professor Célio.
Que pena não poder vivenciar esse momento de conteúdos difíceis.... O curso de Pedagogia UEM é muito bom!!!!!
ResponderExcluirSandra Regina