domingo, 11 de março de 2012

PODER (2)


Tendo, ainda, por base as Crônicas de Gelo e Fogo, reflito sobre as relações de poder no sentido mais conhecido do termo: a política, ou sobre qualquer disputa pelo poder institucionalizado, seja por meio de partidos ou de grupos e/ou organizações. Como já escrevi antes, o que me seduz no enredo de George Martin é o fato de que a disputa pelo poder é conduzida de forma não-linear, onde as nossas esperanças de que o bem vença, por intermédio dos mocinhos, são destroçadas. Confesso que algumas vezes caí numa espécie de abismo moral, tendo que reconstruir, como leitor, certos vazios heroicos de personagens para os quais eu estava torcendo. Ler os volumes das Crônicas se tornou um exercício duro de lidar com o inusitado dos desaparecimentos, das traições, das armadilhas, da vitória (pelo menos momentânea) dos maus... acho que hoje já estou acostumado e minhas angústias diminuem. Mas o que mais encanta é que a história apresenta as almas humanas como realmente são, sem rodeios, sem floreios, por vezes cinicamente e, por outras, ingenuamente. Talvez por gostar tanto de mitologia é que eu saboreie cada capítulo da história dos Sete Reinos de Westeros como uma refeição requintada.
Mas, o que tem a ver isto tudo com a política? Tudo, atrevo-me a responder. No senso comum dos brasileiros, calcados cultura cristã ocidental, é comum encontrarmos referências a um tipo ideal de política em que todos os atores deveriam ser verdadeiros, sérios, honestos, bons de coração e cumpridores de suas promessas. No entanto, aparentemente como se fosse contraditório, há também no senso comum a crença na corruptilidade natural dos políticos, ou seja, para ser político a pessoa não pode ser honesta, séria, verdadeira e, especialmente, boa de coração... Parece que estamos sempre lutando por aquilo que acreditamos que seria o ideal, mas nos entregando àquilo que seria, de fato, a realidade. Na minha visão, nem uma coisa nem outra corresponde ao modo realista de ver a política.
Partir do princípio de que os homens são, por essência, bons, é  um engodo que custa muito caro. Partir, por outro lado, da consciência de que a política é coisa para desonestos, é outro engodo que custa mais caro ainda. Me parece que o ponto de partida deveria ser: a política é coisa humana que diz respeito a um determinado conjunto de pessoas que se encontram juntas num determinado ambiente e, portanto, como coisa humana ela deve ser encarada do modo mais realista possível. Se a alma humana é, como acredito, não-linear, cheia de idas e vindas, plena de possibilidades, de lutas por supremacias, de afinidades, de emoção e, é claro, de razão também, as relações políticas que se estabelecem o são da mesma forma. “Em política”, como dizia um político, “até água sobe a cachoeira”, ou seja, a política é imprevisível, assim como os homens o são. Fazer uma avaliação maniqueísta da política é acreditar que o ser humano é movido pelo bem ou pelo mal, por Deus ou pelo Demônio, ou seja, é, de certa forma, sacralizar a realidade e, portanto, em sentido estrito, desumanizá-la.
Penso, por fim, que sendo a política, como dizia Aristóteles, a arte de pensar e construir da melhor forma possível a pólis, a cidade (neste caso, qualquer instituição), ela diz respeito a um conjunto de pessoas e, portanto, devemos lutar para que os seus resultados beneficiem o maior número delas. Entrar na política, na luta pelo poder institucional, apenas por fazê-lo, sem qualquer projeto maior de se tornar um instrumento a favor da maioria, é simplesmente fazer uso individual do que foi feito para ser coletivo. Lutar pelo poder simplesmente para manter o poder se parece, com as devidas diferenças de proporção, a quem tem ciúmes do parceiro por acreditar que o outro, sendo propriedade, não pode ter liberdade.

Um comentário:

  1. Olá Célio
    Olha eu aqui...opinando outra vez...rs.
    O texto é incrível, pois demonstra uma complexidade misturada a uma simplicidade, que nos faz refletir sobre o que realmente pensamos do poder na sua forma mais expressiva, a política.
    Sabemos que ela faz parte da formação de qualquer pessoa, em qualquer parte do mundo e em qualquer época.
    Nos mais elevados níveis sociais até nas camadas mais pobres, está presente. E o interessante é que seu significado, de certa forma, ainda é desconhecido por muitos.
    Convivemos com a política durante toda a vida, mas quando nos deparamos com ela, uma defesa do cérebro não nos deixa enxergá-la com uma visão límpida. É como se uma barreira fosse criada, impedindo uma aproximação, e colocando-a num pedestal em que apenas alguns poucos conseguem chegar. São estes que se tornam "os senhores do poder".
    E para fazer política, eles se espelham na alma humana, deixando fluir a certeza, a dúvida, o ciúme, a inveja, o egoísmo, a hipocrisia, a sedução, a malícia, enfim, tudo aquilo que faz parte da essência do ser humano, e que inegavelmente, o faz tão encantador.
    Então Célio, deixo aqui uma indagação: será que a política é por si só uma vilã que em prol de poder separa os bons dos maus, gerando um conflito na humanidade, ou seria apenas a mais perfeita tradução da palavra "gente"?
    Lembrando que, tem gente boa...tem gente má...tem gente sábia...tem gente falsa...enfim, tem gente nas mais variadas versões...afinal, as pessoas não nascem boas ou más. Elas são aprimoradas pela vida.
    Ah, voltando ao texto, dizia que é preciso, para fazer política, visar o coletivo sem focar o poder...
    Sendo assim...acho que seria preciso ensinar muita gente a virar "gente"...

    Um grande abraço e desculpe a invasão...rs.
    Nêgime

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