sábado, 14 de abril de 2012

Luto

Uma das características da nossa sociedade hoje, especialmente entre a juventude, é ausência do sentimento de luto. É preciso sempre enfatizar que a geração, ou gerações, que precederam a minha fizeram muitas conquistas, especialmente no terreno da equidade entre os sexos e entre os diferentes. No entanto, não se pode abrir mão de analisar aspectos complicados que estão presentes na sociedade. Um deles refere-se exatamente à questão do luto.

O luto não se restringe à dor da perda física de pessoas queridas; não se restringe à morte física. O luto pode ser, e é na grande maioria das vezes, simbólico, ou seja, cada perda que sentimos acarreta um sentimento de vazio que beira o insuportável; o vazio desnorteia e chega-se à sensação de que o que se espera à frente é apenas e tão-somente o fim. Por isso mesmo, o que se deseja é superar o quanto antes a dor e passar a viver novamente. Mas, o que as pessoas deixam de perceber é o caráter emancipador que o luto acarreta, pois para se superar a dor, é necessário, segundo a psicologia, passar pelas famosas cinco fases do luto: negação e isolamento, raiva, barganha (negociação), depressão e, finalmente, a superação. Tal processo é lento, mas pular uma das fases pode fazer com que o luto não seja bem resolvido e a vida que segue não seja feita a partir do "zerar as coisas". De fato, sentir o luto, passar por ele, é muito duro, pois é, na verdade, um processo de autoconhecimento, de aceitação dos limites, e de entender que a dor e a resignação fazem parte da vida da mesma maneira que a alegria e o enfrentamento. Aceitar a dor é tão difícil quanto tornar-se adulto; aceitar a necessidade do luto é tão difícil quanto reconhecer que não somos livres para fazermos o que quisermos, com quem quisermos e na hora que quisermos...

Pois bem, como afirmei no início, as pessoas hoje em dia se recusam, o geral, a viver o luto. Na nossa sociedade altamente hedonista, em que a busca e a realização do prazer é uma atitude cotidiana, a dor é deslocada para um cantinho escuro da alma. A negação da dor se reflete na negação do luto, na negação de vivenciar a perda e a ausência, e de buscar, no caso das perdas simbólicas, as razões que levaram a isso. O problema é que leva tempo, pois o luto não se resolve em poucos dias... A negação do luto se dá na substituição quase que imediata daquilo ou daquele(a) que não está mais presente e, dessa forma, a sensação é de que não há, na verdade, razões para dar vazão à dor. Se a substituição é fácil e rápida, porque se prender à dor que teima em manter a ligação com o que se perdeu? Mas, o problema, eu acho, é que sem dar chance ao luto, vivendo intensamente a sociedade do prazer, o espaço para a resignação vai ficando cada vez mais restrito e, por consequência, mais aumenta o espaço para a incompreensão do outro, pois quem não se permite uma autocompreensão, dificilmente se dispõe  a entender o outro. Aceitar e viver o luto predispõe a pessoa a aceitar que o não faz parte da vida e que a disciplina é importante para estabelecer os limites, tanto em termos de relações, como de funções sociais exercidas. A não aceitação dele, pela substituição imediata por outra forma, ou motivação, de prazer, pode acarretar, inclusive, a intolerância.

Será que o que se passa em nossas escolas e famílias hoje não tem a ver com isso tudo?? 

PS: sei que há teorias e muita coisa escrita sobre o luto, mas o que escrevo neste espaço são reflexões minhas que venho fazendo há algum tempo e, é claro, resultado de leituras esparsas, observações e, creio, sensibilidade. O vídeo que segue é uma versão bem-humorada das cinco fases do luto.


2 comentários:

  1. Olá Célio
    Muito bacana abordar este tema, pois ele mostra uma das tantas mudanças que o ser humano tem sofrido e que, consequentemente, tem desestabilizado o curso natural da vida.
    As pessoas estão na era do "isso acontece, fazer o que né"... Querem mostrar que são evoluídas e que têm capacidade de superação nas diversas situações pelas quais passa, e o que acaba acontecendo é que pulam fases importantes para seu amadurecimento diante de determinada situação.
    E ouso dizer que isso em parte, é culpa da educação familiar, que poupa seus filhos e não os deixa viver tudo que a vida oferece, principalmente se for uma situação que cause sofrimento.
    Legal fazer esta reflexão diante de um tema que, de certa forma, faz parte da essência de todos nós.
    Amei o texto! Abraços.

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  2. Não faço parte da claque do "amei seu texto profe"…luto é um dos fenomenos mais simples e interessantes que temos no convivio circadiano das relações. O começar, o durante e o final. Para que uma vez vivido o final, comecemos o começar. Um processo importante e que deveria ser curto. O alongamento merece tratamento neurolinguistico ou psiquiatrico…acabou mas não era pra acabar então porque acabou. O luto mais simples é a morte. Porem falo dos lutos complexos e continuos (circadianos). Abs

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