domingo, 1 de abril de 2012

"A pele (alma) que habito"

Demorei para assistir ao filme do Almodovar, A pele que habito. E, após assisti-lo, me ocorreu que o filme pode remeter a uma metáfora que eu poderia intitular: A alma que habito. No filme, motivado por vingança, o médico transforma um homem em uma mulher, reconstituindo todo o corpo e, também, os sentimentos. O rapaz, então, acostuma-se (até porque não tem alternativa) a habitar uma pele e ter uma aparência que não era a sua, acabando por viver uma vida que não era a sua.

Me ocorre que, simbolicamente, mas não menos real, há relações humanas em que um passa a viver a vida de outro, um passa a viver do ego do outro, um acaba se tornando uma espécie de vampiro de ego, vampiro de alma. Habitar outra alma é anular-se no sentido emocional, é viver de acordo com o que o outro espera, ou daquilo que se acredita que o outro espera. Habitar outra alma é perder-se, é perder a auto-estima, é viver de forma artificial, perdendo a autenticidade. Habitar a alma alheia é torna-se extremamente dependente, vendo no outro a razão da vida, tornando sua ausência como a perda da própria vida. Alienar-se no outro é abdicar da própria individualidade, da própria subjetividade.

Entendo que tal processo é, na grande maioria das vezes, inconsciente, pois a relação de dominação, da busca pela hegemonia das vontades é mascarada por aquilo que as pessoas chamam de amor, atenção, dedicação, cumplicidade etc. Acredito, no entanto, que existem relações onde é perfeitamente conveniente, para os dois, um habitar a alma do outro; onde o mais forte domina o mais fraco, ou aquele que se faz de de fraco domina o que se acha mais forte. Existe, no senso comum, uma crença de que a melhor relação é aquela em que os opostos convivem e se atraem, o que me faz lembrar de uma frase que ouvi em um filme esses dias: "os opostos se atraem para, em seguida, se anularem".

No filme, o personagem que habita a pele de outro consegue se libertar e tentar resgatar-se a si próprio e seu passado... Sempre é tempo de fazer o mesmo quando se está numa relação dessas e, em determinado momento, se passa a ter consciência disso tudo. Sempre há escolhas!!!!

6 comentários:

  1. Olá Célio
    O privilégio de "habitar a própria alma" talvez se efetive melhor para pessoas desta geração.
    Sem querer parecer feminista, porque não sou,vou citar as mulheres que viveram há algumas décadas. Elas eram apenas mães...avós...
    As pessoas não as viam com sua identidade...e sim, como a senhora(e o nome do marido em seguida).E temos casos tão presentes ainda hoje...perto de nós.
    É incrível como ouço pessoas comentarem sobre mudanças em mulheres viúvas há pouco tempo, mostrando-se mais críticas...independentes...e até mesmo mais felizes.
    Na verdade, elas não mudaram...apenas voltaram para suas próprias almas...
    Abraços.

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  2. Olá, acredito que habitar a própria alma é um exercício diário, pois muitas vezes é tentador sentir o ''prazer'' de ser sempre aprovado, esquecendo assim a sua verdadeira identidade.Até mesmo pq para habitar a própria alma demanda reflexão...lógico que nada é tão compensador como ser, pensar e criar como individuo único somos.

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  3. Finalmente algo decente q nao remeta ao diario emcional da crise da meia idade!

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  4. Muito bom o texto. Me parece, as vezes, um tanto pessimista. Longe de mim ter a definição final sobre o que é o tal amor, mas, se ligar ao outro é, sim, um pouco, abrir mão de si, em função de quem gostamos. Como diria Renato Russo: É servir a quem vence, o vencedor.
    Mas, ao mesmo tempo, é uma linha tênue, entre estar feliz, por ver a felicidade daquele de quem se gosta e outro é ter naquele a razão de toda a felicidade. Como vc disse, é um "jogo"; uma "sanfona" que vai e vem, puxa e estica. Acho que perder a capacidade de "puxar" é se render a "alma alheia", existir como aquela pessoa existe e viver dos "respingos" do que a pessoa é, sem perceber, no entanto, que a outra pessoa existe com ou sem a "alma que habita" aquele espaço.
    Abraços!

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  5. Quando deixamos de nos habitarmos para que de certa forma consciêntemente ou não habitarmos a alma de outra pessoas e vivermos a "vida" desta e/ou a "nossa" em virtude da outra, passamos a um nível de escravidão ou própria alienação de nossa mente, dessa forma será que se torna apenas CONVENIENTE ou nos deparamos com sentimento prazeroso de dominação e DEPENDÊNCIA em "viver" assim?

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