
Tendo, ainda, por base as
Crônicas de Gelo e Fogo, reflito sobre as relações de poder no
sentido mais conhecido do termo: a política, ou sobre qualquer disputa pelo
poder institucionalizado, seja por meio de partidos ou de grupos e/ou
organizações. Como já escrevi antes, o que me seduz no enredo de George Martin
é o fato de que a disputa pelo poder é conduzida de forma não-linear, onde as
nossas esperanças de que o bem vença, por intermédio dos mocinhos, são
destroçadas. Confesso que algumas vezes caí numa espécie de abismo moral, tendo
que reconstruir, como leitor, certos vazios heroicos de personagens para os
quais eu estava torcendo. Ler os volumes das
Crônicas se tornou um exercício duro de lidar com o inusitado dos
desaparecimentos, das traições, das armadilhas, da vitória (pelo menos
momentânea) dos maus... acho que hoje já estou acostumado e minhas angústias
diminuem. Mas o que mais encanta é que a história apresenta as almas humanas
como realmente são, sem rodeios, sem floreios, por vezes cinicamente e, por
outras, ingenuamente. Talvez por gostar tanto de mitologia é que eu saboreie
cada capítulo da história dos
Sete Reinos
de Westeros como uma refeição requintada.
Mas, o que tem a ver isto tudo com a política? Tudo,
atrevo-me a responder. No senso comum dos brasileiros, calcados cultura cristã
ocidental, é comum encontrarmos referências a um tipo ideal de política em que
todos os atores deveriam ser verdadeiros, sérios, honestos, bons de coração e
cumpridores de suas promessas. No entanto, aparentemente como se fosse
contraditório, há também no senso comum a crença na corruptilidade natural dos
políticos, ou seja, para ser político a pessoa não pode ser honesta, séria,
verdadeira e, especialmente, boa de coração... Parece que estamos sempre
lutando por aquilo que acreditamos que seria o ideal, mas nos entregando àquilo
que seria, de fato, a realidade. Na minha visão, nem uma coisa nem outra
corresponde ao modo realista de ver a política.
Partir do princípio de que os homens são, por essência, bons,
é um engodo que custa muito caro.
Partir, por outro lado, da consciência de que a política é coisa para
desonestos, é outro engodo que custa mais caro ainda. Me parece que o ponto de
partida deveria ser: a política é coisa humana que diz respeito a um determinado
conjunto de pessoas que se encontram juntas num determinado ambiente e,
portanto, como coisa humana ela deve ser encarada do modo mais realista
possível. Se a alma humana é, como acredito, não-linear, cheia de idas e
vindas, plena de possibilidades, de lutas por supremacias, de afinidades, de
emoção e, é claro, de razão também, as relações políticas que se estabelecem o
são da mesma forma. “Em política”, como dizia um político, “até água sobe a
cachoeira”, ou seja, a política é imprevisível, assim como os homens o são. Fazer
uma avaliação maniqueísta da política é acreditar que o ser humano é movido
pelo bem ou pelo mal, por Deus ou pelo Demônio, ou seja, é, de certa forma,
sacralizar a realidade e, portanto, em sentido estrito, desumanizá-la.
Penso, por fim, que sendo a política, como dizia
Aristóteles, a arte de pensar e construir da melhor forma possível a pólis, a
cidade (neste caso, qualquer instituição), ela diz respeito a um conjunto de
pessoas e, portanto, devemos lutar para que os seus resultados beneficiem o
maior número delas. Entrar na política, na luta pelo poder institucional,
apenas por fazê-lo, sem qualquer projeto maior de se tornar um instrumento a
favor da maioria, é simplesmente fazer uso individual do que foi feito para ser
coletivo. Lutar pelo poder simplesmente para manter o poder se parece, com as
devidas diferenças de proporção, a quem tem ciúmes do parceiro por acreditar
que o outro, sendo propriedade, não pode ter liberdade.