terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Filosofia da Educação




Ao encerrarmos a disciplina Filosofia da Educação I, aliás, pela última vez, pois o currículo novo começa em 2006, gostaria de fazer algumas reflexões.
Em termos de conteúdo, nosso caminhar no decorrer deste ano foi bastante intenso, pois “cobrimos” um período de tempo que vai desde o século VII a.C. até o século XIII da nossa era. Vimos: a mitologia grega, por meio da discussão sobre a peça trágica Prometeu Acorrentado, de Ésquilo; pudemos acompanhar, de posse de uma síntese, o pensamento dos chamados filósofos naturalistas ou pré-socráticos, acompanhando o seu desenvolvimento em busca do que seria o verdadeiro arkhé; passamos rapidamente por Sócrates, a quem é creditado o início do verdadeiro filosofar, na medida em que ele focou no homem e nas coisas relativas a ele o objeto da filosofia; nos detivemos um pouco mais no pensamento político de Platão e de Aristóteles, aliás os dois filósofos que, sem os quais, não é possível pensar em entender a filosofia e muito menos filosofar; vimos a filosofia pós-pólis, a filosofia do homem individual, por meio da interessante Carta sobre a felicidade, de Epicuro; finalmente, acompanhamos o nascimento de uma nova filosofia, essencialmente diferente da grega, mesmo que em parte sua devedora, que tinha por base a religião cristã, estudando o pensamento dos santos Agostinho de Hipona, Anselmo de Aosta e Tomás de Aquino.
Paralelo aos autores e textos, sempre procuramos, ao introduzi-los, fazer a devida contextualização histórica e cultural no sentido de evitar um entendimento de que a filosofia poderia estar acima da sua história. Se olharmos para trás, podemos observar que o caminho, apesar de árduo, foi intensamente rico e especialmente proveitoso. É claro que quem lhes fala aqui é o professor!
Peço licença para repetir aqui algumas coisas que por algumas vezes falei durante o curso, mas creio ser necessário. Em primeiro lugar, os autores trabalhados e os textos estudados apesar de importantíssimos não podem nos passar a impressão que vimos tudo o que tinha de ser visto no que diz respeito à filosofia ou, mais precisamente, às filosofias de cada período.
Na verdade, devido ao programa da disciplina e ao tempo para realizá-lo, o que se fez foi escolher, com um certo critério, mas não o único, o caminho mais proveitoso a seguir. O mesmo programa poderia ser trabalhado escolhendo-se outros textos dos mesmos autores e até textos de outros autores. Ah, como seria bom se fosse possível trabalhar com uma epopéia, a Ilíada, por exemplo; estudar um poema de Hesíodo; ler e se apaixonar por uma tragédia de Sófocles e uma de Eurípedes; se divertir com uma ou duas comédias de Aristófanes; acompanhar o julgamento de Sócrates, por meio do diálogo platônico Defesa de Sócrates; ler obras de autores gregos como Xenofonte ou Demóstenes; ter a possibilidade de ler outros textos de Platão, como Leis ou Górgias, apenas para citar dois exemplos; poder adentrar um pouco mais no complexo mundo lógico de Aristóteles, lendo, quem sabe, a Ética a Nicômaco; poder ler outras preciosas obras de Agostinho, como As Confissões e Sobre o livre arbítrio; poder, enfim, arriscar-se a compreender um pouco mais do profundo pensamento de Tomás de Aquino, com a Suma Teológica ou De Magistro ou ainda os Sete pecados capitais. Enfim, como as possibilidades são praticamente ilimitadas, necessário se faz um recorte, uma escolha, e é o que foi feito, acreditando piamente que foi, senão a melhor, uma das mais viáveis.
Independente da escolha feita, um critério que a acompanhou e que de esteve presente na confecção do programa, é o de se dar preferência, na medida do possível, às chamadas fontes primárias, ou seja, aos textos diretamente escritos pelos autores estudados, relegando para um segundo plano, o das leituras complementares por meio da disponibilização de textos introdutórios ou interpretativos do pensamento dos autores estudados.
Dessa forma, por mais difícil que pareceram, e por vezes o são mesmo, o contato com os textos originais é muito mais enriquecedor e possibilita um maior amadurecimento de quem se encontra em um curso universitário, preparando-se para fazer parte de uma elite intelectual no Brasil. A leitura das fontes primárias dos autores considerados clássicos serve como estímulo a que não nos contentemos com a leitura de intérpretes, os quais, por mais interessantes e proveitosas que possam ser, jamais substituem os originais. Assim, na nossa disciplina fizemos questão de que vocês tivessem contato com escritos originais e penso que lê-los, que estudá-los, ajudou inclusive a desmistificar que tais leituras seriam muito difíceis. Lendo estes autores podemos perceber, inclusive, que as questões que os preocupavam eram questões tão humanas, travestidas de sociais, políticas e epistemológicas, como as nossas humanas questões.
Penso que um clássico é aquele que, entre outras características, ajuda a entender o homem em seus múltiplos determinantes, pois foram pessoas que conseguiram, mais do que outros, perscrutar a alma humana. Lembrem-se, por exemplo, de Platão nos ensinando que o homem dito justo provavelmente sucumbe às tentações de fazer o que quiser tendo posse de um anel que lhe desse o poder da invisibilidade. Dessa forma, creio que a leitura e o estudo de obras inteiras ou parte delas (Prometeu acorrentado, A República, Política, Carta sobre a felicidade, Cidade de Deus, Monológio e Súmula contra os gentios) possibilitou em todos nós um acréscimo de nosso cabedal intelectual, o qual, aliás, é o único que ninguém pode nos tirar.
O assunto de nossa disciplina foi filosofia e, dessa forma, foi necessário definir com um pouco mais de precisão o que ela seria e o que a diferenciaria de outras ciências. Partimos do conceito de que à filosofia cabe estabelecer concepções de ser humano, de sociedade e de natureza. Tais concepções dizem respeito, sempre, à perspectiva humana e, portanto, a preocupação não é com o homem isolado, nem com qualquer tipo de sociedade animal, por mais bem organizada que seja, e nem com a natureza no sentido biológico ou físico-químico, e sim, a natureza como o espaço que é ocupado ou pensado pela humanidade que define, inclusive, aquilo que é estável em qualquer outra concepção.
Nesse sentido, quando procuramos mostrar que tipo de homem os filósofos concebiam, também procuramos mostrar de que tipo de sociedade e de que tipo de natureza eles estavam falando. Assim, se pudéssemos resumir em frases curtas, buscando uma síntese acerca das concepções de homem que nos deparamos, poderíamos arriscar a ter o seguinte: na tragédia de Ésquilo, o homem é um ser livre que deve, principalmente, não esquecer de valorizar sempre a liberdade a qual não foi dada e sim conquistada como condição, inclusive, da manutenção da civilização; nos pré-socráticos, o homem (ou os homens) naturalista é o que busca, pela razão, entender os princípios fundamentais deste mundo; o homem platônico é o que deve reconhecer sua ignorância e buscar a justiça individual e social; o homem aristotélico seria aquele que deve conhecer a sociedade em que vive para exercer adequadamente sua função política nela; o homem epicurista é aquele que busca a felicidade; e o homem cristão é aquele que busca compreender sua missão na terra para merecer sua vida eterna junto a Deus.
Mas nossa disciplina não é restrita à discussão filosófica, pois ela é educacional também. Dessa forma, conjuntamente às concepções de homem, sociedade e natureza, procuramos evidenciar as concepções de educação correspondentes. A educação, que não é a escolar, mas aquela que diz respeito a que tipo de homem que uma determinada sociedade quer formar visando sua manutenção, agiu como um conteúdo transversal em toda a disciplina. Acompanhar como os filósofos entendiam direta ou indiretamente a educação dos homens de sua época é compreender que a educação nem sempre pode ser vista institucionalmente, pois, por vezes, ela é pensada em seus aspectos mais culturais e filosóficos do que escolares.
Assim, seguindo o método acima de expor resumidamente as concepções da educação (e correndo os mesmos riscos das sínteses apressadas), poderíamos concluir que tivemos a oportunidade de ver: a proposta de uma educação para a liberdade, de uma educação para a investigação científica, uma educação para a justiça, uma educação para a política, uma educação para a felicidade individual e uma educação para a salvação da alma. Ao mesmo tempo, não podemos deixar de apontar que todos esses “tipos” de educação estão presentes, em graus diversos, em cada uma das concepções. Cada período apresenta uma determinada característica, a qual podemos encontrar, por vezes em contornos mais claros, nas concepções filosóficas desses mesmos períodos.
A educação foi tratada ao longo do ano da mesma forma que a apresentamos no primeiro dia de aula. Lembram-se do exemplo da educação de Ciro, o grande rei persa que edificou o imenso império no Oriente? Aquela educação, por mais obtusa e brutal que pareça aos nossos olhos hoje, foi a base para a formação do homem guerreiro, conquistador, que construiu o império.
Bem, como recados finais da disciplina, gostaria de deixar dois exemplos que podem ajudar tanto na continuidade do curso como na vida profissional de vocês. Os dois recados são tirados dos dois principais filósofos cristãos, os quais, por sua vez, buscaram nos dois principais filósofos gregos os fundamentos racionais de suas propostas. Falo de Santo Agostinho (Platão) e de São Tomás de Aquino (Aristóteles).
Na Cidade de Deus (vocês hão de lembrar!), Agostinho empresta a divisão da filosofia feita por Platão, acrescentando a Santa Trindade às finalidades da filosofia. O que acho que pode ficar de lição prática para a profissão de professor, nossa profissão, está, de certa forma relacionada às funções das partes da filosofia. Explico melhor: o professor deve antes de tudo dominar o conteúdo do qual é responsável, ou seja, deve procurar entender a fundo a matéria essencial daquela disciplina que vai ministrar (física/natural); em segundo lugar, ele deve saber comunicar aquele conteúdo de forma clara, de forma didática, para que os alunos possam apreender a matéria e aprender sobre a matéria (lógica/razão); em terceiro lugar, o professor deve ser responsável, na medida de suas possibilidades, em criar um clima fraterno em sala de aula, para que aquele local seja um ambiente de responsabilidade, de respeito e, principalmente, de exercício da cidadania (ética/moral). Claro que não estou ligando a tarefa do professor à da Trindade Cristã, apenas acho que como Agostinho aproveitou da divisão da filosofia feita por Platão, nós podemos também fazer nossas apropriações. Então professores e professoras, dominar o conteúdo, ter didática em comunicá-lo e criar um clima amistoso e cordial na sala de aula é o mínimo (e quem sabe o máximo!) que se exige de um bom profissional.
Finalmente, para o restante do curso de Pedagogia e, quem sabe, para a vida toda, fica o ensinamento de São Tomás de Aquino, visto na introdução à Súmula contra os gentios, de que por mais que algo nos pareça difícil de ser apreendido e aprendido, não devemos desistir de fazê-lo alegando a dificuldade. Não estou querendo que nos tornemos teólogos, apenas penso que nos próximos anos do curso, conteúdos difíceis vão ser apresentados a vocês, pois faz parte da formação acadêmica, e, portanto, não desanimem, estudem, se esforcem para compreendê-los, pois assim vocês estarão aproveitando ao máximo algo que pelo menos por enquanto é para apenas uma elite nacional, ou seja, um curso universitário.
Deixem o curso de Pedagogia passar por vocês, não passem, simplesmente, pelo curso. Espero, sinceramente, que o conteúdo da disciplina Filosofia da Educação I tenha contribuído com a formação crítica e profissional de vocês.

Valeu!!

Professor Célio.

Um comentário:

  1. Que pena não poder vivenciar esse momento de conteúdos difíceis.... O curso de Pedagogia UEM é muito bom!!!!!


    Sandra Regina

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