terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Gentil




Escrever alguma coisa sobre o Gentil é fácil e difícil ao mesmo tempo. Explico: fácil, pois enquanto esteve entre nós, foi uma pessoa de fácil e gostoso convívio; difícil, na medida em que ele tinha tantas qualidades que possivelmente esqueceria alguma delas. Mas, me sinto impulsionado a tentar deixar, ao menos, a minha impressão sobre aquela gentileza em pessoa, chamada Gentil José Vidotti.
O conheci em 1989 nas quadras do SESC, prá variar, jogando bola. A primeira impressão é que aquele grandalhão, que tinha um chute tal qual um torpedo, se impunha pelo seu tamanho e habilidade; pensei, inclusive: “como um marmanjão como aquele poderia se chamar Gentil?”. Mas não! Logo, logo, percebi que, como falei (e não fui o único) para ele várias vezes, o nome fazia jus à pessoa. Como tantos outros, me senti acolhido por ele e me afeiçoei logo. Desconfio que foi amor à primeira vista, ou, pelo menos, ao primeiro jogo ou primeira cerveja. Desde então, sempre fomos amigos. E daquele tipo de amizade que não é necessário que se encontre todos os dias ou que um vá a casa do outro no final de semana. Me intrometi, talvez por santa inveja, na amizade entre ele e o Adley e tive o topete de passar a chamá-lo de Zé.
Em todos esses 20 anos de amizade, a admiração somente cresceu, pois mesmo em situações extremas, desagradáveis na rotina da UEM, sempre a ponderação foi sua marca. Mas não posso aqui correr o risco de passar uma imagem de alguém que era passivo, muito ao contrário. Sua ponderação vinha sempre carregada de uma postura crítica e, sempre, pautada em argumentos muito bem construídos. Não foi somente o bom coração do Gentil que me causava admiração, mas sim sua inteligência apurada, que carregava um senso de responsabilidade e de respeito pelos outros que, confesso, me faltaram algumas vezes. Mas o mais admirável nisso tudo é que o pano de fundo dos posicionamentos críticos do Gentil era, invariavelmente, a nossa querida UEM, sua segunda casa, como todos sabemos. O orgulho de pertencer a esta comunidade acadêmica e o senso de contribuir, sempre, com o seu crescimento, foi uma marca indelével do nosso Gentil. Passou por vários cargos, mas sempre, muito menos por vaidade, do que para atender ao chamamento de seus colegas de departamento, de centro e de reitorias. Em todas as ocasiões que tive a grata satisfação de conversar em ele sobre a UEM e de estar presente em reuniões em que ele também estava, tive o prazer de presenciar uma sensatez irreparável. Quem lê essas palavras agora pode estar pensando: mas ele nunca errou na condução administrativa? Nunca cometeu injustiças em suas decisões? Claro que ele errou, mas garanto a você, leitor, errou muito pouco; arrisco a dizer que errou muito menos que nós; muito menos que eu, com certeza.
Mas quero falar aqui de um Gentil que algumas pessoas tiveram o prazer de conhecer: o boleiro. Atacante nato, goleador, um chute potente, cabeceador exímio, mas, acima de tudo, um gentleman em campo. É impossível medir o tempo em que joguei bola ao lado ou contra ele nesses 20 anos, mas é possível afirmar quantas vezes vi o Gentil discutir sério com alguém em campo ou ser desleal em alguma jogada: nenhuma vez, e isso com absoluta certeza. O companheirismo sempre esteve acima de tudo para ele e o respeito humano se estendia ao campo de bola. Peço licença para contar duas histórias para ilustrar isso tudo, uma envolvendo o Gentil e outra envolvendo eu e ele. Na primeira, num jogo no Country Club, num dos inúmeros jogos dos inúmeros campeonatos em que participou, ele estava muito irritado com o árbitro do jogo que, em sua opinião, não estava apitando com justiça. Quando chegou ao seu limite de tolerância com os seguidos erros, ele foi para cima do árbitro com todo aquele tamanho e, quando todos pensavam que o Gentil o agrediria, ele simplesmente beijou o rosto do árbitro e disse mais ou menos assim: “estou saindo do jogo para não brigar com você”, e foi para o chuveiro. A outra história é sobre uma discussão que eu tive com ele num jogo na quadra ao lado do departamento de Educação Física. Eu o chateei de tal forma que ele foi embora antes de acabar o jogo me dizendo que eu estava insuportável aquele dia. Confesso, caro leitor, que não consegui dormir naquela noite, tal foi o remorso que fiquei, pois eu havia conseguido discutir com o Gentil (imagina, eu havia conseguido brigar com o Gentil!!). No outro dia, enquanto não falei com ele e pedi desculpas, não consegui trabalhar. É claro que ele me desculpou e, dias depois, rimos muito dessa história tomando nossas cervejas.
Gentil, você foi para mim uma mistura de pai, conselheiro, exemplo, irmão mais velho, que posso sintetizar como amigo. Estar presente naquele momento fatídico não foi fácil, mas talvez tenha sido um presente, meio estranho, que a vida me deu. Mas confesso que foi um dos momentos mais doloridos de minha vida, pois receber a notícia, ainda no HU, de que você não estaria mais junto de nós, foi muito difícil. Você vai fazer muita falta por aqui. As passarelas da UEM estão mais tristes. O campo da ADUEM está mais triste. A UEM toda está mais triste. Quem sabe nós, que tivemos o privilégio de conviver contigo por tanto tempo, não o homenageamos, cotidianamente, sendo mais gentis uns com os outros. 

3 comentários:

  1. Ah, como é difícil a separação. As pessoas passam por nossas vidas e não nos damos conta do quanto são importantes enquanto construímos a nossa história. Somente depois, quando já não estão por perto, é que percebemos o seu valor. Acho que isso é que difere uns dos outros...
    Essa singularidade de cada um faz com que sejamos especiais, e claro, nos reserva o direito de marcar presença na vida daqueles que partilhamos um pouquinho de nós.
    E sabemos que terá valido a pena quando deixamos em cada um a certeza de um sentimento sólido e indestrutível.
    Mesmo quando já é hora de partir para não mais voltar, a amizade permanecerá... para sempre...

    ResponderExcluir
  2. Abração Celião.

    Fiz um "baita" comentário, e o perdi (fui assinar com a conta do google, e deu "pau").

    Virei sempre ler o seu blog.

    Abração

    João

    ResponderExcluir
  3. Olá Célio! escrevo para registrar minha passagem por seu blog, sempre que tiver um tempo darei uma "olhadela". Dicas: aproveite as ferramentas disponíveis, inclua o cadastro para seguidores e os links para compartilhamento das postagens (no face, twitter, etc.), isso facilitará o conhecimento do seu blog e a interatividade. Abraço!

    ResponderExcluir