sábado, 23 de maio de 2015

Bem x Mal - as crianças de ontem e as de hoje

"Como os tempos atuais são diferentes dos da minha infância". Pessoas na minha faixa etária dizem com freqüência esta frase, e eu, é claro, também o afirmo. Até porque é pura realidade e verdade. As brincadeiras são diferentes, a liberdade (ou a falta dela) é diferente, a inocência é mediatizada por outras coisas, enfim, a diferença realmente é muito grande. "Como a gente era mais feliz antes", "na minha época havia melhores valores", "hoje em dia está bem pior do que antes", são frases que também ouvimos muito por aí dos mais velhos, incluindo aí os acima de 40 anos. A percepção das gerações anteriores normalmente, arrisco a dizer que em toda a história, é a de que as geração posteriores estão vivendo de forma pior, mais despreparada, mais perniciosa, dentre outros adjetivos mais depreciativos. Acho que para algumas coisas sim, as gerações têm razão em seu julgamento das novas, mas, para outras, me parece que é puro lamento de quem vê a morte mais perto do que a vida. Mas o que isto tudo tem a ver com o título deste post? Eu quero refletir hoje sobre a percepção do bem e, especialmente, do mal, para as crianças de hoje e, é claro, pensar em como a minha geração foi formada neste aspecto.

Para falar da minha época vou relatar, com um pouco de receio, um fato acontecido comigo. Eu tinha 15 anos quando assisti ao filme O Exorcista, e foi com certeza um dos momentos da minha vida em que mais senti medo, a ponto de, com aquela idade, tomar a decisão vexatória de dormir no quarto de meus pais, além de, depois, no meu quarto, dormir com a Bíblia debaixo do travesseiro por mais de um mês. Depois de um tempo, alguns anos mais tarde para falar a verdade, eu refleti sobre o meu medo da época e conclui que se tratava de uma potencialização do temor do diabo quando ele possuiu a menina no filme, personificando, de certa forma, o mal, ou os seus efeitos. Na minha época de infância e adolescência tanto Deus como o diabo eram apresentados com tintas fortes, um como vigilante de tudo, especialmente das ditas "coisas ruins" que todo adolescente faz, e o outro como aquele que está esperando um deslize para se apossar da alma. O maniqueísmo, portanto, era extremamente forte, e a pedagogia do medo funcionava muito bem naquele ambiente religioso cristão. Tal concepção da existência de forças do bem e do mal perpassava as histórias infantis, nas quais sempre havia a personificação do bem (Cinderela, por exemplo) e a sua contrapartida do mal (Madrastra da Cinderela, no mesmo exemplo); aliás, praticamente todas as histórias infantis tinham o mesmo esquema psicológico e o final, a moral da história, teria que ser a vitória de quem era do bem contra quem representada ou personificava o mal. Assim, madrastas, bruxas, lobos, ogros, tinham, necessariamente, um final funesto, mas, para engrandecer o bem, eles existiam, eles estavam lá, prontos para "devorar" sua alma.

Hoje em dia, de alguns poucos anos para cá, talvez desde Deu a Louca na Chapeuzinho e Shrek, os filmes infantis ganharam uma outra tônica, um outro esquema psicológico e, consequentemente, viraram do avesso o maniqueísmo existente na mentalidade religiosa da sociedade. Talvez o filme que melhor expresse esta reviravolta foi Malévola, o mais recente desta onda de filmes que invertem os papeis e nos apresentam bruxas, lobos, ogros, madrastas que não são maus e até, pelo contrário, são divertidos, boas-praças e, portanto, adoráveis. O filme Malévola, na minha opinião, sintetiza muito bem tal inversão: aquela que sempre foi a fada má, a invejosa, a preterida, transformou-se na mulher exuberante, que amou e foi traída em seu amor, aquela que cuidou da princesa e lhe mostrou um mundo diferente, mais sensível, mais mágico, do que os frios muros do castelo. Como não ficar do lado da Malévola contra o rei oportunista? Estamos vivendo hoje um momento especial na formação de nossas crianças e adolescentes. Eles não estão mais sendo encerrados em esquemas quadrados, que anteriormente às coisas as definem para sempre; eles não estão mais sendo dicotomizados entre o bem e o mal, entre Deus e o demônio; eles têm mais liberdade para decidir as coisas e viver num mundo em que tudo é sempre mais complexo do que esquemas redutores; eles não têm que ficar mais na espreita de encontrar, "cara a cara", como uma imagem demoníaca, que serviu para criar boa parte do superego existente nas pessoas.

É claro que nem tudo são flores... Ter mais liberdade, não ter sido criado num esquema que reduzia, e portanto facilitava, a realidade a dois polos visíveis e palpáveis, trás muito mais responsabilidade de fazer as coisas certas. O bem e o mal existem, pois existem coisas boas e coisas ruins, atitudes boas e ações más, pessoas que fazem o bem e pessoas que fazem o mal, e, portanto, nosso mundo não está imune dos perigos, muito pelo contrário, eles estão aí cada vez mais próximos, pois os perigos são trazidos por gente de carne e osso, e não por espíritos atormentados e atormentadores. É preciso, mais do que nunca, aproveitar a liberdade psicológica e moral que as crianças estão tendo para conversar com elas, para dar o exemplo de que, fundamentalmente, quando se pensa no outro, no seu bem, quando se respeita o espaço do outro, o espaço público, quando se trata bem as pessoas, independente de sua condição social, aí sim estamos fazendo e ensinando a fazer o bem. O contrário disto, o egoísmo, os preconceitos de raça, credo, políticos, de gênero etc., estes sim, são as atuais personificações do mal. Ensinar a fazer o bem é, antes de tudo, dar o exemplo!!!

Ah, quanto ao filme O Exorcista, confesso, meio envergonhado, que nunca mais consegui assisti-lo, e este é um dos desafios que trago desde então para minha vida.



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