sábado, 23 de maio de 2015

Livros para colorir

Depois de um tempo volto a escrever aqui e, para quem sentia falta, este é o primeiro de cinco posts que escrevi na seqüência. Aguardem os outros para bem breve.


Depois dos livros de auto-ajuda, que aliás continuam muito bem vendidos, o atual sucesso "editorial" são os livros para colorir. Somente os livros Jardim Secreto e Floresta Encantada  já venderam juntos mais de 1 milhão de cópias no Brasil. Será que o apelo por este tipo de "leitura" é algo espontâneo ou responde a um tipo de comportamento social? Assim como os livros de auto-ajuda, que são sucessos editoriais por responderem a anseios da população em encontrar auxílio para sair de crises e se dar bem pessoal, social e profissionalmente, os livros para colorir devem estar ligados a algum tipo de vazio existencial presente, em abundância, na atualidade.

Não sei se meus leitores já viram, ou provavelmente alguns já até compraram, os livros para colorir, mas, o fato, é que são boas edições, com desenhos minuciosos e com muitas páginas. Os livros são vendidos com antiestresse em meio à agitação do dia-a-dia e para que as pessoas se desliguem um pouco da TV e das redes sociais, e como um remédio para a nomofobia, dificuldade que as pessoas têm de se desligar da internet, tida como uma das novas doenças da atualidade. No entanto, depois de ver atentamente um dos livros que minha filha comprou (Jardim Secreto), fiquei me perguntando que vazio(s) este tipo de "literatura" preenche(m) de fato na vida dos adultos, já que são eles os principais consumidores?

Quando algo vira moda, seja lá o que for, eu sempre me pergunto os motivos, pois me intriga o fato de que, de uma hora para outra, milhões de pessoas passarem a consumir ou pensar da mesma forma. Para mim, especialmente quando se trata de algum produto, há sempre dois polos envolvidos: um do idealizador, que, por alguma razão, enxergou naquele produto uma demanda a ser potencializada; e o outro polo é o consumidor que, também por algum motivo, passa a sentir necessidade daquele produto porque ele o trás prazer e o faz sentir-se feliz. O problema é que, na maioria dos casos, o produto da moda vai ao encontro de vazios existenciais preenchidos por conteúdos empobrecedores, fluidos e, portanto, lastimáveis.

Não estou aqui julgando ninguém em particular e muito menos afirmando que todas as pessoas se encaixam na minha análise, pois sempre procuro pensar nos aspectos mais gerais das questões. No caso dos livros de colorir penso três coisas: primeiro que eles não acrescentam nada na vida dos adultos, não informam nada de novo, não problematizam a vida do leitor, não acrescentam nenhum dado cultural, não apresentam nenhum novo personagem, enfim, de fato, não são livros; segundo, enquanto fenômeno editorial, me parece que se trata de mais uma coisa que contribui para a infantilização da vida adulta, pois pintar, para a imensa maioria das pessoas (tirando os artistas mesmo, os quais, aliás, acho que se recusariam a ficar pintando desenhos), é brincar, é repetir uma brincadeira e não criar algo novo, pois os desenhos estão prontos (parece as comidas prontas de hoje em dia) para serem consumidos, ou melhor, para serem pintados e, além do mais, pintar desenhos prontos é uma atividade própria para as crianças pequenas que estão aprendendo o sentido da lateralidade espacial; e, em terceiro lugar, é um fenômeno de massificação de algo um tanto sem sentido, que padroniza comportamentos e busca combater o vazio da existência com algo igualmente vazio de significado, pois, de fato, ao se trocar a possibilidade de combater a dependência da internet com livros reais (sejam de papel ou eletrônicos) e seus significados culturais, por livros com desenhos prontos para serem pintados, criamos um sério risco de esvaziarmos ainda mais a nossa já combalida humanidade.

Finalmente, os livros para colorir são realmente bonitos. Quem gosta de pintar desenhos prontos, cheios de detalhes, que se deleitem, não os julgo e muito menos os condeno. Mas saibam que fazem parte de uma onda que tende a despersonalizar o ser humano, infantilizar o adulto e tomar uma espécie de placebo contra  o vazio da existência humana, ou seja, remédio que não ataca a causa e, a rigor, nem os efeitos.

PS: com meus agradecimentos ao David pela ideia deste post.




7 comentários:

  1. Concordo totalmente com a sua analise.

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  2. Ótima analise professor, eu por exemplo, apesar de gostar muito de atividades artísticas, já me perguntei muito sobre o porque desse livro estar em alta, sendo algo que toma das pessoas um tempo que não está sendo investido, pois não trás nenhum crescimento, até porque ele não está sendo consumido por crianças, mas por adultos que já desenvolveram sua coordenação motora fina. Na correria diária da vida moderna, acredito que o pouco tempo de lazer que temos deveria ser utilizado em algo mais produtivo do que ter um livro colorido.
    Parabéns pela exposição.

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  3. Professor comprei este livro para minha filha brincar de colorir, ela pediu minha ajuda pois eram muitos detalhes e eu fiquei estressada com aqueles desenhos, aliás na correria do dia a dia e díficil ter tempo para se colorir livro e realmente não se acrescenta nada de novo em nossas vidas.

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  4. Professor quando vi esse livro fiquei com vontade de comprar achei que se tratava de uma história.um certo dia na casa da minha prima ,eu observei ela pintando o tempo todo.Quando vi ela estava com o livro Jardim secreto, perdi na hora o entusiasmo pensei que fosse um livro mais interessante. Com tantas coisas que se tem para aprender e fazer ficar perdendo tempo pintando deve mesmo ter problemas.

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  5. Este comentário foi removido pelo autor.

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  6. Boa análise professor, no ambiente que trabalho tem pessoas que faz uso deste livro para colorir, as vezes fico pensando se eu tivesse um livros desses com certeza iria para o lixo, porque me estressaria muito mais. Minha fase de pintar já passou, não tenho paciência pra isso. Penso que, o ser humano em sua fase adulta, deve se importar com questões relevantes que o façam refletir para atualidade crítica e analítica e não modismo. Agora pergunta para o ser que está com um livro desse, o porque está pintando, certamente te responderá que é para desestressar, verá que todos vão repetir a mesma resposta. Mas faz uma pergunta tipo; Qual é o objetivo dos traços lineares, profundidade do desenho, elementos da composição dos traços e valores do arranjo ou até mesmo a história que tem por trás dos traços? Nenhum saberá te responder e nem ao menos vai refletir o porque da sua pergunta.Na nossa atualidade vivemos em meio ao modismo, consumismo e a chave indutora que é a mídia.

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  7. Boa análise professor, no ambiente que trabalho tem pessoas que faz uso deste livro para colorir, as vezes fico pensando se eu tivesse um livros desses com certeza iria para o lixo, porque me estressaria muito mais. Minha fase de pintar já passou, não tenho paciência pra isso. Penso que, o ser humano em sua fase adulta, deve se importar com questões relevantes que o façam refletir para atualidade crítica e analítica e não modismo. Agora pergunta para o ser que está com um livro desse, o porque está pintando, certamente te responderá que é para desestressar, verá que todos vão repetir a mesma resposta. Mas faz uma pergunta tipo; Qual é o objetivo dos traços lineares, profundidade do desenho, elementos da composição dos traços e valores do arranjo ou até mesmo a história que tem por trás dos traços? Nenhum saberá te responder e nem ao menos vai refletir o porque da sua pergunta.Na nossa atualidade vivemos em meio ao modismo, consumismo e a chave indutora que é a mídia.

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